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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LUSOFONIA EM CONSTRUÇÃO

Eduardo Lourenço.JPG
© Horst Tappe Foundation.

 

II - DO CULTURAL, AO ESTRATÉGICO E EM TODOS OS ALINHAMENTOS

 

1. Sendo a lusofonia uma aparente negação do princípio da territorialidade, no pressuposto de que a política de identidade deve substituir a territorial, estando a sua referência espacial preferencialmente associada a afetos, documentos, emoções, ideias, memórias, monumentos, sentimentos, numa construção permanente rumo à descoberta de um património linguístico e cultural afim e comum, não admira, nesta perspetiva, ser um conceito desconhecedor da noção de território. Tendo como matriz a língua portuguesa, corresponde a uma referência cultural espacial não territorializável, porque mais imaterial e espiritual, de dimensão mais metapolítica do que organização política. Só que, num mundo globalizado que também abdica de elos identitários, a lusofonia equivale também a um projeto político e estratégico protagonizado por aqueles que revendo-se, em termos identitários, na língua portuguesa, procuram fortalecer a sua base negocial no mundo da globalização. Daí ser também uma associação de natureza política não restrita a um único espaço geográfico ou a uma única comunidade organizada, transpondo fronteiras, soberanias estaduais e territoriais, nacionalidades, regimes políticos, sistemas económicos, jurídicos e sociais.
Não se esgota, assim, no uso comum da língua, incluindo tudo o que o diálogo por ela possibilitado proporciona, via aproximação na ciência, no desporto, na economia, no jurídico, na política, na religião, em todos os alinhamentos. Mas sendo tais aproximações e parcerias facilitadas pela língua, esta assume uma importância essencial e prévia a quaisquer entendimentos. Daí fazer sentido que as suas primeiras preocupações se voltem para as questões da língua, sua defesa, difusão, enriquecimento e ensino. Da música e desporto às telenovelas, passando pelo cinema, teatro, dança, pintura, escultura e literatura, tem-se intensificado a circulação de bens culturais, com potencialidades de aumento em áreas em que o fator língua comum é uma mais-valia, nas suas tendências e variantes. Por exemplo, é cada vez mais consensual falar-se em literaturas lusófonas. Quanto às literaturas africanas lusófonas, o espaço lusófono, desde logo o português, tem sido, senão o principal, um dos seus principais mercados, concretizando uma relação de aproximação e de pertença à lusofonia. Nomes como Agualusa, Craveirinha, Germano Almeida, Mia Couto, Ondjaki, Paulina Chiziane e Pepetela, são seus exemplos. Por que não em relação à gastronomia, desporto, estudos científicos, jurídicos, universitários, investigação? Numa época em que impera o audiovisual, não farão mais pela lusofonia imagens de espetáculos musicais com cantores lusófonos e eventos desportivos com equipas lusófonas, a começar pelo futebol, do que, infelizmente, a pouca ou nenhuma eficácia e visibilidade, a nível da opinião pública, de todas as reuniões da CPLP até hoje realizadas?
2. Como a globalização, que é organizada, também a lusofonia o deve ser, dado estar em causa a sua sobrevivência num mundo globalizado, podendo a mundialização representar, para ela, nos tempos atuais, a ameaça que no passado as teorias eugenistas e nacionalistas significaram para culturas que tinham como inferiores. Não deixa de ser curioso que sendo o fenómeno da globalização tão dominante na economia, o mesmo não suceda noutras áreas, como o comprovam os campeonatos mundiais e europeus de futebol, onde essa globalização não penetrou nos baluartes clubísticos e nacionais, apesar de indesmentível que o seu mercado se internacionalizou e globalizou. E se, cada vez mais, se entende que os afetos e a emoção também fazem parte da razão, não será por acaso, mas antes por aqueles existirem, que tende a existir uma empatia e uma relação mais íntima entre indivíduos, membros ou países de um mesmo bloco linguístico. Como o afirma Eduardo Lourenço, com palavras que vêm a propósito: “A indignação e a piedade são sentimentos universais, mas decerto a tragédia timorense teria encontrado menos escuta se a não sentíssemos como vinda de dentro, desse dentro definido e entrevisto nesse espaço interior de uma língua partilhada. E, provavelmente, a mítica morte de Ayrton Senna, embora universalmente sentida, não teria tido, como foi o caso, uma tão visível intensidade entre nós se não fosse brasileiro. Quer dizer, para nós, não menos miticamente, uma outra maneira de ser português.”(“A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia”, Gradiva, Lx., 1999, p. 187).
Por que não começar em redor de tudo aquilo que a pode consolidar e valorizar, desde logo atividades e parcerias que tiram partido imediato da língua comum, pré-existente a qualquer entendimento, sem esquecer a cidadania lusófona?
Há portugueses para quem é desconfortável pensar que a lusofonia será aquilo que o Brasil entender dela fazer, dele dependendo, atualmente, no essencial, a consolidação e disseminação da língua portuguesa como idioma de cultura e de poder. Mesmo para quem entenda, sem apelo nem agravo, que tudo o resto não passa de retórica, não deixa de ser mais angustiante consciencializar que um Portugal sozinho, numa comunidade ou União Europeia, convoca maiores problemas de identidade, mesmo a nível do português, aí já tido, factualmente, como língua dominada. Mais uma razão para uma aproximação pragmática (e não ideológica) ao espaço de língua portuguesa, com naturalidade e como reserva voltada para objetivos equilibrados, práticos e realistas, sem nos excluirmos do espaço europeu de que somos parte integrante, por direito próprio, enriquecendo-o e enriquecendo-nos, rumo a um equilíbrio final que nos credibilize e dignifique perante nós e os outros.   

 

22 de maio de 2015

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

ATORES, ENCENADORES (XXVII)

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RUI DE CARVALHO, ATOR DE ESPETÁCULOS MUSICAIS


Não se pretende aqui proceder a uma síntese da carreira de Rui de Carvalho, em rigor iniciada em 1942, tinha o ator na altura cerca de 15 anos: e carreira que se prolonga até hoje, em plena atividade.

Bastaria para isso evocar a intervenção, constante a partir de 1957, ininterrupta e quotidiana, desde os anos 80/90 em espetáculos, séries e novelas na televisão: estas duram rigorosamente até hoje. Ou evocar os 27 filmes em que interveio. Para não falar nas centenas de peças que protagonizou, desde pelo menos 1947, com papéis de destaque e cobrindo todas as épocas, géneros e expressões do teatro, desde Gil Vicente, D. Francisco Manuel de Melo, Shakespeare, Molière, Tchekov, até aos contemporâneos.

Destaco no entanto a participação em filmes portugueses, pela constância, o que não é fácil como bem sabemos, mas também, obviamente, pela qualidade. Lá encontramos os melhores nomes da cinematografia portuguesa, com destaque, exatamente na qualidade e constância, para Manoel de Oliveira, Artur Ramos, Manuel Guimarães, Cunha Telles, João Botelho e outros.

E também quero evocar a participação no Teatro Nacional Popular, dirigida por Francisco Ribeiro, companhia que na época mas em rigor ainda hoje, marca uma radical renovação de repertório: sobretudo autores da vanguarda portuguesa, como Costa Ferreira ou Luis Francisco Rebello. Haveria aliás mais tarde de protagonizar estreias de Cardoso Pires, Luis de Sttau  Monteiro  e Bernardo Santareno entre outros.        

Mas o que aqui quero agora especificamente recordar, por menos habitual, é a intervenção de Rui de Carvalho num género de espetáculo exigente e pouco praticado entre nós, a comédia musical. Esclareça-se: não se trata de revista, como não se trata de ópera ou opereta. Trata-se, isso sim, de uma expressão teatral em que se cruzam, com maior ou menor incidência, o texto dramático propriamente dito, e a intervenção de cenas musicais, cantadas e representadas pelos mesmos protagonistas.

É interessante então constatar que Rui de Carvalho foi, durante anos largos, protagonista deste género ambíguo, difícil e exigente que é a comédia musical. E posso evocar espetáculos como “O Baile” de E. Neville em 1959, ou “Margarida da Rua” que lhe valeu um prémio da crítica de 1960 , ou “Boa Noite  Betina”, de Garinei e Giovanini, ou ainda “O Aniversário da Tartaruga”, este levado à cena no então recente Teatro Villaret, dos mesmos autores, com música de Renato Rascel.

 Estes nomes talvez já talvez hoje pouco digam ao público em geral, decorridos que são mais de 35 anos. E no entanto, de acordo aliás com críticas que então escrevi, mereceram e merecem o maior destaque e interessaram o público, também pela qualidade da interpretação.

Lembro designadamente o que escrevi sobre a “O Aniversário da Tartaruga”. Contracenando com Florbela Queiroz e com apoio musical de Thilo Krasmann, Rui de Carvalho assumiu uma função cénica que não era o habitual na sua longa carreira. Cantava e dançava em cena.

E não obstante opinar nessa crítica que “ambos os atores representam melhor do que cantam”, o que não deixa de ser recorrente, o certo é que a interpretação de Rui de Carvalho, neste papel de “protagonista global” - ator,- dançarino-cantor, mereceu uma referência bem positiva: “Rui de Carvalho surge numa interpretação cheia de garra, inteligente no desvio dos perigos constantes, leve e bem movimentada, versátil, plena de talento e profissionalismo”… (in revista Flama. 15 de outubro de 1971).

Daí para cá, não parou, como bem se sabe. Por exemplo, o “Passa por Mim no Rossio” de Filipe La Féria marcou, nos anos 90, a renovação do género musical.  E é interessante assinalar também que pela mesma época, Rui de Carvalho se desdobrava em géneros e espetáculos bem diversos, do clássico ao contemporâneo e do drama ao teatro infantil, na altura bem presente nos espetáculos da companhia do Teatro do Gerifalto, dirigida durante décadas por António Manuel Couto Viana, a qual constituiu, para sucessivas gerações, a iniciação ao espetáculo teatral, como um dia poderemos aqui recordar.

 

DUARTE IVO CRUZ