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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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SONETOS DE AMOR MORDIDO

Greogory Peck e Susan Hayward.JPG

Greogory Peck e Susan Hayward (em David and Bathsheba)

 

17. DE DAVID A BETSABÉ

         

Riste, sorri-te, seduzimo-nos,

juntos traímos Urias e Deus

pecaste, pequei, foram meus e teus

os caminhos ímpios que seguimos... 

 

Rasguei as vestes, de cinzas cobri

a cabeça, a saudade da tua chama;

no chão frio esqueci a nossa cama, 

a Deus pedi perdão por mim, por ti...


Mas nem o miserere que cantei

nos sete dias em que só chorei

desviaram o Juiz do seu castigo:

 

não te roubou a mim, levou o fruto

do pecado por que eu pusera luto;

e assim já livre me deixou contigo...      

 

18. DE BETSABÉ A DAVID

 

Salomão foi resposta ao teu tormento

é filho nosso e da misericórdia...

De Deus nunca sabemos a concórdia:

é maior do que o nosso entendimento...

 

Pois Ele não tem prazer no sacrifício

nem de holocausto algum agrado tira

só o nosso coração lhe acalma a ira

ais por dor sentida que por suplício...

 

Para pedir perdão não ofereceste

anhos, perfumes, templos; só lhe deste

teu coração sofrendo como amigo...

 

Gritaste miserere!, bem sabendo

que era silêncio o grito que em crescendo

a Deus levou a dor que era contigo...

 

INTERVALO V

 

O segundo livro de Samuel, nos capítulos 11 e 12, conta-nos a história do pecado e da redenção de David e Betsabé. O adultério do rei com a mulher do seu general Urias, o Hitita, vem envolto em manha e crime: para gozar de Betsabé em seu leito, David envia Urias para a guerra. Quando este regressa, a mulher já está grávida do rei que, para iludir o marido enganado, por duas noites seguidas o manda deitar- com ela , entretanto já posta de volta em casa. O Hitita recusa-se a cumprir o acto, pelo que David decide enviá-lo de volta à guerra, mas de modo a que não escape à morte. Assim acontece. Segue-se o aviso severo e a ameaça de castigo divino, que o profeta Natã profere contra o rei. Este poderá ser perdoado - se fizer penitência - mas o filho que lhe nascer da amante morrerá certamente. David penitencia-se, na esperança ainda de salvar o filho. Mas, ao sétimo dia de penitência ritual, o menino morre. Iniciar-se-á então uma vida nova para o rei David que, de Betsabé, já sua mulher, terá o futuro rei Salomão. Sempre achei esta narrativa, no plano factual, mais mundana do que religiosa, mais leviana, mesmo no plano religioso, do que mística ou simplesmente edificante. Até ter atentado melhor no salmo 51 (50), atribuído, precisamente, a David, quando sofreu o arrependimento destes pecados:  Miserere mei, tem dó de mim, ó Deus, em tua bondade! E que a tua grande ternura apague o meu pecado... Lava-me, inteirinho, do meu mal e purifica-me da minha culpa... ...Cria, ó Deus, em mim, um coração puro...   ...Dá-me a alegria da tua salvação... ...Porque não tens prazer algum no sacrifício, nem queres holocaustos. O sacrifício a Deus é uma alma magoada; não desprezarás, ó Deus, um coração ferido, destroçado... O arrependimento é a responsabilidade que nos leva a uma conversão interior. O perdão de Deus não se compra.       

 

Camilo Martins de Oliveira