CARTAS DE PALMO E MÃO IV
Pedro,
Recebi a tua carta e li-a como quem lê a época de uma história que se iniciou misteriosa e amiga da profissão do poeta. E é grande a responsabilidade e é indefinida nestes essenciais. Sei que me entendes ou para ti o passado não fosse um idioma que se vai descodificando. Ainda assim, achei-te desconcertado, deslumbrado ainda, e desafortunado nessa depressão por esclarecer, quando afinal todas sempre se vão esclarecendo através das dúvidas.
Em primeiro lugar queria dizer-te que te leio no avião que me leva a Bogotá por uns dias, e que, o quadro que tão bem descreves do local onde estás, aqui, justifica que o envolva uma nuvem que conheça o Pai Nosso. Mas Pedro tudo ou quase tudo o que referes na tua carta merece uma selecção que te tranquilize. E essa selecção terá de ser feita por ti amoroso Pedro que congregado por tua mãe foste, e que de tanto espaço ela te dar, aperta a queixa do teu destino em lhe fugir. Julgo que a flor pequenina que referes estar no alpendre a dormir, se trata do teu filho, e essa relação, é também um verso de todos e de ninguém, com o qual não viajarias a Bogotá.
La Candelaria poderá ser um charmoso bairro de Bogotá e muito perto do museu de Botero onde verias a famosa versão boteriana da Mona Lisa. Contudo, não ignoras que os lábios gretam, sim, na pobreza aberta ao mundo do nosso tempo, e essa olha-nos nos olhos com verdade total, numa realidade tal que não há quem se não sinta confessado. E pergunto-te: manterias depois, a música do beijo que me envias no desejo de comigo viajares? ou és mero aspirante à condição do interpretar?, mas longe, longe do despertar total?
Como disse Schopenhauer, a única arte que poderia existir mesmo que não houvesse mundo seria a música. Assim Pedro não te reconcilies com uma paz genérica. Que mais te devo dizer?
Beijo
Isadora (para teu desafio Isa.)
Por Teresa Bracinha Vieira
Junho 2015