ARISTÓFANES
“AS MULHERES QUE CELEBRAM AS TESMOFÓRIAS”
EURÍPEDES
(A ÁGATON)
Passa cá o corpete!
ÁGATON
Toma.
PARENTE
Vamos arranja-me isso à volta das pernas.
EURÍPEDES
É preciso uma redinha e um turbante.
ÁGATON
Aqui tens este barrete que eu uso de noite.
EURÍPEDES
Sim, caramba, está mesmo a matar.
PARENTE
(Pondo o barrete)
Fica-me bem?
EURÍPEDES
Se fica! Uma maravilha! (A Ágaton.) Passa cá uma capa.
ÁGATON
Pega nela, aqui no sofá.
EURÍPEDES
Faltam os sapatos.
ÁGATON
Aqui tens estes meus, toma lá.
PARENTE
(Experimentando os sapatos.)
Será que me servem? Estou a ver que não gostas deles largos.
ÁGATON
Tu lá sabes! Bem, já tens o que te é preciso. Depressa, rodem-me lá para dentro! ( Ágaton reentra em casa sobre a estrutura rolante)
EURÍPEDES
Cá temos o nosso homem com ar de mulher. Se falares, dá à voz um tom bem feminino, que convença.
Esta comédia da qual extraímos esta pequeníssima passagem foi apresentada por Aristófanes em 411 a. C., no festival das Grandes Dionísias, em Atenas. Eurípides e a sua tragédia explana-se em As Mulheres que celebram as Tesmofórias. Aristófanes, elabora esta comédia em tudo muito similar ao estilo de Eurípides e nela encontra o modo de melhor o caricaturar. Aristófanes submete a peça ao tema da crítica literária destacando o gosto obsessivo de Eurípides pela criação de personagens femininas, e a afluência de intrigas conduzidas por percalços imprevisíveis da sorte. Certamente que o reconhecimento da mulher como elemento capaz de organização e gerência, sofria lenta marcha, e talvez por esse motivo, o quadro quotidiano da mulher ateniense que a comédia aristofânica nos expõe, siga muitos arquétipos do passado. A actividade feminina restringia-se, nesta época ,praticamente ao terreno doméstico, já que à mulher não assistiam direitos políticos, nem jurídicos. O interior da casa da mulher de Atenas era o seu mundo, com excepções como foi o caso de Aspásia de Mileto, a companheira de Péricles, bem conhecida pela sua inteligência e acima de tudo, perspicácia política. Contudo, Aristófanes ainda que coloque a mulher de rosto velado, parodiando os seus vícios e baixos instintos, parece fazer resultar que por elas o campo das disputas é outro exemplo da depravação dos tempos e de um exercício de um certo poder até então não falado sem rodeios.
Aristófanes, defendia que o único resultado de tendências inovadoras da defesa da mulher como ser pensante e válido, tal como o defendia Eurípides com as suas Fedras seria
«hoje em dia, Penélope não se pode apontar uma única entre as mulheres, mas Fedras são todas elas sem excepção».
Mas nas “AS MULHERES QUE CELEBRAM AS TESMOFÓRIAS”, soma-se curiosamente ao tema literário um outro de enorme relevância, responsável pela diversidade de tons cómicos com que se visa atingir o confronto dos sexos e sobretudo da própria ambiguidade nesta matéria.
Não nos esqueçamos que Aristófanes ( 447ª.C.- 385 a.C.) é considerado o grande representante da comédia antiga, testemunha também do início do fim daquela grandiosa Atenas. Ele viu o início da Guerra do Peloponeso!, a necessidade urgente de paz, surgindo talvez esta crítica literária como alternativa à política instável, visando provocar um desanuviamento social através da paródia literária e da discussão crítica mais tarde.
Nesta peça, surge uma dinâmica instalada na própria obsessão ( e não só) de Eurípedes relativamente à constante necessidade de surgirem personagens femininas ou efeminadas, e deita-se mão desse facto para erguer e fazer crer um papel decisivo no controlo pelas mulheres da acção, afinal, eventual verdadeira prerrogativa da condição feminina. Falar da mulher, mesmo dentro da convenção cómica, é expectativa que o poeta não ilude.
A mulher bêbeda que usa a chantagem para salvar o seu amado, as esposas românticas sob máscaras, o perigo que as companheiras dos maridos sob artimanhas femininas manipulassem o poder, eis factos de ambiguidade, factos de sexualidade que destroem machos velhos ou delicados jovens. Assim, vida privada e produção literária congregam-se naturalmente, expondo que o verso se molda em cera e esta não contém sexo, e alertando que o fecundo sol também molda a utilização da sedução da mulher que o implora e dele faz sensual barro, sobretudo aos dias em que barro é a própria reflexão sobre a obsessão feminina.
CORO
Corre mas é para o raio que te parta e bons ventos te levem! Quanto a nós, já nos divertimos que chegue. É altura de ir cada um para sua casa. E que as Tesmofórias nos recompensem com as suas boas graças. (Saem)
Atingindo entre outros, os objectivos de comunicação pretendidos nesta peça, prática de uma nova escola, só pode Aristófanes brilhar entre os eleitos.
Que me seja permitida a sugestão desta sua obra.
M. Teresa Bracinha Vieira
Consultas: F.W. Hall – W. M. GELDART. Aristophanis Comoedine, Oxford, 1906; P. Thieercy, Aristophane. Théâtre Complet, Paris, 1997;G.M.A. GRUBE, The Drama of Euripides, London, reimpr.1961;M.F. Silva, Crítica do teatro na comédia antiga, Lisboa reimpr. 1997; P.T. Stevens, “Euripides and the Athenians”, JHS 76,1956,87-89
2015