CONTOS BREVES
«Velho com Barba» de Rembrandt.
7. VELHO E CRIANÇA
"Avô, porque é que o Avô diz que os meninos crescem e o Avô não?" - Perguntas bem, Tomás, mas eu não sei responder... - "O Avô sabe tudo! Porque é que não me diz?" - Olha, se calhar é porque sei tudo, como dizes... - "Então se sabe, diga!" - Digo o quê? Talvez não percebesses... - "O Avô acha que eu sou burro?" - Não, não acho. Só acho que és uma criança, um minúsculo, uma amostra de gente... - "Mas o Avô é que disse que o Avô não sabia responder. Também é minúscula criança?" - Ouve lá: és parvo ou quê? Achas que, com este corpanzil e barbas brancas, alguém acredita que eu seja um puto? - "Já sei: o Avô não quer responder! Ou não sabe?" - Já te disse que não sabia, mas se calhar sei... Sei lá, não me apetece dizer! - "O Avô está sempre a nos ralhar quando dizemos não me apetece, porque isso não se diz. E agora..." - Isso é quando não querem comer a sopa, dormir a sesta, dar um passeio a pé, ou arrumar os jogos. Quando os netos são preguiçosos ou caprichosos... - "E o Avô agora não está a ser caprichoso?" - Ó Tomás, vamos a ver se nos entendemos: o teu Avô, este que aqui está, não é nenhuma criança, já tem idade para ser caprichoso e preguiçoso - e até amoroso com os netos que não o maçarem... Percebeste? Vá, ala, ala, arreda, como diria o infante Dom Afonso! - "O que é um infante, Avô? É uma pessoa crescida que dá ordens, ou um velho que está sempre a querer dizer só o que lhe apetece, como o Avô? " - Olha, meu lindo: não é nada disso, é uma coisa que já não existe. - "Porquê, Avô? Morreu?" - Não morreu, nem deixou de morrer, sei lá... Talvez seja assim como ser criança : todos fomos ou somos, os que ainda são - como tu és - os que ainda gostam de ser - como eu, quando brinco contigo e com os teus irmãos.. Mas também há os que nunca foram, nem conseguem ser, porque o azar não deixou. - "Ó Avô, o que é o azar?" - Perguntas bem, Tomás, porque és criança e não sabes, nem te passa pela cabeça o que azar possa ser. E eu não te respondo, porque sou velho e ainda não percebi.
Camilo Martins de Oliveira