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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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O Racionalismo e a História: Fernando Távora e a Pousada de Santa Marinha da Costa (1972-85)

Fernando Távora (1923-2005) atravessou várias etapas da arquitectura portuguesa e desde cedo compreendeu que a arquitectura moderna é a única que pode trazer autenticidade e sinceridade sempre que associada à cultura, à história e ao saber popular. Arquitectura para Távora é a expressão cultural enraizada nos povos e um ofício que traduz a inteligência dos sítios.

A integração das suas obras faz-se pelo lado da vida e pela reflexão sobre o seu valor no tempo e no espaço. Na procura de uma resposta natural que faça parte do sítio, Távora faz pertencer a sua arquitectura ao tempo presente. A inclusão dos valores modernos aparece pela via da integração no espírito do tempo e pela necessidade de criar uma ordem. Sem negar o valor da tradição, Távora aceita a modernidade e a vanguarda sem regras fixas e imutáveis, sem ortodoxias. Para Távora a história é um auxiliar precioso que permite a existência de um diálogo entre tempos, uma continuidade para que a procura por uma autenticidade seja possível.

 

Realizada durante um longo espaço de tempo (1972-1985), a reconversão em pousada nacional do arruinado Convento de Santa Marinha da Costa, em Guimarães, consistiu em reconstituir o que fosse possível e integrar na obra velha uma obra nova por continuidade e não por contraste.

Fernando Távora considera a arquitectura como um ofício que pertence também a uma cultura. O projecto da Pousada de Santa Marinha da Costa consolida uma nova metodologia de projecto no percurso de Távora, ao afirmar a história como valor perene e como razão de ser, entendendo agora o moderno como um sistema cultural. (Tostões, 2002)

O processo de intervenção da pousada iniciou-se com um estudo de evolução morfológica da implantação do edificado, ao longo de onze séculos. A construção iniciou-se no séc. IX, com a implantação de uma pequena basílica na encosta da colina da Pena. No séc. X foi edificado um mosteiro, que depois foi ampliado. No séc. XVI foi aí criada uma Universidade de Teologia. No séc. XVIII o convento atingiu todo o seu esplendor.

O objectivo, determinado por Fernando Távora, para o projecto foi continuar inovando e restituindo integridade. Consideraram-se duas partes na intervenção da pousada – o convento e o corpo novo. Távora não actua por evocação histórica mas pela lógica da evolução planimétrica e funcional dos organismos conventuais. Procurou entender o sentido do conjunto, que se foi acrescentando pacificamente. A reconversão da pousada foi parcialmente acompanhada com escavações arqueológicas, demonstrando o desejo de contribuir para uma intervenção duradoura e que integrasse plenamente o longo percurso do edifício.

Távora actuou no corpo conventual repondo, refazendo, reafirmando, entendendo e clarificando o lugar das formas. Recorta história no betão. Os elementos reveladores de história – arcos, abóbadas, pilares, paredes – são expostos segundo camadas. Os arcos provam a existência de antigas entradas. As paredes evidenciam várias épocas em pedra e reboco. Para Távora a presença do passado é fundamental – é preciso mostrar a história em profundidade, para assim honrar a memória salva.

O corpo novo é definido por uma métrica que o integra no conjunto e descreve-se em continuidade com as regras do passado. O novo objecto construído tenta encontrar o equilíbrio entre o passado e o presente – e tenta encontrar correspondências estilísticas reinterpretadas no edifício antigo (simetrias, depurações, despojamentos). Ao introduzir um novo edifício paralelo – funcionando num novo sistema de níveis – Távora encaixa o restante programa dos quartos da pousada.

Távora produz, deste modo, arquitectura do seu tempo através de um estudo exaustivo muito atento ao edifício antigo, objecto de intervenção. Consegue relações muito francas de autenticidade entre a linguagem do edifício antigo e a linguagem contemporânea que está a criar. Fernando Távora ao afirmar ‘Eu sou a arquitectura portuguesa’ consegue produzir uma arquitectura verdadeira de acordo com um tempo, uma história e um lugar.

 

Ana Ruepp