CARTAS DE PALMO E MÃO II
Querida Inês;
Há leitores que julgam que ser-se viajante e escritor das viagens feitas é uma quase impossibilidade. Atrevo-me a suspeitar que a imprudência deles face a esta opinião é clara. Clara, desde logo por se prestarem a socorros de clarificação dos locais, como se um homem tivesse sempre de esperar que outro homem o ajudasse a interpretar, aquele bairro único, ali, onde Alhambra coube inteira, no recanto de uma rua de Jammu e Caxemira. Mais: o diligente coração reconheceu ali a sua suavíssima influência. Contudo, para os leitores a que me refiro, assim não poderia ser, quer tenhamos sido e sejamos respiração atenta a múltiplos saberes. Quanto muito, os mais intelectuais, corrigiriam, dizendo «mas ter fome no Puerto em Buenos Aires será sempre um traço romântico». Assim não penso. Um dia disse-te que dei a mão a Taormina e levei-a até Nairobi onde me encontraste no hall daquele hotel de África que bem entendeu o nosso fraterno abraço. Assim, e com esta memória, te agradeço as palavras ao meu principiante livro de viagens, bem como o teu zelo na resposta às cartas que me vais solicitando, pois, deste modo, trocamos num montão de escritas palavras o que diríamos uma à outra, se estivéssemos juntas. Sabes Inês?, a tua não identidade superficial dá-me a tranquilidade de saber que não deformas as intenções das palavras. Não imaginas o quanto vejo os passados séculos serem, por intérpretes extraviados, deformados até à conveniência subtil que lhes seja útil. Não reconhecerão eles o quanto o próprio idioma de Geoffrey Chaucer, o seu refinamento poético, a plasticidade de riqueza filológica, o seu encontro com obras de Dante, de Petrarca e Boccacio incorporaram a possibilidade de lermos The Canterbury Tales, e de nele encontrarmos o tal recanto de uma rua de Jammu e Caxemira?
Inês, eu, que receio tanto a impossibilidade das palavras certas e justas, creio, no entanto, não desconhecer o seu conceito nu, e, como dizes, o pleito das alegorias e dos símbolos é mágico, se deixa entrever a pergunta à assimilação do homem, à bengala dos dias, à esfinge que nos espreita a correspondência e a minha pergunta:
Como estás querida amiga? A tua carta revelava alguma proeza de lágrimas que em mim me deixam pobre e indefesa nos modos de te acudir. Aceita Lope de Veja, doce Inês
(…) enamorada de la luna hermosa,
En tus mudanzas , quién será constante
(…) como aquel pajarillo ?
Tua amiga de sempre
Por Teresa Bracinha Vieira
Junho 2015