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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ATORES, ENCENADORES (XVIII)

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Manoel de Oliveira na Mostra de Cinema de Veneza, em 1991

 

EVOCAÇÃO DE MANOEL DE OLIVEIRA

Neste mesmo blogue Guilherme Oliveira Martins evocou já a "morte  de Manoel de Oliveira". (2 de abril).  

Faremos aqui referência a Manoel de Oliveira na sua ligação ao mundo do teatro através designadamente da sequência brilhante de filmes que realizou a partir de peças teatrais. Mas também, como ator, destacando precisamente a   marcante interpretação, no clássico “A Canção de Lisboa”  (1933) de Cotinelli Telmo.

Manoel de Oliveira surge entretanto em alguns filmes de sua autoria, por vezes “aparições” perfeitamente secundárias ou ocasionais: faz lembrar um pouco, nesse aspeto, o próprio Hitchcok, na figuração instantânea que introduzia sistematicamente nos seus filmes, como uma imagem de marca ou um atestado de autoria.

Não assim, note-se, com Manoel de Oliveira, pois em dois filmes relevantes, um deles, aliás referencial da história do cinema português, desempenhou papéis, não propriamente de protagonista, mas de projeção: na já citada “Canção de Lisboa” e também em “Fátima Milagrosa” (1927) de Rino Lupo, realizador romeno que aliás seria autor, em Portugal, de êxitos meritórios do cinema mudo, como  designadamente “Os Lobos”.

Felix Ribeiro considera entretanto que “Fátima Milagrosa” é um filme de pouca qualidade inclusive porque “da parte de muitos interpretes se observava um amadorismo e uma insuficiência dificilmente tolerável”… (in “Filmes, Figuras e Factos do Cinema Português” ed. Cinemateca Portuguesa 1983 pag.225). Ora, dessa deficiência não pode ser acusado Manoel de oliveira, que se limitou, neste filme, a mera figuração, aliás ilustrada no livro citado com uma fotografia.

E  esse destaque é  testemunho da projeção que viria a atingir Manoel de Oliveira no historial do cinema português. De tal forma que a sua outra participação como ”ator profissional” já se revestiu de uma importância destacada. É como se referiu na “Canção de Lisboa” - e  nem Cotinelli Telmo seria capaz de confiar a um ator “menor” um papel de relevo neste excelente filme, o primeiro   sonoro totalmente produzido e realizado em Portugal.

Basta ver o elenco: Vasco Santana, António Silva, a jovem Beatriz Costa, e, diz-nos agora Luis de Pina, “a presença jovem de Manoel de Oliveira num belo carro de desporto, já consagrado pelo prestígio de «Douro Faina Fluvial». ( in “A Aventura do Cinema Português” -  Veja ed. pag. 39) E é de notar que nomes como Chianca de Garcia, José Gomes Ferreira ou Fernando Fragoso, mesmo alguns deles não referidos no genérico, estiveram ligados à produção.

É altura pois de referir que a longuíssima filmografia de Manoel de Oliveira  reflete, em numerosos títulos, um espécie de evolução da dramaturgia portuguesa, sobretudo a partir de peças, adaptações mais ou menos contemporâneas – e todas elas, contemporâneas do realizador, dada a sua extraordinária longevidade. E é notável que ao longo de dezenas de anos, teve sempre uma noção e visão evidentemente moderna, mas em cada fase, contemporânea das peças e de autores, com a exceção cronológica mas não de espetáculo, do “Acto da Primavera” (1963) representação popular a partir de um texto clássico de Francisco Vaz  Guimarães (século XVI).

Mas com essa exceção – e mesmo assim, o espetáculo era na época pelo menos, realizado anualmente - , pode-se dizer que a filmografia de Manoel de Oliveira, no que se refere ao teatro, concentra-se em autores dos nossos tempos... Ora vejamos (as datas referem a produção dos filmes):

1972  -  “O Passado e o Presente” de Vicente Sanches; 1974 – “Benilde ou a Virgem Mãea” de José Régio; 1981 – “Visita ou Memórias e Confissões” – diálogos de Agustina Bessa Luis e Manoel de Oliveira; 1981 – “Le Soulier de Satan” de Paul Claudel; 1986 – “O Meu Caso” de José Régio; 1987 - “Os Canibais” ópera de Alvaro Carvalhal sobre libreto de João Paes;  1994 -“A Caixa”  de Prista Monteiro; 1996- “Party” com diálogos de Agustina Bessa Luis; 1998 – “Inquietude” de Prista Monteiro; 2012- “O Gebo e a Sombra” de Raul Brandão.

É por vezes uma cinematografia difícil? Será: mas retomo aqui o comentário de um crítico francês, Jacques Parsi, no livro que dedicou a Manoel de Oliveira (“Manoel de Oliveira – Cineaste Portugais” ed. Centre Culturel Calouste Gulbenkian 2002 pag. 1612):

“Esta forma de escrever o cinema destabiliza alguns espetadores, a ausência do espetacular afasta muitos outros. A dificuldade decorre, no caso, de que é necessário limpar o  olhar, desembaraça-lo  dos seus reflexos condicionados. Só por aí se pode falar de dificuldade para abordar o cinema de Manoel de Oliveira. Ora paradoxalmente, as pessoas ficam muitas vezes nesta abordagem superficial, sem ver que o que é obscuro, complexo, por vezes insondável, é a vida que é mostrada”.

E no final:

“Os filmes de Oliveira só são simples ou claros na sua linguagem. Ora a simplicidade não é incompatível com o maior refinamento, é o que se chama pureza.“

No blogue acima citado, Guilherme Oliveira Martins refere-se especificamente à “relação muito curiosa e difícil com Agustina bessa-Luis. Dir-se-ia que duas grandes personalidades faziam coexistir a complementaridade e a tensão. Admiravam-se sem renunciar ao sentido crítico”.

Na morte de Manoel de Oliveira, aos 106 anos, fica esta homenagem e esta memória.


DUARTE IVO CRUZ