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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Solução Paradoxal: Manuel Tainha e a Casa Martins dos Santos (1971-75)

 

‘Eu sinto-me protagonista desta geração por aplicar os princípios à realidade, à história, à cultura, à natureza, à paisagem, à idiossincrasia do povo português. Não é uma contestação frontal como os grandes da arquitectura moderna. Foi a aplicação dos princípios da realidade concreta dos seus países da sua história. As pessoas são iguais mas também diferentes.’ (entrevista a Manuel Tainha em 11.07.08)

 

Manuel Tainha (1922-2012), tal como Fernando Távora e Nuno Teotónio Pereira, faz parte do grupo de arquitectos que, a partir dos anos cinquenta do séc. XX, mais se envolveu na crítica da experiência reducionista dos CIAM. Na defesa dos valores locais e regionais como molde para superar a crise do funcionalismo. Postura inspirada pela figura de Francisco Keil do Amaral com quem colaborou nas iniciativas do Sindicato Nacional dos Arquitectos e na revista Arquitectura.

Manuel Tainha foi pioneiro em anunciar o questionamento dos princípios do Estilo Internacional, adoptados dogmaticamente no Congresso de 1948. No final da década de cinquenta era generalizada já uma nova posição atenta à necessidade de uma diferente adequação social e histórica, que correspondeu a um momento de revisão. Este momento, em Portugal foi materializado pelo Inquérito à Arquitectura Popular. Manuel Tainha participou nesta acção, assim como na posterior publicação do livro Arquitectura Popular em Portugal (1961).

Tainha acreditava que o processo de criação arquitectónica nem sempre é compatível com a estrita racionalidade objectivada pelas correntes mais radicais do Movimento Moderno, porque a intuição tem também de ser considerada. A escala colectiva esquece a complexidade humana. E Tainha acreditava que é necessário o reconhecimento da ‘arquitectura sem vanguarda’ e nessa medida a não valorização do trabalho de autor; a defesa das virtudes da arquitectura enquanto ofício artístico, baseado num saber de séculos que liga teoria à prática, não se sobrepondo à procura de uma nova linguagem como objectivo final.

Manuel Tainha desenvolveu também actividade no campo da escrita, do ensino e da organização profissional dos arquitectos. Colaborou na revista Arquitectura – importante órgão de comunicação e compreensão da arquitectura até aos anos setenta. E revelou, na década de cinquenta, Alvar Aalto através da publicação e tradução das suas reflexões escritas. A leitura de Alvar Aalto revelou-lhe os vários caminhos do realismo na constatação da falência das posições mais radicais das vanguardas do Movimento Moderno. Tome-se como exemplo o projecto da Pousada de Santa Bárbara, em Oliveira do Hospital (1955-58 / 1968-71), que evoca esse princípio orgânico de Aalto, ao ir à descoberta de um

funcionalismo dentro da autêntica cultura popular portuguesa. Para Tainha ‘o homem é mais humano quando sente do que quando pensa’ (Manuel Tainha acerca da Escola de Regentes Agrícolas.).

A década de sessenta é, para Manuel Tainha, marcada não só pelo projecto da Pousada, mas também pela Escola Agro-Industrial de Grândola (1959-1963) e pela Escola de Regentes Agrícolas de Évora (1960-1966), que explora já o tema do pátio, tão importante para a Casa Martins dos Santos.

A arquitectura vem, assim para Tainha por meio do desenho. Este método permite uma aproximação, uma apropriação do real e uma representação de posições no espaço, porque o traço contém todo o saber.

As casas são sempre pequenas por fora mas são grandes por dentro. Têm espaços, têm grandeza, têm perspectiva.’ , Manuel Tainha, 2008

 

Na Casa Martins dos Santos, Manuel Tainha aborda a agressividade do sítio com a brutalidade da forma, virando o edifício do avesso, preferindo virar tudo para dentro, para o lugar da vida. Esta foi a resposta formal encontrada depois de meditar e reflectir sobre o sítio que considerava desolador. E assim que surge um problema humano surge a poesia, porque nos projectos de habitação de Tainha é sempre o homem que está em questão.

Manuel Tainha cria, o centro de interesse da casa, ao meio, no jardim para onde tudo converge. Como alternativa dava à família a oportunidade de, ao subirem ao terraço, poderem ver a paisagem mais longínqua que de outra maneira nunca veriam – como a Baía de Cascais, o mar e a Serra de Sintra (que hoje em dia já não se vê). O corpo de betão aparente que emerge do terraço, como se de uma torre se tratasse, serve também para se ver a paisagem por cima das outras casas, da envolvente.

No livro ‘Manuel Tainha, Projectos 1954-2002’, de José Manuel das Neves (Edições ASA, Porto, 2002) lê-se que para a Casa Martins dos Santos, Tainha desenvolve uma acção de projecto segundo uma regra e três paradoxos.

 

A regra:

Ver por cima dos telhados vizinhos, desenvolvendo um corpo mais alto (a que chama torre) que dá acesso ao terraço, cobertura da casa a partir de uma zona de aposentos onde se pode estar. É o único sítio de onde se desfruta o distante. Abaixo dele só o próximo, muito próximo.

 

‘Foi interessante precisamente porque se tratou de uma meditação crítica acerca do valor da torre, que é qualquer coisa, que pelo menos até aqui motivou muito a arquitectura de muita gente. Não sei se é pós- modernista, se não é. Mas que hoje parece, mas que interessava a muita gente.’, Manuel Tainha, 2008

 

Paradoxos:

  • Do pequeno fazer grande. Sendo pequena em termos reais de área, a casa pretende ser maior pela diversidade e variedade de espaços e ambientes, por dentro e por fora. O espaço exterior do jardim não é espaço restante, é espaço integrante da casa. A casa ocupa toda a área possível do lote. Através da plantação de árvores e de arbustos, propõe-se uma leitura fragmentada da casa de maneira a introduzir o factor de ambiguidade, na leitura do seu tamanho real.
    A unidade da casa consegue-se exteriormente pelo uso do betão, porque em vez de paredes desmaterializadas e translúcidas sob a luz (como na Escola Agrícola da Herdade da Mitra) encontra-se uma matéria unitária, forte e singular, por negação do que se situa à volta. O volume exterior é maciço e quase cego, as paredes parecem grossas, como se o único modo de sobreviver ao sítio fosse pela protecção, pelo alheamento. A casa vai-se abrindo, a cor torna-se branca em direcção ao jardim.

  • O que a casa procura no exterior encontra no interior. A paisagem que rodeia o lote é a confusão. Por isso Tainha constrói uma paisagem interior à sua escala e à sua medida. (Neves: 2002)

  • O buraco do terreno é ponto é a poesia, a harmonia e a vida da casa. Devidamente tratado como jardim, o buraco é uma solução que surge a partir da importância que Tainha dá ao corte como método de projecto. Ora, a utilização do método do corte permite o controlo de continuidades, apurando o encaixe ideal do objecto ao terreno, a posição ideal do edifício em relação à sua envolvente. É a partir do buraco que se regula a composição do lote. As salas, no piso térreo abrem-se e continuam-se pelo jardim, como que aceitando mesmo o muro fronteiro (limite da propriedade) como a sua quarta parede. (Neves: 2002)

‘O que eu faço não é indiferente ao que já fiz, ao que outros fizeram e ao que eu aprendi com o que os outro fizeram. O nosso traço é o que vem de outros traços.’, Manuel Tainha, 2008

 

Ana Ruepp