REFLEXÕES SOBRE LÍNGUA PORTUGUESA NA CPLP, UE E MUNDO LUSÓFONO
Estátua «Bandeirantes» S. Paulo.
1. As línguas, à semelhança dos organismos vivos, nascem, crescem, vivem, morrem, expandem-se e definham, adoecem e reconvalescem, procriam e esterilecem. Podem ser vistas como um organismo que se alimenta por via de um processo de expansão dos seus falantes, combinado com o seu desenvolvimento económico, cultural, científico e tecnológico, em que o primeiro elemento protege os falantes nativos, potenciando o segundo o aparecimento de falantes não nativos. Como organização internacional e plurinacional com maior responsabilidade mundial quanto ao regulamento e futuro de todas as línguas, a UNESCO traçou oficialmente uma linha no sentido de que todos os idiomas, no fundamental, têm a mesma dignidade, mérito e valor, em termos factuais e jurídicos, dado que cada língua é um mundo muito especial do pensamento humano, sendo a extinção, de qualquer delas, uma perda insubstituível. É, porém, tido como um dado adquirido, seja a nível interno de um Estado, de uma organização de Estados, ou a qualquer outro, que a distribuição desigual de força e poder entre as línguas, enquanto meios de comunicação, é prescrição segura para um sentimento de insegurança permanente, denunciado pelos falantes das línguas mais débeis ou habilitadas a finar-se. A língua portuguesa, em particular, associa diferentes comportamentos e horizontes em cada um dos dois grandes espaços geopolíticos e geoestratégicos em que se integra: a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a União Europeia (UE).
2. Na CPLP é o eixo, a força e o motor, a causa primeira e essencial, o movimento que dá o impulso, o combustível, o lubrificante, a estrada, o condutor e o próprio veículo, a luz que alumia e ilumina. Sobressai nela a componente linguística, como língua comum, dominante e de vanguarda, nas suas vertentes identitária e matricial cultural, correspondendo à sua imagem de marca, por confronto com a económica e política (ver vários considerandos da Declaração Constitutiva e artigo 3.º, alínea c) dos Estatutos da CPLP). O próprio nome, no seu sentido literal, o reforça, ao assumir-se como uma comunidade e organização internacional de países de língua portuguesa.
Na UE predomina a componente económica e monetária, em que o problema linguístico tem sido secundarizado, como de retaguarda, em contraste com uma hipervalorizada componente economicista e monetarista. Apesar do regime linguístico vigente ser de um pluralismo linguístico geral e de não-discriminação, baseado no princípio da igualdade consagrando, em termos normativos, a igualdade linguística de direito, na prática tem-se caminhado para a vigência de um clube trilingue restrito de línguas, sustentado no inglês, francês e alemão, primando cada vez mais a solução da unidade sem diversidade. Fala-se em línguas dominantes e dominadas, estando a nossa entre as últimas, ao mesmo nível do checo, esloveno ou luxemburguês, apesar de a terceira mais falada do ocidente, quinta ou sexta à escala mundial e a mais falada do hemisfério sul.
3. Tendo o fator económico peso preponderante na globalização, com a consequente preponderância das línguas aí dominantes, que veiculam poder e dominam o mercado, pode defender-se que a sobrevivência e futuro do nosso idioma se aposta mais na UE, que no mundo lusófono, em especial na CPLP, dado a UE ser a organização multi-estadual mais avançada do mundo, ter maior poder, atração e visibilidade.
Entendo que não.
Penso, em primeiro lugar, que a CPLP deve positivar a lusofonia no seu todo, isto é, abrir-se a todas as comunidades de gentes de língua portuguesa disseminadas pelo mundo, criando formas de relacionamento não reservadas exclusivamente a Estados, aspirando a abranger todos os Estados, Povos e Comunidades Lusófonas abarcando, na sua área identitária, o que é parte integrante desse todo mais amplo que se lhe antepõe e determina, que dá pelo nome de Lusofonia ou Mundo Lusófono. Por que não falar em Comunidade de Povos ou Falantes de Língua Portuguesa? É um imperativo que se lhe antecede, dado que uma comunidade é mais que uma comunidade de estados e de países, sendo primeiro uma comunidade de referências e afetos, havendo que ter vontade em ultrapassar uma visão restrita ou predominantemente nacionalista, coletivista ou tecnocrática, ganhando cada vez mais relevo a interiorização do cultural, com a correspondente visão que o ser humano faz de si próprio, da sociedade e do mundo exterior, tendo a cultura como um pilar de soberania e do maior consenso. Ao mesmo tempo, a lusofonia e a CPLP podem ser o contrapeso a esse clubismo linguístico dominante na UE, pois embora o português não seja dos idiomas mais falados na Europa, o mesmo não sucede tomando como referência o critério objetivo das línguas mais faladas mundialmente, à frente de idiomas essencialmente europeus como o alemão, italiano, polaco e russo, ou não exclusivamente europeus, como o francês, lutando para que a UE deixe de ter como núcleo central o seu umbigo. Sem esquecer que o Brasil e Angola são potências emergentes a nível global e regional, com reflexos na Europa e demais continentes. Também nada exclui a coexistência, em termos estratégicos e de médio ou longo prazo, de um alargamento preferencial e intercontinental, a vários níveis, desde logo ao cultural, a países e povos mais próximos de raízes europeias, como no caso de ex-colónias que comungam caraterísticas comuns, como já se propôs, entre nós, em relação a Cabo Verde (Adriano Moreira). Por último, cada português, como tal e como cidadão europeu, deve interiorizar a sua identidade europeia e assumir nesta a sua identidade portuguesa, parte integrante dela, a começar pela língua e, desde logo com esta, a sua identidade lusófona, incentivando as instâncias políticas da União, com a CPLP e demais lusófonos, a não subestimarem, na prática, as línguas europeias globais, tanto mais que o Parlamento Europeu já declarou ser o português a terceira língua europeia de comunicação universal.
Há que vencer um certo conformismo, derrotismo e passividade latente entre nós, em comunhão e conjugação de esforços com os restantes condóminos lusófonos, combatendo situações em que os seus próprios falantes têm a sua língua em baixa estima, dando um tiro no próprio pé.
31 de março de 2015
Joaquim Miguel De Morgado Patrício