A FORÇA DO ATO CRIADOR
(Neo) Dada
A nova vanguarda que se deseja definir por estes anos, busca referências no surrealismo, mais propriamente no dadaísmo através da figura de Marcel Duchamp. Duchamp ainda exerce uma considerável influência sobre a geração de artistas dos anos sessenta. Em 1966 terminou a sua última obra ‘Étant donnés’, vindo a morrer dois anos mais tarde.
Retirar o valor da arte era pretensão dos dadaístas. Os dadaístas propunham produzir objectos que se desviassem da representação e que se concentrassem no sujeito. Dada significa nada, recusa de significado. Dada nasce de uma contestação absoluta de todos os valores, da realidade e da arte. Picabia lançou a ideia de uma arte ‘amorfa’, que não representa, como também não é nada, apenas um gesto.
‘É uma arte que quer deslocar a atenção do objecto para concentrá-la sobre o sujeito: do produto para o produtor. Uma arte que é sempre diferente de si mesma.’ (Argan: 1992)
Indiferença em relação à arte. As obras de arte não se situam na descoberta do que é bonito e do que é feio, evidenciam o que não se distingue. Sem programa determina-se uma arte sem preconceitos, destituída de qualquer tipo de lógica e de racionalidade. A rejeição, a fragmentação e a destruição de todas as formas de arte constituem uma pretensão que advém de uma necessidade de absoluta liberdade intelectual e espiritual. Eliminar todas as obras de museu. Os dadaístas lutam contra a produção de objectos, pretendem alterar a razão social da arte porque numa sociedade burguesa o objecto é mercadoria, a mercadoria é riqueza, a riqueza é autoridade e poder.
O que é que a absoluta liberdade, reclamada pelos dadaístas e utilizada pela nova geração de artistas do final da década de sessenta, pode gerar?
- Uma nova arte (estruturada geométrica) tem de considerar o nada nas acções da vida;
- Ser artista já não significa ter talento, ou ter experiência técnica;
- É preciso considerar as oposições: Ordem = Desordem; Sujeito = Não Sujeito; Afirmação = Negação.
Ao deixar de ter valor a arte passa a ser nonsense, determina-se segundo as leis do acaso e pode valer-se de qualquer instrumento e de qualquer material. (Argan: 1992)
O ready made nasce como um objecto descontextualizado e não programado para ser obra de arte – dotado de valor a que geralmente não se atribui qualquer relevância. A acção consiste na alteração do juízo para destruir algo considerado valioso ou para construir algo que não tem valor. Assim, o que determina valor estético já não é um procedimento técnico, um trabalho mas um puro acto mental. Duchamp com o secador de garrafa e com a fonte demonstra que fora do seu contexto as peças do quotidiano podem ter valor – provocação ou paródia – são elementos-chave para enriquecer o real com o imaginário.
A acção do artista é independente, não planeada e variada – deixa de fazer sentido a separação entre as intervenções plásticas e as poéticas, teatrais, gráficas ou verbais. A colagem muitas vezes utilizada por dadaístas, como Schwitters, permite que a obra seja lugar onde se integram as coisas mais heterogéneas, encontradas ao acaso e acrescidas a outras, dia após dia. As colagens de Schwitters, tal como a dos Nouveau Réalistes, são compostas de tudo o que por acaso está ao alcance da mão, sendo crónicas de uma experiência quotidiana.
A crítica às instituições, nomeadamente aos museus foi acentuada por Marcel Broodthaers (1924-1976), já em meados de sessenta. Broodthaers alimenta o seu trabalho a partir da figura de Duchamp e a partir da célebre frase de Magritte ‘Ceci n’est pas une pipe’. Desde 1964, dedica-se à arte, experiência completamente nova, já que anteriormente se dedicava à poesia. A sua atitude é muito crítica em relação à arte produzida segundo aspectos meramente comerciais ou institucionais. A Pop Art é alvo de reapreciação. O museu é declarado como sendo a instituição que torna o fenómeno artístico aborrecido, ao impor a valorização e a produção de juízos sobre as obras de arte. O trabalho mais característico de Broodthaers, decorreu entre 1968 e 1972 e consistiu na construção de diferentes secções de um museu fictício que expõem a arbitrariedade entre objectos e o seu significado (sobretudo ao evocar Magritte e ao etiquetar os objectos com ‘This is not a work of Art’). A secção mais elabora deste museu foi o ‘Departement des Aigles’, mostrado na Kunsthalle de Düsseldorf, em 1972, e que consistia na disposição de diversas vitrinas cheias de diversas representações da Águia (símbolo de liberdade, mas também de imperialismo). (Hopkins: 2000)
Ana Ruepp