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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

KAFKA

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“CARTA AO PAI”

É como quando uma pessoa tem de subir cinco degraus baixos e outra pessoa apenas um degrau, mas que é tão alto quanto os outros cinco juntos; a primeira pessoa não irá superar os cinco degraus, como ainda mais cem, mais mil, terá levado uma vida longa e muito extenuante, mas nenhum dos degraus que subiu terá tido um tão grande significado como para a segunda pessoa teve o único degrau, o primeiro, enorme, impossível de subir para as suas forças, para o qual não consegue subir e muito menos ultrapassar.

E ainda neste livro afirma Kafka:

Ter-me-ia sentido feliz por te ter como amigo (…), chefe, tio, avô. Só que como pai foste forte de mais para mim (…) tive de aguentar o embate completamente sozinho, sendo eu fraco de mais para isso.

Quantas vezes, pergunto-me, a benevolência é descoberta com o pavor de ver um homem ou uma mulher enormes, severos, de supostas palavras meigas e bondosos olhares, e incapazes de um suave dar-a-mão.

De nós querem obediência, independentemente da mágoa que sempre sentiremos, a de que para eles representamos pouco, sempre pouco face ao amor que lhe dedicámos. Falo de seres de corporalidade de sentires abafante no modo de nos quererem. Julgo que esta carta ao pai, que Kafka escreveu, pode ser uma carta a qualquer ser que muito amamos, e, em quem depositamos uma confiança ilimitada nas suas opiniões tiranas, como aquelas que nos dizem «Há-de servir-te de muito!» às quais se segue o breve sorriso benevolente que afinal tudo dita, até a gratidão que sempre devemos sentir por eles, não obstante a dor que em nós provocam.

As absolutas insensibilidades entre pais e filhos, entre maridos e mulheres, entre irmãos, ou entre amigos, surgem sobretudo devido à necessidade que têm certas pessoas de utilizar uns sobre os outros, o vexame complacente, aquele mesmo que nos pode impedir de ter uma ideia clara deste poder que ajuíza o nosso mundo, e desejam-no falhado no interior, falhado para que só exista a espécie de amor deles sobre nós e da qual só eles tenham domínio.

Observar regras, submissões, sentir a percepção total do desamparo e acreditar que só as mães nos darão mão, é máquina oleada e falsificada por esta gente que tanto nos fez chorar sobretudo por dentro. Depois, depois não há reconciliação possível, por estranho que pareça o sentimento de culpa bem manejado por outros, e, permitido por nós, faz carreira de êxito na humilhação que provoca na nossa fraqueza, na incapacidade de soltarmos duvidas, de nos soltarmos deles.

São afinal gente inimiga do amor, são aqueles que nunca libertam sem negócio.

Desconheço se saberão ou souberam  que há que ralhar para que se destrincem as flores e os sentidos de justiça e há que amar com a coragem lúcida da humanidade.

Muito triste se nos torna a vida quando de perto estes seres connosco partilham pão ou  cama: muito tristes nos tornaram face às nossas incapacidades de reacção, sobretudo dentro do que julgamos ser o sentido da família ou dos amantes indistintos, e, só tardiamente nela descobrimos que os elementos de violência destas gentes, não são, nem foram, inocentes, pois que afinal não queriam que deles escapássemos já que no controlo deles sobre nós residia o único modo de se afirmarem.

Afinal, um dia olhamos para a nossa mão e nela pouco ou nada se tem a voar. Casamento e pais e esposos e mulheres e irmãos foram carreira absoluta à nossa custa. Os filhos, quantas vezes em aproximação longínqua, optam por continuar em lugarzinhos de onde nos magoem aos poucochinhos, bem egoisticamente e sem qualquer comoção.

Afinal, quantas vezes, a nossa espécie de sossego nos chega apenas num jogo de paciências que perverteu grande parte da vida de todos. Aquela mesma vida, a quem, um dia, a morte, não mentirá desavergonhadamente.

Esta “Carta Ao Pai” escrita por Kafka, descreve esferas de influências de sentires onde não faltam provas de que a culpa é um obscuro caminho de mando, que também leva os atingidos a ficarem retraídos, a calar coisas, até difíceis de confessar a si mesmos.

 

M. Teresa Bracinha Vieira

2015

ATORES, ENCENADORES (XXIII)

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Eça de Queiroz

TRÊS MESTRES DA LITERATURA PORTUGUESA QUE FORAM ATORES

 

Refiro-me, no título, a Gil Vicente, Garrett e Eça de Queiroz, sendo certo que nesta série  já nos ocupamos precisamente de Garrett como ator das suas próprias peças. Recordamos então as suas intervenções episódicas mas nem por isso menos assinaláveis na estreia do “Catão”, em 1821 e do “Frei Luis de Sousa” em 1843.  Referi na altura que Garrett, no “Frei Luis de Sousa”, interpretou nada menos do que o Telmo Pais, e em condições difíceis de saúde: convalescente de uma queda que o imobilizou durante semanas, terá feito um Telmo um pouco coxo, o que justificou elogios  algo irónicos de Herculano.

Quatro séculos antes, concretamente em 8 de Junho de 1502, Gil Vicente, transformado em pastor, entraria com estrondo, “aos arrepelões e à punhada” na câmara da infanta D. Maria, mulher de D. Manuel, que acabava de dar á luz o futuro D. João III. E bem se queixou das dificuldades, afinal óbvias: “se tal soubera/não viera: e vindo/ não entraria/e se entrasse eu olharia/ de maneira/ que nenhum me chagaria”!

E na Compilação efetuada em 1562 por Luis e Paula Vicente, filhos  de Gil Vicente, é referido que “por ser coisa nova em Portugal gostou tanto a Rainha Velha desta representação que pediu ao autor que isto mesmo lhe representasse às matinas de Natal endereçado ao nascimento do Redentor”…

Mas a “estreia” diríamos hoje,  passou-se em 1502, plausivelmente nos 47 anos do autor, que  geralmente é dado como nascido em 1465: Teófilo Braga avança com 1470, mas em qualquer caso podemos aqui assinalar hoje algo como os  550 anos do nascimento de Gil Vicente  e os 513 anos, não digo do “nascimento” mas, isso sim, da definição estética e dramatúrgica do teatro português.

Garrett e Gil Vicente “cruzam-se” em 1838, com o garretteano “Um Auto de Gil Vicente”, peça inicial do ciclo romântico. Cito aqui a lição de Marques Braga:
“Quando Almeida Garrett quis reatar a tradição dramática do seculo XVI com a renovação do romantismo (século XIX),  conseguindo restaurar o teatro português, teve de remontar à obra vicentina, engastando, no seu drama ”Um Auto de Gil Vicente”, a representação da D .Manuel da Tragicomédia Cortes de Júpiter. A idealização da corte e a representação da Tragicomédia deram a base para o belo drama de Garrett” (cfr. prefácio das Obras Completas de Gil Vicente, vol. I ).

Recorde-se que a peça põe em cena e em confronto Paula Vicente, Bernardim Ribeiro e o próprio Gil Vicente, num registo de tolerância de D. Manuel e de independência do próprio Gil Vicente, o qual inclusivé declama a certa altura: “Nunca me escondi de priores e nem de cónegos mais… e no dia depois do Juiz da Beira jantei com dois desembargadores do agravo. Tudo pelo exemplo de tolerância e liberdade do Rei”.

E Bernardim: “Desgraçado de quem tocar nesta mão. São duques, são reis, são príncipes? Eu sou Bernardim Ribeiro, o trovador, o poeta, que tenho maior coroa que a sua”…

Isto é Garrett numa versão integral…

Ora bem: antes de Gil Vicente, já havia expressões dramáticas na cultura e na sociedade portuguesa: mas efetivamente o “trovador e mestre de balança”, cargo que aponta para a gestão financeira da Corte marca uma renovação que se prolongaria pelos séculos, até ao romantismo e ao ultrarromantismo teatral.

E para terminar, Eça de Queiroz. Aqui, como se sabe, o teatro perpassa pelos sucessivos romances numa expressão notabilíssima de espetáculo, no mais elevado sentido do termo. Referências a peças, a atores, a dramas e comédias, a personagens ligados ao miro teatral são recorrentes: por exemplo o Artur Corvelo de “A Capital”,  o Ernestino  de “O Primo Basílio”, o José Fernandes  que se queixa de uma peça em “A Cidade e as Serras”, entre tantos outros mais…

Daí, a sucessão de filmes, peças e outras expressões de espetáculo extraídas dos romances de Eça –  desde por exemplo as peças “Os Maias” de Bruno Carreiro (1945) ou “Os Maias no Trindade” de António Torrado (2009) ou a “Madame” de  Lídia Jorge (1999) que evoca  Maria Eduarda da Maia, e a uma sucessão considerável de filmes, desde três “Primo(s) Basilio(s), até ao recente (2014) “Os Maias” de João Botelho.  

E no entanto, nas “Farpas” há muitas referências a espetáculos e a textos teatrais. E nas “Últimas Páginas” no texto denominado “O Francesismo”, Eça de Queiroz recorda que em Coimbra se interessou pelo teatro. Ouçamo-lo:

“Comecei por me fazer ator do Teatro Académico (em Coimbra). Era pai nobre. E durante três anos, como pai nobre, ora grave, opulento, de suíças grisalhas, ora aldeão trémulo, apoiado ao meu cajado, eu representei entre as palamas ardentes dos Académicos, toda a sorte de papéis de comédias, de dramas – tudo traduzido do francês (…) Um dia, porém, Teófilo Braga, farto da França, escreveu um drama conciso e violento,  que se chamava Garção. Eu representei o Garção, com calções e cabeleira e fui sublime; mas o Garção foi acolhido com indiferença e secura (…) Imediatamente nos refugiamos no francês e em Scribe”...

 

DUARTE IVO CRUZ

LONDON LETTERS

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Towards a federal United Kingdom, 2015-20

 

O Prime Minister tem luz verde de Her Majesty para o State Opening of Parliament a 27 May, após um primeiro encontro a 18 May dos representantes saídos da torrencial General Election de 7 May 2015.

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A democracia de Westminster tem um puro executivo Tory, assente em fina Working Government Majority na House of Commons. O êxito de RH David Cameron e a derrota eleitoral de todos os rivais partidários provam o triunfo da austeridade suave, mesmo sob a alta pressão dos indy Scots. — Chérie, chat échaudé craint l'eau froide! O ensaio é clássico. Coloque a mão direita em água gelada e a esquerda em água quente; agora ponha-as em água tépida; uma sente calor e a outra frescura. O experimento explica aos estudantes de Politics como ler a realidade além das perceções. O cerco final ao Labour ensina sobre a credibilidade das políticas e competência dos políticos. — Hmm. Scaling up the science of scarcity. A solução constitucional federalizante e o referendo europeu são testes à perícia do Cam Govt II. Across the United kingdom, os sinos das catedrais assinalam o VE Day. A fechar o encontro com os veteranos em St James, sem escolta ou carro para casa, Charles of Wales passeia por ours green and pleasant land.

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A fine morning with a very blue and sunny sky em dias da “sweest victory” para o Premier. RH David Cameron completa hoje o reshuffle do seu governo, mantendo no No. 10 o núcleo duro da equipa e satisfazendo as alas com os despojos eleitorais do desbaratado aliado Lib Dem. A batalha é sangrenta, o preço no No. 11 alto, mas o resultado could not be better or… worse. As sondagens dão a liderança ao Labour até ao último Summer e desde  este Winter que repetem a tela de a hung parliament, assim sugerindo ao what’s next incertos acordos à esquerda e à direita para indefinida coligação. Nada disso, como no duelo ao sol de 1992 entre o blue Sir John Major e o red Mr Neil Kinnock. Os Tories obtêm clara maioria na House of Commons, a todos e até a si próprios maravilhando. A tribuna parlamentar ganha novas cores, com a big bagpipe band na câmara: Conservative – 330 MPs; Labour – 232; Scottish National – 56; Liberal Democrat – 8; Democratic Unionist – 8; Sinn Fein – 4; Plaid Cymru – 3; Social Democratic & Labour – 3; Ulster Unionist – 2; Green – 1; Ukip – 1; Independent – 1; mais o Speaker – 1. Como se chega aqui e o que daqui resulta é algo a examinar.

Por que não venceria o blue Team no centro das sucessivas maiorias de Margaret Thatcher e Tony Blair? Dois milhões de novos empregos, biliões para o SNS ou salários sem impostos são promessas ao coração da aspirant middle class. Melhor: em contraponto a um Lab better plan nunca por inteiro consolidado, de aversão ao rico e amor aos pobres, aqueles que detestam a burocracia dos subsídios e aspiram à propriedade. Atacado a South pelo anti-business flavour e a North pelo inverso, Red Miliband não sustém o ilusionismo económico e vê finalmente o Shadow Minister Ed Balls demitido pelo eleitorado. A tese de aliança antipatriótica com os Scotties é a metralha fatal dos conservadores. Também o vento das highlands cumpre as melhores expetativas do SNP e varre os trabalhistas do mapa, tal qual fizera aos Tories. Os main parties sossobram à pauta anti-austeriy de Nicola Sturgeon, sem que a moderação Lib Dem se ouça após rasgarem o seu anterior manifesto eleitoral e Greens ou Ukippers concentrem votos bastantes para o volteio do first-past-the-post system. “No business as usual,” diz a progressive Scotland First Minister. Já sentado em Westminster, o father of the clan Alex Salmond retoma o discurso da independência.

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A vitória conservadora ocorre no mesmo dia da rendição incondicional alemã na II World War. As hostilidades terminam oficialmente no continente a May 8, 1945, data crismada pelo então Prime Minister como VE Day – Victory in Europe. A guerra a East continua e por isso Sir Winston Churchill termina a feliz comunicação via rádio ao reino e ao império com o apelo “Advance, Britannia! Long live the cause of freedom! God save the King!” Estas palavras soam de novo na cerimónia comemorativa no London Cenotaph, pela voz do neto Randolph. Aplicam-se por inteiro a dois formidáveis desafios que os britânicos e o seu novo governo têm pela frente. Manter o UK together é o principal dossier político no No. 10 de Downing Street, mas permanecer in Europe é o teste histórico ao talento do Right Honourable David Cameron. Em 2017 haverá eleições presidenciais em Germany e France, a par do referendo in/out em GB. — Wishing you well, congratulations for Cam, The Man.

 

St James, 11th May

Very sincerely yours,

V

A VIDA DOS LIVROS

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De 11 a 17 de maio de 2015.

 

Foi há 70 anos! Em 1945. O Centro Nacional de Cultura foi fundado por Afonso Botelho, António Seabra e Gastão da Cunha Ferreira. Simbolicamente, estaremos no Porto (onde nasceu Sophia de Mello Breyner) na Fundação Cupertino Miranda esta sexta-feira dia 15 e em Lisboa no Museu do Oriente a 3 de junho, numa Gala com muitas surpresas.


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Sophia, por António.

 

DAS TRADIÇÕES ÀS IDEIAS NOVAS!
Havia que ligar património cultural, língua portuguesa, outras línguas, literatura, artes, tradições e modernidade. Desde o primeiro momento, as ideias novas e a modernidade estiveram bem presentes no CNC. E o Centro tornou-se ponto de encontro pioneiro de jovens artistas, escritores, pessoas do teatro, defensores avant-la-lettre do meio ambiente e da fidelidade às raízes, com os olhos postos no futuro. Almada Negreiros e Fernando Amado fizeram do tempo novo a regra e o princípio. E, sem cuidar de naturais vicissitudes de um grupo que ganhou direitos de alforria sonhando uma «Cidade Nova», notamos que depressa foi o desejo de ar fresco e de liberdade de espírito que prevaleceu. Afonso Botelho, António Seabra e Gastão da Cunha Ferreira fundaram o Centro, vindos de Fátima, como ponto de encontro e de reflexão. Houve uma rádio de curta duração, a esperança monárquica, mas tudo começou com uma auspiciosa “Exposição de Arte Moderna” com Almada, António Dacosta, Eduardo Viana, Carlos Botelho, António Lino e Cândido Costa Pinto... E logo em 1946, nasceu o grupo de teatro de Fernando Amado, com “A Caixa de Pandora”. 

 

DIÁLOGOS SOBRE A ARTE
Houve diálogos sobre a arte. Francisco Sousa Tavares emergiu como figura central – fazendo da liberdade um sinal de tradição e futuro. Contra todo o conformismo, foi ele quem primeiro definiu o Centro como um lugar de autonomia e de criação, de liberdade e de inteligência. E Gonçalo Ribeiro Telles ligou a Cidade Nova à natureza e à terra. Afonso Botelho, Delfim Santos, Gabriel Marcel falaram sobre a saudade, a filosofia atual e o existencialismo cristão. À falta de cadeiras, usava-se cestos de vime… Em 1954 o grupo de teatro transformou-se na Casa da Comédia. E o grupo Fernando Pessoa, com «O Marinheiro» fez em 1962 a memorável tournée no Brasil, onde encontrou Manuel Bandeira, Drummond, Vinicius e Cecília Meireles. Sousa Tavares e António Alçada Batista marcam por essa alturaq decisivamente o CNC, num sentido personalista, democrático e constitucional. Lourdes de Castro faz a sua primeira exposição aqui. No CNC se reúnem os fundadores de “57”, José Marinho, Álvaro Ribeiro, Afonso Botelho, Orlando Vitorino e António Quadros, mas também se ouve a «heterodoxia» de Eduardo Lourenço. Dos debates monárquicos, bastante acesos, passa-se à ideia democrática, com a candidatura de Humberto Delgado, o apoio ao Bispo do Porto, a reflexão sobre o “dever social dos cristãos”, em que pontua a aventura da Livraria Moraes e do Círculo do Humanismo Cristão. A questão de Goa, as guerras de África, as crises académicas, o Concílio Vaticano II põem o Centro no coração dos temas atuais e necessários. Em 1961 realizam-se as conferências de quinta-feira, sob impulso de Helena Cidade Moura. São convidados o Padre Manuel Antunes, Joel Serrão, Virgínia Rau, Vitorino Magalhães Godinho, Ruy Belo, Adérito Sedas Nunes, David Mourão-Ferreira, Luís Francisco Rebelo. Tornam-se gente muito cá de casa, mas faz-se sentir a vigilância da PIDE. «O Tempo e o Modo» e a «Concilum» são projetos irmãos. «Se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo» - dirá Pedro Tamen. Alberto Vaz da Silva e João Bénard da Costa apontam caminhos novos na crítica literária. De Agustina a Jorge de Sena há novos valores a considerar. Nasce a Resistência Cristã de Nuno de Bragança, José Pedro Pinto Leite e João Bénard da Costa. Depois do fecho da Sociedade Portuguesa de Escritores, pela atribuição do prémio a Luandino Vieira, Sophia de Mello Breyner torna o Centro o lugar de resistência intelectual. «Perfeito é não quebrar / A imaginária linha // Exata é a recusa / E puro é o nojo».

 

SANGUE NOVO…
Os jovens universitários tornam-se presença assídua – Jorge Sampaio, António Reis, Jaime Gama, José Luís Nunes, Eduardo Prado Coelho, Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, Nuno Júdice, Jorge Silva Melo, Luís Miguel Cintra. Com Francisco Lino Neto, realiza-se o 1º Encontro Nacional de Críticos de Arte. Contesta-se a guerra do Vietnam. José Manuel Galvão Teles preside ao Centro. É o marcelismo. Jorge de Sena vem falar. Na Sociedade de Belas Artes organiza-se o ciclo “Lusitânia, Quo Vadis?”. Há cargas policiais e detenções. Há dirigentes presos e o debate democrático é vivo e intenso, com Sousa Tavares a regressar à presidência. «Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar» - diz Sophia numa vigília de cristãos na igreja de S. Domingos, e nada pode ficar como dantes. Em 1970, António Alçada Batista e Nuno Teotónio Pereira trazem para o Centro a “Associação para a Liberdade da Cultura”, presidida por Pierre Emmanuel. Teotónio Pereira, Alçada Batista, Cardoso Pires e João de Freitas Branco assumem rotativamente a presidência do Centro até 1974. João Bénard da Costa será o secretário de 1970 a 1974. É um momento de perplexidades – se Nuno Teotónio Pereira é preso, Veiga Simão, o novo Ministro da Educação, constitui uma Comissão de Cultura com membros do CNC. Mas a Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos também aqui funciona... Um dia, Frei Bento Domingues é convocado para a PIDE e diz que na rua só conhece o Centro Nacional de Cultura… É a democracia que começa a passar por aqui. A liberdade de imprensa é defendida como essencial. Há cursos livres sobre temas proibidos, realizam-se os jornais falados. Uma sessão com José Afonso é proibida e acaba em carga policial.


O DIA INICIAL, INTEIRO E LIMPO
Chega a democracia. Sophia escreve. «Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial, inteiro e limpo, / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo». Francisco Sousa Tavares está em 25 de Abril de 1974 no Largo do Carmo, como sempre estivera, na primeira linha da defesa da liberdade. A legalização dos partidos políticos faz o CNC interrogar-se. José-Augusto França à frente dos destinos do Centro instala aqui o departamento de História de Arte da Universidade Nova – e permite a sobrevivência. José Régio inspira o novo tempo. «Davam grandes passeios aos domingos». Helena Vaz da Silva assume a presidência do CNC com a direção da “Raiz e Utopia”, plena de entusiasmo e de novíssimas ideias. Inicia-se uma nova fase de debates, de percursos, de mil projetos sobre o Património Cultural e sobre a presença portuguesa no mundo… António José Saraiva e Eduardo Lourenço fazem da liberdade de pensamento um exercício de crítica e de recusa de lugares comuns – a psicanálise mítica do destino português e «Os Filhos de Saturno» desenvolvem-se como sinais de controvérsia e diálogo. A educação, a ciência, a cultura, as artes agitam as mentes. Jovens cidadãos sobre rodas, os portugueses ao encontro da sua história, o património como realidade viva… As bolsas de jovens criadores e da criação da lusofonia ligam-se à formação nos temas europeus, no turismo cultural e nos roteiros patrimoniais. O Centro coordena as Jornadas Europeias do Património e aqui nasce a Convenção de Faro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na sociedade contemporânea, assinada em 2005 e em vigor desde 2011… Setenta Anos, quantas interrogações? Quantos projetos?

 

Guilherme d'Oliveira Martins

 

CONTOS BREVES

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«Nell e seu Avô na Floresta» de W. Q. Orchardson.

 
8. SORRISO


O sorriso da Inês é uma adivinha. Quem diz adivinha, diz manha. Uma esconde sempre a outra, ambas nos intrigam - por este lado ou por aquele, depende de que lado está ou virá a estar a surpresa... - e, se formos lúcidos, nos divertem e animam. O sorriso da Inês é o seu jeito de se chegar a mim. Sem animosidade, desconfiança ou timidez, apenas em desafio. E, só por isso, uma misteriosa alegria me revolve o coração. Gosto entranhadamente desse sorriso que me diz: "Avô, vamos a ver quem ganha hoje?". Por uma neta me fiz luz sobre um cantinho secreto do amor no coração: a confiança que nos interpela, o que outro nos pergunta porque tem fé em nós. Quando compreendemos isso, caímos, sim, na armadilha do amor, sem qualquer mentira possível, nem capricho ou ciúme que nos prenda. Podemos então brincar, desenhar arabescos capciosos e ilegíveis, contar histórias farsantes e rocambolescas, inventar paisagens em mundos ignotos... Diante de nós, tão defronte que até nos vemos ao espelho, está esse sorriso subtil que nos descobre e diz : "Conheço-te tão bem!" Por alturas da confirmação da Inês, disse-lhe eu, disfarçado: "Olha que Deus é um grande manhoso!" - "Como é que o Avô sabe?" - "Olha: sei, porque até consegue que acreditemos nele!"   A miúda sorriu-me e disse: "Eu também acredito no Avô! O Avô é manhoso?" -  "Eu? Não sei, não sou, sou só adivinho..." - "Adivinha o quê?" - "Sei lá, talvez o mesmo que tu: quando amamos, quando queremos bem, acertamos." O sorriso dela abriu-se e iluminou-lhe os olhos : "Quem adivinha, pergunta sempre, não é Avô?"

  

Camilo Martins de Oliveira

A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Acerca do espaço das casas de Frank Lloyd Wright, no início do séc. XX.

 

‘From the outset Wright devoted himself to the problem which was to be his life interest – the house as a shelter.’, Sigfried Giedion

 

Sigfried Giedion em ‘Space, Time & Architecture’ (2008) afirma que Frank Lloyd Wright (1867-1959) encontrou na tradição da casa americana e no exemplo de Sullivan e de Richardson, elementos que se constituíram como base para a sua arquitetura.

No início do séc. XX, Frank Lloyd Wright procura enraizar as casas na paisagem. Através da enfatização de fluidez horizontal dos espaços (porque como Wright afirma, os planos paralelos à terra identificam-se com o solo e fazem que as construções pertençam ao terreno); do uso de diversos materiais locais e naturais, por vezes contrastantes (a pedra, o tijolo, a madeira); do seguimento das formas do terreno como acontece em Taliesin; da construção de casas em dobras da terra, fazendo parecer que crescem da natureza.

 

‘From the beginning Frank Lloyd Wright faced toward an organic perception of the world. Organic in the sense of Sullivan and of Wright, is a protest against the split personality, against a split culture. It is identical with that development in which thinking and feeling approach coincidence.’, Giedion

 

Wright hesita no uso de novos materiais e na abertura das suas casas através de paredes de vidro. Wright prefere ligar o homem à terra o mais intimamente possível, introduzindo a natureza na casa através sim, de paredes ásperas e robustas. E Wright utiliza também a luz natural como elemento essencial na definição do espaço. Nos seus projectos, consegue aumentar a quantidade de luz na habitação através de iluminação indirecta, de iluminação proveniente de origens inesperadas e por vezes conseguindo até permitir a entrada de luz no volume a partir de três lados diferentes.

 

Frank Lloyd Wright procura também criar continuidade espacial através de uma vitalidade expansiva e de uma interpenetração de volumes. Em ‘Space, Time & Architecture’, lê-se que Frank Lloyd Wright trabalha, fundamentalmente, a casa como se tratasse de um espaço único. O espaço interno somente se diferencia para responder a necessidades especiais – cozinha, quartos dos empregados, caldeira. Para organizar as suas plantas, Wright serviu-se dos exemplos das casas americanas do séc. XVII, que dispunham de uma larga lareira ao centro. A partir deste núcleo (simbólico, real e maciço), diferentes espaços alastram-se rasteiros ao chão, do centro para a periferia. A maior parte das casas de Wright, em especial as de dimensão mais reduzida, são geradas a partir de uma planta cruciforme – dois volumes de diferentes alturas interpenetram-se.

‘A definição mais precisa que se pode dar actualmente da arquitetura é a que tem em conta o espaço interior. A arquitetura bela será a arquitetura que tem um espaço interior que nos eleva e nos subjuga espiritualmente.’, Bruno Zevi em ‘Saber ver a Arquitectura’, 1977

 

Sendo assim, a arquitectura de Wright centraliza-se na realidade do espaço interior, e no seu contacto absoluto com o exterior. A planta livre não é uma afirmação do volume arquitectónico, mas o resultado de uma procura total interior que se exprime em termos espaciais. Ao partir de um núcleo central e ao projectar os vazios em todas as direcções faz resultar uma riqueza volumétrica que pretende uma libertação do puro racionalismo que só responde à técnica e à utilidade. (Zevi, 1977)

 

Ana Ruepp

SONETOS DE AMOR MORDIDO

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Capela Sistina

 

16. DE ADÃO A EVA E VICE-VERSA

 

Quis-te, quis-te bem e queixei-me-te

de bem querer a quem me não queria

e ainda hoje não sei se amor sabia

que era só bem o encontrei-me-te...

 

Nem nus algo soubemos do entre nós,

sempre fomos desalinho e união,

desejo de posse e de dizer não,

rio correndo sem chegar à foz...

 

Em homem e mulher Deus nos criou,

por mulher e homem nos separou:

seremos um em dois ou dois só num?

 

Terá amado quem um dia olvida,

ou será esquecimento a própria vida?

Comi do fruto, fiquei em jejum...

 

Camilo Martins de Oliveira

ARISTÓFANES

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“AS MULHERES QUE CELEBRAM AS TESMOFÓRIAS”

 

EURÍPEDES

(A ÁGATON)

Passa cá o corpete!

ÁGATON

Toma.

PARENTE

Vamos arranja-me isso à volta das pernas.

EURÍPEDES

É preciso uma redinha e um turbante.

ÁGATON

Aqui tens este barrete que eu uso de noite.

EURÍPEDES

Sim, caramba, está mesmo a matar.

PARENTE

(Pondo o barrete)

Fica-me bem?

EURÍPEDES

Se fica! Uma maravilha! (A Ágaton.) Passa cá uma capa.

ÁGATON

Pega nela, aqui no sofá.

EURÍPEDES

Faltam os sapatos.

ÁGATON

Aqui tens estes meus, toma lá.

PARENTE

(Experimentando os sapatos.)

Será que me servem? Estou a ver que não gostas deles largos.

ÁGATON

Tu lá sabes! Bem, já tens o que te é preciso. Depressa, rodem-me lá para dentro! ( Ágaton reentra em casa sobre a estrutura rolante)

EURÍPEDES

Cá temos o nosso homem com ar de mulher. Se falares, dá à voz um tom bem feminino, que convença.

 

Esta comédia da qual extraímos esta pequeníssima passagem foi apresentada por Aristófanes em 411 a. C., no festival das Grandes Dionísias, em Atenas.  Eurípides e a sua tragédia explana-se em As Mulheres que celebram as Tesmofórias. Aristófanes, elabora esta comédia em tudo muito similar ao estilo de Eurípides e nela encontra o modo de melhor o caricaturar. Aristófanes submete a peça ao tema da crítica literária destacando o gosto obsessivo de Eurípides pela criação de personagens femininas, e a afluência de intrigas conduzidas por percalços imprevisíveis da sorte. Certamente que o reconhecimento da mulher como elemento capaz de organização e gerência, sofria lenta marcha, e talvez por esse motivo, o quadro quotidiano da mulher ateniense que a comédia aristofânica nos expõe, siga muitos arquétipos do passado. A actividade feminina restringia-se, nesta época ,praticamente ao terreno doméstico, já que à mulher não assistiam direitos políticos, nem jurídicos. O interior da casa da mulher de Atenas era o seu mundo, com excepções como foi o caso de Aspásia de Mileto, a companheira de Péricles, bem conhecida pela sua inteligência e acima de tudo, perspicácia política. Contudo, Aristófanes ainda que coloque a mulher de rosto velado, parodiando os seus vícios e baixos instintos, parece fazer resultar que por elas o campo das disputas é outro exemplo da depravação dos tempos e de um exercício de um certo poder até então não falado sem rodeios.

Aristófanes, defendia que o único resultado de tendências inovadoras da defesa da mulher como ser pensante e válido, tal como o defendia Eurípides com as suas Fedras seria

«hoje em dia, Penélope não se pode apontar uma única entre as mulheres, mas Fedras são todas elas sem excepção».

Mas nas AS MULHERES QUE CELEBRAM AS TESMOFÓRIAS”, soma-se curiosamente ao tema literário um outro de enorme relevância, responsável pela diversidade de tons cómicos com que se visa atingir o confronto dos sexos e sobretudo da própria ambiguidade nesta matéria.

Não nos esqueçamos que Aristófanes ( 447ª.C.- 385 a.C.) é considerado o grande representante da comédia antiga, testemunha também do início do fim daquela grandiosa Atenas. Ele viu o início da Guerra do Peloponeso!, a necessidade urgente de paz, surgindo talvez esta crítica literária como alternativa à política instável, visando provocar um desanuviamento social através da paródia literária e da discussão crítica mais tarde.

Nesta peça, surge uma dinâmica instalada na própria obsessão ( e não só) de Eurípedes relativamente à constante necessidade de surgirem personagens femininas ou efeminadas, e deita-se mão desse facto para erguer e fazer crer um papel decisivo no controlo pelas mulheres da acção, afinal, eventual  verdadeira prerrogativa da condição feminina. Falar da mulher, mesmo dentro da convenção cómica, é expectativa que o poeta não ilude.

A mulher bêbeda que usa a chantagem para salvar o seu amado, as esposas românticas sob máscaras, o perigo que as companheiras dos maridos sob artimanhas femininas manipulassem o poder, eis factos de ambiguidade, factos de sexualidade que destroem machos velhos ou delicados jovens. Assim, vida privada e produção literária congregam-se naturalmente, expondo que o verso se molda em cera e esta não contém sexo, e alertando que o fecundo sol também molda a utilização da sedução da mulher que o implora e dele faz sensual barro, sobretudo aos dias em que barro é a própria reflexão sobre a obsessão feminina.


CORO

Corre mas é para o raio que te parta e bons ventos te levem! Quanto a nós, já nos divertimos que chegue. É altura de ir cada um para sua casa. E que as Tesmofórias nos recompensem com as suas boas graças. (Saem)

 

Atingindo entre outros, os objectivos  de comunicação pretendidos nesta peça, prática de uma nova escola, só pode Aristófanes brilhar entre os eleitos.

Que me seja permitida a sugestão desta sua obra.


M. Teresa Bracinha Vieira

Consultas: F.W. Hall – W. M. GELDART. Aristophanis Comoedine, Oxford, 1906; P. Thieercy, Aristophane. Théâtre Complet, Paris, 1997;G.M.A. GRUBE, The Drama of Euripides, London, reimpr.1961;M.F. Silva, Crítica do teatro na comédia antiga, Lisboa reimpr. 1997; P.T. Stevens, “Euripides and the Athenians”, JHS 76,1956,87-89


2015

ATORES, ENCENADORES (XXII)

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Pedro de Freitas Branco (in http://www.discogs.com)

 

EVOCAÇÃO DO CENTENÁRIO DE UM ESPETÁCULO: PEDRO FREITAS BRANCO ATOR

 

A cronologia justificaria evocação de duas efeméridas este ano assinaláveis: concretamente, o centenário de um espetáculo insólito pelos participantes e o cinquentenário da fundação de uma companhia sólida e referencial até hoje, neste panorama tão irregular do teatro português.

Ambas as efemérides têm como cena o Teatro Gil Vicente de Cascais. E vale a pena começar pela evocação desta magnífica sala – modelo dos pequenos teatros que, na sequência da fundação, em 1846, do Teatro de D. Maria II, foram sendo paulatinamente construídos, ao longo dos anos 800/ início de 900, um pouco por todo o país.  

O Teatro Gil Vicente de Cascais foi inaugurado em 1869 e deve-se à iniciativa algo insólita de um comandante da marinha mercante denominado Manuel Rodrigues de Lima. As obras foram dirigidas por José Vicente da Costa, aproveitando uma sala preexistente. Rambois e Cinatti, nomes dominantes da cenografia, terão colaborado: e o primeiro espetáculo muito ao gosto da época, constou de um drama, “O Ermitão da Cabana” e de uma comédia, “Mateus, o Braço de Ferro”, por um grupo de amadores locais.  

Mas o Teatro Gil Vicente em breve assumiu, também muito ao gosto da época, uma programação em que se alternavam os grandes nomes (profissionais) da cena portuguesa e grupos de amadores. E quanto aos atores e mais espetáculos profissionais, diz-nos Ferreira de Andrade, “ pelo Gil Vicente passaram as maiores figuras do teatro de então, do grande ator Vale a Mercedes Blasco, às companhias do Ginásio, etc.” Ora as companhias do Ginásio eram na altura extremamente prestigiadas, como veremos mais tarde (cfr. Glória Bastos e Ana Isabel B. Teixeira de Vasconcellos “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira Republica” ed. Museu Nacional do Teatro 2004 pags.45 e segs.)

Recorda ainda Ferreira de Andrade: “No dia 19 de setembro de 1899 representaram-se, pela companhia de que fazia parte, além de Mercedes Blasco, Laura Ferreira, Pedro Cabral e Pereira da Silva, as comédias “O Tio Torcato” e “Paris em Lisboa". (…) Dez dias depois, o teatro aplaudia o grande ator Vale e Beatriz Rente na (peça) "Lição Cruel de Pinheiro Chagas”. Eram grandes nomes do meio teatral - profissional da época. (cfr. Ferreira d Andrade “Cascais Vila da Corte - Oito Seculos de História” 1964)

Mas o que quero agora evocar é, mais concretamente, o centenário de um espetáculo realizado no Gil Vicente em 1915, escrito, composto, produzido e representado por amadores que marcavam ou viriam a marcar a vida social, cultural e artística portuguesa. Trata-se de uma revista da autoria de José Paulo da Câmara, filho do grande dramaturgo D. João da Câmara, de João Vasconcelos e Sá e de Francisco Paes de Sande e Castro.

O mais curioso é que o autor da música e também intérprete ator e cantor foi Pedro de Freitas Branco, então com 21 anos de idade, e que viria, como bem sabemos, a desenvolver uma brilhantíssima carreira de maestro, designadamente nas sucessivas temporadas de ópera que dirigiu no Teatro de São Carlos e um pouco por toda a Europa, mas também na estreia e divulgação dos compositores contemporâneos, designadamente Ravel, que compôs obras propositadamente para serem estreadas por Freitas Branco.

Faço aqui duas transcrições bem elucidativas dessa projeção e colaboração de nível mundial:

Escreveu João de Freitas Branco. “Por esta altura (anos 20/30 do século passado) já Pedro de Freitas Branco tentava criar uma companhia portuguesa de ópera que chegou a apresentar-se em Lisboa e no Porto e organizava concertos no Tivoli, com a colaboração de artistas como Bela Bartok (…) em cujos programas incluiu muitas obras modernas desconhecidas do público” (in ”História da Música Portuguesa” ed. Europa América pag.147).

E escreveu Manuel Ivo Cruz: “O maestro português foi internacionalmente considerado um dos maiores intérpretes da música do nosso tempo”. (…) Também a grande maioria dos compositores portugueses seus contemporâneos lhe mereceram cuidadas interpretações” (in  - “O Teatro Nacional de S. Carlos” ed.  Lello e Irmão 1992).

E acrescentamos, para terminar, que no Teatro Gil Vicente se estreou em 1965 o Teatro Experimental de Cascais, dirigido por Carlos Avilez: mas disso falarei em breve.

 

DUARTE IVO CRUZ

LONDON LETTERS

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A baby Princess of Cambridge, 2 May 2015

Hurriay, hurriay. On the day of second of May… A baby princess is born. Mas que encantador fim-de-semana, este!

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O novo rebento real nasce em Springtime e apresenta-se nos braços da mãe Kate, com gorro branco, rosto polvilhado a condizer e como a sleeping beauty. Os sorrisos na envolvente escoltam o “it’s a girl” desejado pelo pai William, avô Charles e aparentemente a nação esperando a People’s Princess of Cambridge. — Chérie, c’est la vie! A batalha partidária por Westminster está a concluir-se. Para a história ficará como The 2015 giveaway electoral campaign. — Hmm. The April showers bring forth May flowers. A migrant crisis avoluma-se no Mediterranean South, agora com o dedo apontado da United Nations a Brussels. Lady Rendell of Babergh despede-se. Na Tower of London soa a gun-salute pela infanta HRH Charlotte Elisabeth Diana na quarta linha do trono da House of Windsor.

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A fine morning with sunny spells and light rains em dias de refrescada esperança na coroa. Um nascimento interrompe por momentos a frenética corrida de encerramento às indefinidas eleições legislativas no reino. Para aferir da atmosfera, num e noutro plano, basta anotar um percebido maior interesse geral em saber o nome da infanta que the party winner no confinante day at the races. A novel Princess of Cambridge nasce pela manhã, às 8.34 am deste sábado. A revelação sai do Kensigton Palace por email, horas antes do pregão pelo town crier junto à Lingo Wing e do oficial easel tradicionalmente exposto em Buckingham ratificar às 3pm a natividade ― quando já todos passam a nova com o “it’s a girl.” A bebé possui tamanho imperial: pesa 8lbs 3oz, uns bons três quilogramas em entrega expresso. Surpreendidos são os media acampados em Paddington (West London), com direito a fotografia familiar e a rever o Prince George a completar dois anos em July 22. A espera ocorre quanto ao batismo. Aposta-se em Alice, Charlotte e Elisabeth, este sendo o das duas avós, mas sempre acompanhado pelo mítico Diana. Os Dukes of Cambrigde anunciam finalmente hoje que a young royal child será crismada como Charlotte Elisabeth Diana.

Diversas tonalidades apresenta a frente eleitoral. A trivialidade e o desencanto de longa e febril campanha têm prova dos 9 na quinta-feira. As sondagens empatam Conservatives e Labourites, ambos em torno dos 33/34% nas intenções de voto e ambos com bagpipes in the background. A forte carta eleitoral escocesa aparece a querer ditar quem será o próximo UK Prime Minister. Nos últimos dias destacam-se David Cameron com promessa Tory de passar uma lei proibindo o aumento de impostos durante a legislatura e Ed Miliband a esculpir em gigante pedra os compromissos eleitorais, gesto que lhe vale generalizada tweetada equiparando-o a um Moses conduzindo o Labour People à terra prometida. Ao lado apelam os minor parties a escolha racional, na perspetiva altamente provável de a hung parliament. No 2015 General election tracker persiste o Westminster mistery: Conservatives – 33,6%; Labour – 33%; Ukip – 13,8%; Liberal Democrats – 8,3%; e Greens – 5,1%. A North prosperam as expetativas do SNP. Faltam dois dias para a ida à polling station

Uns chegam, muitos correm e outros ainda retiram-se, até com suave sorriso.

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Lady Ruth Rendell parte aos 85 anos de idade, após uma vida terrena recheada de eventos, desde a autoria de uma meia centena de best-selling novels à entrada na House of Lords nos Blair’ days. A maioria conhece-a pelo seu infatigável e afável Chief Inspector Wexford das séries de mistério da ITV ou os brillant psychological thriller dos radiodramas da BBC como People don't do such things. A carreira de renovadora do clássico whodunnit é sabida por longo rol de prémios, entre os Cartier Diamond Daggers da Crime Writers' Association e os Edgars dos Mystery Writers, mas menos público é a opção literária resultar de fantástico plot. Nascida em 1930 como Ruth Barbara Grasemann, numa casa de professores em South Woodford, começa como jornalista num jornal de Essex; demite-se do Chigwell Times após noticiar a local golf club dinner no qual lhe escapara o essencial: “the after-dinner speaker had died midway through the speech.” Assim descobre a liberdade de escrever sobre aquilo que gosta. — Fairwell, dear Baroness Rendell of Babergh. And… a very happy life to ours new Princess.


St James, 4th May

Very sincerely yours,

V