ATORES, ENCENADORES (XXII)
Pedro de Freitas Branco (in http://www.discogs.com)
EVOCAÇÃO DO CENTENÁRIO DE UM ESPETÁCULO: PEDRO FREITAS BRANCO ATOR
A cronologia justificaria evocação de duas efeméridas este ano assinaláveis: concretamente, o centenário de um espetáculo insólito pelos participantes e o cinquentenário da fundação de uma companhia sólida e referencial até hoje, neste panorama tão irregular do teatro português.
Ambas as efemérides têm como cena o Teatro Gil Vicente de Cascais. E vale a pena começar pela evocação desta magnífica sala – modelo dos pequenos teatros que, na sequência da fundação, em 1846, do Teatro de D. Maria II, foram sendo paulatinamente construídos, ao longo dos anos 800/ início de 900, um pouco por todo o país.
O Teatro Gil Vicente de Cascais foi inaugurado em 1869 e deve-se à iniciativa algo insólita de um comandante da marinha mercante denominado Manuel Rodrigues de Lima. As obras foram dirigidas por José Vicente da Costa, aproveitando uma sala preexistente. Rambois e Cinatti, nomes dominantes da cenografia, terão colaborado: e o primeiro espetáculo muito ao gosto da época, constou de um drama, “O Ermitão da Cabana” e de uma comédia, “Mateus, o Braço de Ferro”, por um grupo de amadores locais.
Mas o Teatro Gil Vicente em breve assumiu, também muito ao gosto da época, uma programação em que se alternavam os grandes nomes (profissionais) da cena portuguesa e grupos de amadores. E quanto aos atores e mais espetáculos profissionais, diz-nos Ferreira de Andrade, “ pelo Gil Vicente passaram as maiores figuras do teatro de então, do grande ator Vale a Mercedes Blasco, às companhias do Ginásio, etc.” Ora as companhias do Ginásio eram na altura extremamente prestigiadas, como veremos mais tarde (cfr. Glória Bastos e Ana Isabel B. Teixeira de Vasconcellos “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira Republica” ed. Museu Nacional do Teatro 2004 pags.45 e segs.)
Recorda ainda Ferreira de Andrade: “No dia 19 de setembro de 1899 representaram-se, pela companhia de que fazia parte, além de Mercedes Blasco, Laura Ferreira, Pedro Cabral e Pereira da Silva, as comédias “O Tio Torcato” e “Paris em Lisboa". (…) Dez dias depois, o teatro aplaudia o grande ator Vale e Beatriz Rente na (peça) "Lição Cruel de Pinheiro Chagas”. Eram grandes nomes do meio teatral - profissional da época. (cfr. Ferreira d Andrade “Cascais Vila da Corte - Oito Seculos de História” 1964)
Mas o que quero agora evocar é, mais concretamente, o centenário de um espetáculo realizado no Gil Vicente em 1915, escrito, composto, produzido e representado por amadores que marcavam ou viriam a marcar a vida social, cultural e artística portuguesa. Trata-se de uma revista da autoria de José Paulo da Câmara, filho do grande dramaturgo D. João da Câmara, de João Vasconcelos e Sá e de Francisco Paes de Sande e Castro.
O mais curioso é que o autor da música e também intérprete ator e cantor foi Pedro de Freitas Branco, então com 21 anos de idade, e que viria, como bem sabemos, a desenvolver uma brilhantíssima carreira de maestro, designadamente nas sucessivas temporadas de ópera que dirigiu no Teatro de São Carlos e um pouco por toda a Europa, mas também na estreia e divulgação dos compositores contemporâneos, designadamente Ravel, que compôs obras propositadamente para serem estreadas por Freitas Branco.
Faço aqui duas transcrições bem elucidativas dessa projeção e colaboração de nível mundial:
Escreveu João de Freitas Branco. “Por esta altura (anos 20/30 do século passado) já Pedro de Freitas Branco tentava criar uma companhia portuguesa de ópera que chegou a apresentar-se em Lisboa e no Porto e organizava concertos no Tivoli, com a colaboração de artistas como Bela Bartok (…) em cujos programas incluiu muitas obras modernas desconhecidas do público” (in ”História da Música Portuguesa” ed. Europa América pag.147).
E escreveu Manuel Ivo Cruz: “O maestro português foi internacionalmente considerado um dos maiores intérpretes da música do nosso tempo”. (…) Também a grande maioria dos compositores portugueses seus contemporâneos lhe mereceram cuidadas interpretações” (in - “O Teatro Nacional de S. Carlos” ed. Lello e Irmão 1992).
E acrescentamos, para terminar, que no Teatro Gil Vicente se estreou em 1965 o Teatro Experimental de Cascais, dirigido por Carlos Avilez: mas disso falarei em breve.
DUARTE IVO CRUZ