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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A ARTE PELA ARTE

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Capa do nº 1 da revista «Presença» - Literatura Viva.

 

Uma obra de arte vale por si, assumindo fundamentos de arte “pura” (em função dos seus próprios critérios e sem precisar de validação exógena) e não de arte “para” (condicionada e ao serviço de qualquer coisa).
Um artista para quem o fim principal não é a arte, é uma pessoa alheada da arte e que por isso não pode realizá-la. A arte tem de ser um fim em si, a arte pela arte, não um meio ou instrumento para um fim. Este não aceitar ao serviço de qualquer coisa, conduz-nos a perceber que a razão de ser de toda a arte é estar permanentemente a ir mais além e a vencer limites, como demanda do inacessível, do inatingível e do infinito. É uma busca incessante e permanente do que não há. Da arquitetura, cinema, escrita, escultura, música, pintura, poesia, romance e teatro que não há. Uma formulação de porquês, geradores de outros porquês, uma nova linguagem trabalhada, demandando e criando novos desígnios e fantasias, uma experimentação constante e tentativa de superar limites, à revelia e em rutura com as normas vigentes.    
Num Estado democrático e de Direito a significância da arte depende essencialmente da emoção que provoca, sendo as obras de arte mais importantes que a ideologia e a teoria, inexistindo imposição oficial de apetências culturais ou gostos estéticos, acolhendo políticas de cultura plurais, sem dogmas. Daí que numa perspetiva cultural não subordinada a análises intelectuais exteriores à criação artística, se tenha como  tendencioso catalogar manifestações artísticas como “conservadoras” e “revolucionárias”, dado não serem forçosamente coincidentes os critérios de mérito artístico e os de natureza política. Pode ser-se politicamente “conservador”, senão mesmo “reacionário”, e culturalmente “revolucionário”, como há quem o exemplifique com o anti-semitismo de Wagner, as afinidades pró-fascistas de vários mentores do futurismo italiano e as simpatias autoritárias de Céline e Dali, por confronto com o legado inovador, perene e vanguardista da sua música, pintura e escrita. Como se pode ser culturalmente “conservador” e politicamente “revolucionário”, sendo dado como exemplo a apologia dos cânones ideológicos dos neo-realistas e do realismo socialista, por oposição com o alegado vanguardismo revolucionário da sua mensagem, defendido por muitos, nomeadamente por grupos radicais de esquerda e de extrema-esquerda. Sendo o “reacionário”, o “revolucionário”, o “conservacionismo” e a “mudança” valores culturais de permanente compromisso e conflito, por maioria de razão se compreende que a arte é um fim em si mesmo, valendo a obra de arte por si, independentemente das opções filosóficas, ideológicas, políticas ou religiosas do seu autor, mediador, curadores de museus, galeristas e negociantes, ou da política cultural e pública seguida.   
Num regime autoritário, é tarefa estadual a definição de dogmas e regras ideológicas a que artistas e arte se devem submeter, via imposição de uma arte oficial, tendo a arte como um meio ou instrumento de transformar a sociedade, tendo como fim a necessidade de construir um homem novo, como o queriam os nazis alemães e bolcheviques russos, apologistas do homem ariano e do homem proletário. A propaganda, ao serviço da nova arte, transmitia uma mensagem absoluta, válida e universal, sem críticas e inverdades, fazendo o culto da personalidade, através de uma adesão a uma ideologia e linha partidária autoritariamente estabelecida, de que são exemplos a nazificação da cultura, no regime nazi, e a planificação da cultura, na antiga União Soviética. Este propósito de transformar a sociedade, não é em si mesmo artístico ou estético, mas sim moral e político, na medida em que admitia uma ideia pré-formada da realidade, não transmitindo a realidade, mas a ideia que certos doutrinários entendiam que ela era e devia ser. A realidade era objetiva, uma só e igual para todos. Assim, para os escritores neo-realistas a literatura e a arte eram um meio ou instrumento de transformar a sociedade. Um instrumento ou um meio para um fim, que não a arte. Ao quererem comunicar a realidade e a sua transformação dialética, transmitiam a doutrina e a ideologia que certos teóricos e ideólogos tinham como realidade, transmitindo em segunda mão o que outros diziam e escreviam.
A arte, na sua essência, convida-nos a sentir uma emoção, não a concordar com uma doutrina, ideologia ou teoria. Quando consideramos a arte como um fim em si e nos emociona mais profundamente do que como um meio para fins utilitários e deterministas, temos consciência de que há nela algo de superior na sua significância e realidade última, do universal no particular, em que o Tempo fará uma destrinça entre o que resiste ao passar dos anos e o que nunca passou de efémero. 

 

21 de abril de 2015

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

ATORES, ENCENADORES (XXIV)

Luzia Maria Martins e Helena Félix.JPG

Luzia Maria Martins e Helena Félix
(in http://diasquevoam.blogspot.pt/)

 

NOS 50 ANOS DO TEATRO ESTÚDIO DE LISBOA

Já evocamos aqui dois cinquentenários – o do Teatro Villaret, fundado e dirigido por Raul Solnado, e o da companhia do Teatro do Nosso Tempo, fundada e dirigida por Jacinto Ramos. Agora, também 50 anos decorridos, é oportuna uma referência à companhia do Teatro Estúdio de Lisboa (TEL),  fundada e dirigida por Helena Félix e Luzia Maria Martins, no desaparecido Teatro Vasco Santana.

Mas não deixa de ser também oportuna a referência ao Teatro em si, hoje uma ruina situada em zona referencial de Lisboa mas que, há meio século e durante largos anos, valorizou o meio e a cultura teatral. Lá se instalou e se manteve, com efeito, o TEL, que se destacaria pela exigência de repertórios: e tanto mais de assinalar que a própria implantação do Teatro e da companhia no que era, na altura, a Feira Popular de Lisboa, de certo modo contrastava e valorizava,  da melhor maneira, o teor especificamente popular do recinto e das suas atividades.

Evidentemente, a saudosa Feira Popular e as respetivas atividade, eram obviamente legítimas e de qualidade, e constituíram, durante dezenas de anos, uma faceta relevante da vida da cidade: mas não tão exigente, no ponto de vista artístico e cultural, como sempre foi o repertório e os elencos e encenações do TEL.

Basta recordar algumas marcas do repertório do TEL, mantidas, sempre com exigência, durante larguíssimos anos: peças de Luís Sttau Monteiro, Fernando Luso Soares, Prista Monteiro, da própria Luzia Maria Martins, para referir autores portugueses contemporâneos. E peças de Maxell Andersen, Arnold Wesker, Anton Tchekov, David Story, Terence Rattigan, Jean Giraudoux, John Osborne, Peter Shaffer, Roger Vitrac, Arthur Miller, Marguerite Duras, entre tantos mais.

Isto consubstância um repertório dominantemente contemporâneo, numa altura em que o teatro moderno enfrentava os problemas bem conhecidos.

Importa referir entretanto que as duas animadoras do TEL chegaram à Feira Popular com um currículo e uma preparação cultural notável pela abrangência e pela própria internacionalização. Assim, Helena Félix permaneceu mais de 10 anos na Companhia Rey Colaço – Robles Monteiro, o que implica um registo de qualidade que hoje já ninguém contesta.  E de 1961 a 1964 completou em Londres uma formação artística  de grande qualidade.

E quanto às encenações de Luzia Maria Martins, que trabalhou em Londres e foi também dramaturga, apraz-me recuperar algumas das numerosas análises críticas que ao longo dos anos, fui fazendo.

 Assim em “A Nossa Cidade” de Thorton Wilder, salientei designadamente as soluções encontradas para as expressões de mímica, sempre difíceis; em “A Louca de Chaillot” de Jean Giraudoux, salientei a interpretação e o “muito feliz jogo de marcações”; ou “a marcação sempre correta, sempre engenhosa” na “Noite de Verão” de Ted Williams; ou a “interligação entre os diversos planos (de Vitor ou as Crianças no Poder de Roger Vitrac) menosprezando assim um pouco a heterogeneidade surrealista da obra”. E tantas mais.

Pois, como escrevi numa crítica à peça “Lar” de David Storey, “Helena Félix e Luzia Maria Martins, à frente do Teatro Estúdio de Lisboa, teimam prosseguir uma verdadeira obra de renovação cultural”.

E assim foi  durante vários anos!

 

DUARTE IVO CRUZ