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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Morfologia, Tipologia e Forma Urbana.

‘O espaço é algo em que o que se deixa é tão importante como o que se preenche.’, Fernando Távora, 1962

 

É essencial, reforçar a ideia de que a cidade como sendo constituída por momentos materiais e não materiais (preenchidos e não preenchidos), apresenta tempos de duração diversos. Conhece-se na cidade a perenidade do espaço público e a perecividade do edificado. Porém, os dois momentos são indissociáveis e sempre que um absorve ou domina o outro verifica-se um desequilíbrio. A capacidade receptiva do projecto urbano às interpretações que se sucedem no tempo permite a convivência entre a regra e a excepção, entre sistema e forma, entre morfologia e tipologia.

Morfologia e Tipologia apresentam-se, assim como conceitos complementares. Por um lado, morfologia associa-se à forma da cidade, é espaço não construído e tem a função de referenciar os elementos construídos. Por outro lado, tipologia associa-se à forma do edifício, é espaço edificado e lê-se como sendo a excepção. Os termos complementam-se, pois não há forma urbana sem a forma do edifício.

Na reconstrução Pombalina da Baixa Lisboeta os dois conceitos (Morfologia/Tipologia) foram satisfeitos simultaneamente para cumprirem o requisito de construção rápida e eficaz no tempo, resistiu às mudanças políticas imediatas, porém demorou cem anos a concretizar-se. Tanto a Baixa como as Avenidas Novas foram intervenções urbanas determinadas por regras de vivência do espaço público.

Já no plano das Avenidas Novas determina-se o espaço público sem concretizar o edificado que o conforma – alternam-se e convivem tranquilamente moradias e blocos. O plano das Avenidas Novas associa-se a um sistema flexível, onde morfologia e tipologia constituem-se independentes. Estes dois exemplos traduzem a cidade da quadrícula, que coordena duas direcções, reduz distâncias, permite linearidade das ruas e economia de deslocação e construção.

No projecto urbano não é possível definir tudo num tempo simultâneo. A proposta faz-se, sim, através do tempo, por isso, é essencial garantir a concretização de uma ideia estrutural – o espaço público é mais duradouro, é estrutura, é aquilo que fica; o edificado é entidade temporal, muito variável. A certeza urbana, para que dure, tem de ser morfológica. As incertezas no projecto urbano verificam-se não só nos edifícios como também nos usos associados ao espaço público. Fica então a dúvida se a estrutura basilar de uma cidade se deve associar somente ao traçado das ruas e aos alinhamentos.

A passagem do quarteirão (associado à cidade tradicional) ao bloco modernista trouxe um espaço público mais abstracto, reduzido ao mínimo, onde as ligações entre as diferentes situações urbanas não são claras – reivindica-se mais liberdade formal aos edifícios, que agora se estabelecem independentes da configuração da infra-estrutura. Afirma-se a ideia de que o edifício faz a cidade e molda a vida da sociedade e o plano desaparece. No modernismo a luta pela liberdade de concepção individual é uma causa – só assim se pode permitir variar a forma e o tipo.

A cidade como sistema morfológico resiste às mudanças sociais. A cidade como sistema tipológico varia no tempo – aceita e absorve a vida estilisticamente diferente.

Sendo assim, concentremo-nos no exemplo concreto da Baixa Pombalina – e como se lê no livro ‘O Verdadeiro Mapa do Universo – Uma Leitura Diacrónica da Cidade Portuguesa’ de Nuno Grande (2002) a Baixa é paradigma da cidade do traçado. Este tipo de cidade traçado apresenta a associação entre a cidade ideal, na sua racionalidade e lógica e a cidade como instrumento político, determinante para organização da sociedade.

A reconstrução da Baixa Lisboeta, ocorrida em meados do séc. XVIII, possibilitou a aproximação aos ideais iluministas. Estes ideais objectivavam, igualmente, vontades e actuações urbanas – nomeadamente no que concerne ao reforço da higiene e do uso equitativo do espaço urbano. Era importante entender o espaço urbano de então como um bem público e não como um bem régio.

Na realidade o projecto, de Eugênio dos Santos, eleito para a reconstrução pretendia:

  1. Criar uma cidade de raiz sobre o velho tecido, relacionando-a com pré-existências;
  2. Desenhar grelha regular, rígida e simples, onde a tipologia depende da regra da morfologia. Define-se um sistema de espaços públicos e um suporte comum de infra-estruturas. Este traçado urbano está associado à retícula, geometricamente determinada, que representava a afirmação de uma ordem, de uma lógica, de uma rentabilidade económica e sobretudo enfatiza a vontade de permitir igualdade aos cidadãos (é reprodutível, indiferente aos gostos individualizantes, adaptável no tempo, viabilizador da circulação, do policiamento e da infraestruturação);
  3. Garantir longevidade à matriz de reconstrução;
  4. Estabelecer programa tipo-morfológico mínimo através da planta base dos quarteirões; do perfil tipo único da relação entre espaço público e privado; e de um conjunto de alçados-modelo (este último requisito reflecte a independência da fachada em relação ao seu interior);
  5. Determinar regra e alinhamento das formulações arquitectónicas totalitárias, independente do seu conteúdo funcional;
  6. Formular sistema reprodutível em outras cidades portuguesas ou de domínio português;
  7. Coordenar a cidade ideal com a cidade experimental, pragmática, programática e estratega.

A forma urbana não é, então, modelo puro, onde há domínio total sobre todas as componentes que constituem uma cidade, porém também não é sistema totalmente flexível, independente de modelos e tipos, definida apenas bidimensionalmente através de alinhamentos e funções.

 

Ana Ruepp