Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CARTAS DE PALMO E MÃO III

Cartas de Palmo e Mão 1.JPG

Amiga;

Ontem, por mero acaso, encontrei o Luís Pedro à saída dum cinema e decidimos logo conversar um pouco à mesa de um café. Há quantos anos nos não víamos? Não sei. Creio que ambos nos observávamos no ver e no dizer. Às vezes fazíamos pausas para que nenhuma memória fosse traficada, e isso via-se, creio, nos nossos olhares cautelosos. A dada altura dizia o Luís Pedro, roçando a mão pela testa, que o tempo, faz todo o mal nos rostos, atraiçoa-os nos traços anteriores antes mesmo que um beijo de adeus segure a verdade. Então perguntei-lhe como ele acharia que estariam hoje os teus lindos olhos, se teriam perdido a verdade que ele antes vira. O Luís Pedro respondeu-me

«Ó Isa, ó Isadora estava à espera do momento em que falarias da Inês. Sabia que irias falar. Só não sabia por onde e quando começarias. »

Então, começo assim

A maré cheia tinha chegado e as nossas toalhas de praia por pouco tinham escapado ao arremesso das ondas espraiadas na areia. Então a Inês sugeriu que fossemos à Quinta do Morgado dar um passeio até ser hora de jantar. Tu concordaste, expressando o brilho sem por igual, nesses teus olhos azuis. Levaste-me na tua mota, na tua onda de mar, como lhe chamavas, e o céu que escreva a tua felicidade estrada acima, enquanto me oferecias a tua vida, assim, estando de costas para mim, os teus cabelos loiros ao vento e as palavras que só escutava com nitidez quando não nos cruzávamos com os carros. Chegámos à Quinta e olhaste-me com uma fervorosa dor de luz, balbuciando «quando chegar com a Inês já tiveste tempo para decidir. Basta dares-me a tua mão.»

Luís, a Inês pediu-me que um dia, se te encontrasse, te dissesse

E depois do Luís Pedro me dizer «cuidado com o vento nesses teus bonitos olhos», nada mais aconteceu, se é que aquilo era um acontecer, e já perto da Quinta, não tendo jeito para imortalizar o que nunca nasceu, encostei a minha perna ao tubo de escape da mota e suportei a dor até queimar a pele e disse para mim: para sempre deste modo fui dele por muito que envelheçamos e o Luís me não queira.. 

Luís, meu terno Luís Pedro, ter-te-ia dado botões de âmbar se tivesses amado a Inês e não a mim. De cada vez que lhe desinfectei a ferida que ela optara provocar quando esteve junto de ti, corpo encostado a corpo, sentia a visão toldada e perdida de dor em dor, por ela e por ti e por mim, que aos 16 ou 17 anos, não desacostumamos como se pensa.

Somos todos um só, agora, amiga minha. Do Verão das flores, dos jovens amantes que choram ou estão a rir, só quando se libertam, o sono chega.

 

Isadora

Cartas de Palmo e Mão.JPG


Por Teresa Bracinha Vieira

Junho 2015