Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Manoel de Oliveira era uma personalidade fascinante. Era o Mestre. Conheci-o pessoalmente e sou testemunha da sua energia até praticamente ao fim. Hoje ouvimos um coro de elogios, mas nem sempre foi assim durante a vida – o que demonstra o seu carácter absolutamente singular e inovador. Os testemunhos sobre a apresentação de «Douro, Faina Fluvial» foram de perplexidade ou de admiração (de poucos). A controvérsia foi evidente. Agora, não temos dúvidas sobre o extraordinário valor artístico e documental dessa obra-prima do cinema mundial. Veja-se também o «Ato da Primavera», onde a originalidade se traduz na fidelidade à vivência popular do fenómeno religioso e antropológico. João Bénard da Costa tinha uma grande admiração pelo Mestre e tantas vezes ensinou-nos a ver com olhos de ver, na prosa luminosa que nos legou, o significado da sua obra e a extraordinária ligação à literatura. Além do mais, João foi o inconfundível Duarte de Almeida na obra de Oliveira. Não esqueço ainda a relação muito curiosa e difícil com Agustina Bessa-Luís. Dir-se-ia que duas grandes personalidades faziam coexistir a complementaridade e a tensão. Admiraram-se sem renunciar ao sentido crítico. Quando se estudar melhor a cultura portuguesa do século XX verificar-se-á como essa ligação representa um retrato essencial da complexidade da atividade criadora. Em mais de uma circunstância, disse que o meu filme preferido é «Palavra e Utopia», em que Luís Miguel Cintra e Lima Duarte dão vida ao «Imperador da Língua Portuguesa». Tive, aliás, o gosto especial de ter visto no Teatro Gil Vicente de Coimbra essa filme fantástico, com o Mestre e com Lima Duarte, a quem disse pessoalmente o que aqui escrevo. Aí está todo o grande cineasta – assumindo a fidelidade suprema relativamente à Palavra, através de um dos maiores génios da língua portuguesa. Manoel de Oliveira, deixa-nos aos 106 anos, mas a sua filmografia diz tudo. Não esquecemos a projeção internacional da sua obra e o sentido de entrega total à sua arte. Por isso, ainda tinha muitos projetos na sua carteira imaginosa
1. Sendo a não-discriminação uma qualidade distintiva dos direitos humanos, por maioria de razão se torna mais abrangente, sólida e vanguardista, para a sua consolidação e universalização, falando em direitos humanos, e não em direitos do homem, para salvaguarda da igualdade de género. A Organização das Nações Unidas define-os como garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentam contra a dignidade humana. No confronto entre o poder e a fragilidade do indivíduo, a dignidade do ser humano é o núcleo central, irredutível e inviolável que tem de ser respeitado, permitindo-lhe realizar-se na sua essência, tendo a pessoa como um fim em si mesmo, antepondo-se e impondo-se a todo o poder estabelecido, obrigando Estados e dirigentes estaduais e protegendo indivíduos e grupos. Baseados num sistema de valores comum, integrando direitos de todo o ser humano, em todos os lugares, são garantidos internacionalmente, juridicamente protegidos e universais. Não podendo ser repudiados ou suprimidos, são iguais e interdependentes, ou seja, nenhum deles é superior ou inferior aos demais e o gozo de qualquer um afeta o gozo dos restantes. Daí que, por exemplo, a carência do gozo do direito a uma alimentação adequada possa pôr em risco o gozo de todos os outros direitos humanos, incluindo o bem supremo que valorizamos individualmente (a saúde), a liberdade (incluída a de expressão), sem esquecer o direito à vida, e assim sucessivamente. Já há uma história dos direitos humanos, que nos permite falar em várias gerações, debruçando-se a primeira sobre os direitos pessoais (civis) e individuais, como o direito à vida, à liberdade e à segurança, à igualdade e à não discriminação, a não ser escravizado nem torturado, a ser sujeito de direitos, a um julgamento justo, à presunção de inocência, à não retroatividade da lei penal, a constituir família, à liberdade de consciência e de religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação. A segunda inclui os direitos económicos, sociais e culturais, sobressaindo, entre eles, o direito ao trabalho, à saúde, educação, habitação, à liberdade sindical, à segurança social, a remuneração igual por trabalho igual, ao repouso e lazer. Fala-se, hoje, nos direitos emergentes ou de terceira geração, agrupando a preservação do meio ambiente, o de viver numa sociedade ecologicamente saudável e sustentável, a viver em paz, o direito à felicidade, à imagem, à inclusão e ao desenvolvimento. Apesar de diretamente aplicáveis e vinculativos, estão condicionados na sua aplicabilidade pelos recursos disponíveis para a sua efetivação, nomeadamente os de segunda geração, dado serem tidos como direitos sob reserva social essencialmente realizados através da ação estadual, determinados por opções políticas e dependentes dos recursos existentes quanto à sua concretização. Há necessidade, segundo várias opiniões, de reduzir o elenco de direitos humanos a um núcleo mais diminuto, diferenciando-os dos de cidadania, tidos como criações políticas e relacionados com a existência de um estado soberano. Nesta interpretação restritiva, muitos direitos humanos assim proclamados são direitos de cidadania. O que sucede com os direitos sociais em geral, incluindo os económicos e culturais, que cumprindo-se por ação estadual, via leis e atos administrativos, contextualizam e executam políticas de educação, habitação, saúde, segurança social, trabalho, variando de Estado para Estado, consoante os recursos e disponibilidades financeiras, onde a solução utilitarista se confronta com outra mais exigente e universalista. 2. Embora esta interpretação redutora de uma lista curta de direitos humanos não reúna consenso, continuando a ter maior receção o leque de direitos mais abrangentes, não deixa de ser reforçada ao constatar-se não serem sindicáveis perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos os direitos económicos, sociais e culturais, ao invés dos direitos civis e políticos, onde se inclui a liberdade de expressão, o que confirma a sua capacidade inata de anteceder o Estado e o Poder como padrão mínimo de dignidade humana. Seja qual for a posição adotada, esta proeminência transversal da liberdade e, no nosso caso, da de expressão, confere-lhe caraterísticas de permanência e universalidade em termos de direitos humanos. Ao instituir-se a liberdade de expressão como um direito e um valor primordial, permitimos que nos estudemos e critiquemos a nós mesmos, pondo-nos em causa, em interligação com a educação, a ciência, a cultura e as humanidades em geral. Tendo como perceção dominante a sua génese ocidental (à semelhança dos direitos humanos no seu todo), permite que se critique e censure livremente esse mesmo Ocidente. Tal primazia também prevalece quando o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação é potencialmente conflituante com o direito ao bom nome, à honra, à reputação de outrem, à imagem e à palavra, desde que, por exemplo, no caso de jornalistas, não se ultrapassem os limites que lhes são impostos. Entre nós, se é verdade que durante muito tempo a jurisprudência dos nossos tribunais abordou a questão na perspetiva do direito à honra e suas ressalvas prevalecer, enquanto direito de personalidade, como regra, sucede que a jurisprudência do TEDH seguiu caminho inverso, tutelando a liberdade de expressão enquanto pilar fundamental do Estado democrático e condição primordial do seu progresso e do desenvolvimento da pessoa, interpretando restritivamente o artigo 10.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Assim, a CEDH situa-se, por força dos artigos 8.º e 16.º, n.º 1 da nossa Constituição, num plano superior às normas ordinárias de direito interno, pelo que a resolução do aludido conflito tem que ser feita à luz do art.º 10.º, n.º 2 da Convenção e da interpretação que dele vem fazendo o TEDH. É nos domínios em que a nossa ignorância é maior, que a liberdade, inerentemente antiautoritária, é mais importante, incluindo a liberdade da liberdade de expressão, não se confundindo com anarquia, pois quanto maior o grau e o valor do direito de informação e da liberdade de expressão, mais democrática é a sociedade, sendo causa de mais Saber e mais Poder, sempre escrutináveis. Compreende-se melhor, assim, a frase atribuída a Voltaire: Não concordo com o que dizes, mas bater-me-ei até à morte para que possas dizê-lo. Quanto menos informados e mais súbditos, menos educados e mais ignorantes, menos liberdades, educação e cultura, o que há que alterar em benefício de uma democracia e liberdade de expressão em responsabilidade, onde não há só direitos, mas também deveres a partilhar.
15 de março de 2015 Joaquim Miguel De Morgado Patrício