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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CARTAS DE CAMILO MARIA, MARQUÊS DE SAROLEA

S. Tomé.JPG
S. Tomé de Caravaggio

 

Minha Princesa de mim:


Gostei muito de que os pais dele tivessem dado esse nome ao "meu" neto Tomás. Noutras línguas, ele é, primeiro, o nome do apóstolo da dúvida, aquele que, em português, se chama Tomé. Na língua de Camões, todavia, os santos Tomás são dois ingleses, ambos mártires por oposição à propensão totalitária do poder político (do rei), o de Cantuária e o Moro. E, sobretudo  ainda, o de Aquino, italiano, dominicano e Doutor da Igreja. É deste São Tomás que mais falo ao neto, aproveitei a folga do nome - o pequeno, nascido e baptizado em Londres, filho de pai belga, e vivendo agora em França, terá de ser Thomas, Tomás para mim - para o "identificar" com esse mendicante de Deus, que sempre me pareceu a versão revista de São Tomé: bem aventurados os que não viram mas acreditaram. Mais ainda: gosto de pensar no "meu" Tomás, como G. K. Chesterton pensou e disse do Aquinense: Há algo, na personalidade de S. Tomás, que é tão impossível de dissimular como a luz do dia numa casa grande de janelas abertas. É a envolvência positiva dum espírito em que livremente circulam o ar, a luz, e o quentinho maravilhoso do mundo sensível. Os que entram em religião usam de alguma audácia pessoal para juntar aos seus nomes as mais temíveis evocações dos mistérios da Santíssima Trindade ou da Redenção. Uma monja se dirá "do Espírito Santo" ; um santo porá, às costas do nome João, o "da Cruz". E nós inclinar-nos-íamos a dar a este homem de que falamos o nome de São Tomás do Criador. Os Árabes, que sabem todos os nomes que se podem dar a Deus, sabem também, pelas suas tradições, que há um nome impronunciável, porque diz o próprio Ser, ele mesmo. Esse nome nunca será dito. É como um uivo de silêncio. A proclamação do Absoluto. Talvez nunca qualquer  outro homem tivesse estado tão perto de articular esse nome do seu Criador, que se escreve Eu Sou. Quando tinha a idade do Tomás, estudava num colégio em que, todas as manhãs, começávamos as aulas por uma oração de S. Tomás de Aquino ao Criador inefável... E celebrava-se a nossa festa anual no dia do mesmo santo, que então caía a 7 de Março. Sessenta anos depois, a 7 de Março faz o "meu" Tomás a sua profissão de fé.  Mais de dois mil anos depois, ele não irá dizer, como S. Tomé tocando as chagas de Cristo , " meu Senhor e meu Deus!", pois que fisicamente não toca nem vê nada. Terá de ser humilde, como S. Tomás de Aquino foi humilde, ao ponto de saber e aceitar saber que, por muito perto que tivesse estado de articular o nome do seu Criador, deste só poderia dizer : Criador inefável, isto é indizível, inexprimível. E assim se tornará, nesse próprio dia, adulto. Não mais a criança que constrói histórias e brinquedos, anseia por pais e familiares consoladores e protectores, fadas benfazejas, ou um deus ainda feito para seu conforto ou à sua imagem e semelhança... Mas, sozinho e livre, o mesmo menino sempre, esse pequenino ser  que, crescidinhos, todos somos, cheio dessa saudade do Deus sem nome dizível, o Tomás irá intimamente afirmar a sua fé na esperança de vir a ver esse Eu Sou. Dirá então o seu Credo, como afirmação da sua fé, cuja substância são as coisas que devemos esperar . Como num sim nupcial, quando o amor acredita que avança para o desconhecido, não só por força da sua própria saudade do outro, mas porque sente como e quanto o chama a saudade que o outro tem dele... A nossa vocação religiosa é a saudade que Deus tem de nós, a nossa vida espiritual é esse sim que dizemos ao desconhecido anunciado, ao Quem É, sempre interrogação e demanda, sempre desejo... Afinal, Princesa, também assim sonham os grandes cientistas, aqueles que procuram ir descobrindo as origens, a natureza, e o destino do universo. Deixo-te aqui o último período de The Theory of Everything - The Origin and Fate of the Universe, de Stephen W. Hawking, sobre o porquê do universo: Se encontrarmos resposta a essa questão, conseguiremos a maior vitória da razão humana, porque então descobriremos a mente de Deus... O "meu" querido Tomás inicia agora essa caminhada interior, de mãos dadas com a fé e a esperança que o conduzirão à luz. Porque ousou escolher a companhia do Deus que se chama Eu Sou. Peço-te, a ti, a todos nós - mas para ele, tão especialmente nesta hora  -  um abraço humano de solidária ternura. Não é fácil ser-se homem sozinho.

 

Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira