Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Escrevo-te do campo, estou só no silencioso sossego desta casa, que me é tão familiar e amigo... O dia está soalheiro e ventoso, vejo pelas janelas largas o bailado de ramos verdes, um contentamento de natureza jovem. A Primavera é uma festa. Há pouco, uma mensagem de amiga minha recordou-me as variações para piano, opus 27, do Webern, e logo quis escutar essa obra despojada e lacónica, cinco minutos de diálogo com o silêncio. Não sei porquê, ocorreu-me que a economia de meios de expressão, na música de Webern, é uma ascese que nos conduz a uma contemplação de cariz religioso. O rigor é sempre um esforço, mas há esforços naturais, como se fossem propensões da nossa personalidade. Talvez me engane, mas sinto-me muito próximo de Webern no gosto da solidão e do silêncio, no conforto panteísta da comunhão com a natureza. Não é ensimesmamento, antes contemplação do infinito maior que nos envolve... Por outro lado, reconheço a formação tomista que me foi dada - fiz o liceu num colégio de dominicanos, e minha Mãe tinha uma forte relação intelectual aos Maritain - e essa atenção ao diferenciar para compreender como condição meridiana do pensamento. Assim, a minha atitude religiosa é sempre passada pelo crivo da razão, muito embora eu não pretenda que esta possa entender totalmente, ou, menos ainda, esgotar a fé. Na sua biografia de Webern (Seghers, Paris, 1969), Claude Rostand escreve: Levantou-se muitas vezes a questão de saber qual era a exacta atitude religiosa de Webern. E pôs-se a questão porque muitas das suas obras - e ao longo da sua vida - são de inspiração religiosa: quase um quarto dos textos que ele pôs em música (dezassete em sessenta e um) estão nesse caso - e nem sequer incluímos nesses dezassete os seis poemas da Cantata, opus 31, que o próprio Webern nos diz constituírem uma espécie de Missa Brevis, muitos dos textos de Hildegard Jone situando-se muitas vezes entre o amor divino e o profano. De facto, essa questão não parece muito misteriosa, se se quiserpensar nela, já que o tema do sentimento religioso está constantemente presente naquela produção. Até parece muito simples e banal. Webern nasceu católico. É evidentemente crente. Isso não parece levantar-lhe qualquer problema de doutrina, menos ainda de metafísica... ...A sua fé é segura, forte, calorosa, mas não se encerra numa prática estrita. O seu panteísmo natural foi reforçado pelo panteísmo goetheano... ... Muitos dos textos postos em música por Webern têm por tema, quer o amor de Jesus ou da Virgem, quer o sentimento trágico - no sentido grego - da Crucifixão. Embora simples, a situação é mista, porque os dois temas, de certo modo evangélicos, são dominados pela presença superior e omnipotente de um Deus de que a grandeza e a beleza da natureza, dos montes, são uma imagem constantemente presente no espírito do músico. Embora fosse pouco à igreja, tinha respeito pela piedade, e tinha ele mesmo a sua forma de piedade. Fausto e a Bíblia foram as leituras cujo alcance espiritual ele apreciava. As mais belas obras vocais de Webern talvez sejam os Três Cantos Extraídos de "Viae Inviae" de Hildegard Jone, oito minutos de lirismo para soprano e piano, que o meu presente estado de espírito hoje saboreou melhor. Os poemas da amiga do compositor manifestam muito do que aqui acima se diz dele: O coração sombrio, que em si mesmo escuta, percebe a primavera na brisa e no perfume que pela luz se abre; mas também a sente no reino sombrio das raízes que tocam os mortos. Tudo o que cresce estende as suas tenras raízes para o que na escuridão aguarda; o que nasce bebe a força e a quietação da noite, antes de as transmitir à luz, antes de atirar ao céu o seu perfume como cálice de amor, e antes de uma palpitação lhe trazer a vida. Não me pertenço. As nascentes da minha alma correm nos prados de quem me ama, e fazem desbrochar as flores e são dele. Tu não te pertences. As ribeiras da tua alma, ó homem por mim amado, correm em mim, fecundantes. Não nos pertencemos, nem eu, nem tu, nem ninguém. Esta canção "Das dunkle Hertz", ou sombrio coração, é a primeira da opus 23. A terceira, "Herr Jesus mein", meu Senhor Jesus, reza assim: Meu Senhor Jesus, em cada manhã entras na casa onde corações batem e aí pões sobre cada mágoa a tua mão misericordiosa. Por todos os seus pássaros, a primavera me dizquanto lugar há para a alegria. Há tanto, há tudo, e não há muros entre nós e Deus. Ele toca-nos com cada sopro do ar, com cada ramo, e debruça-se para as flores dos prados, a nossos pés, e isso nos faz ajoelhar. E amanhã, vós que respirais tereis sol ainda. E vós que dormis para sempre, também para vós haverá dia!
Saí da quinta, para ir almoçar à Mãe d´Água, regressei agora a este silêncio rodeado de Primavera alegre. Relendo esta carta, ocorre-me o que Wilhelm Furtwängler certo dia disse de outro Anton, não o Webern, mas o Bruckner: Ele é, na história da arte europeia, um dos raríssimos génios a que o destino concede o poder de dar expressão ao sobrenatural e de tornar o divino presente no nosso mundo humano! Já noutra carta te referi, Princesa, a emoção sublime de Mahler quando pela primeira vez dirigiu um Te Deum de Bruckner. Das missas que este compôs, será aquela em mi menor a que prefiro, quiçá por ser a mais litúrgica e trazer-me saudades do canto gregoriano. Mas esta tarde vou escutar a sua nona sinfonia, inacabada, imperfeita como as capelas da Batalha. Omnia ad majorem Dei Gloriam, assim a quis o seu autor que dedicara duas anteriores sinfonias (a 7ª e a 8ª) a duas majestades (Luís II da Baviera e Francisco José, imperador de Áustria, respectivamente) e quanto a esta escreveu: A minha obra derradeira, dedico-a Àquele cuja Majestade está acima de todas as majestades. A Deus a ofereço, se Ele a aceitar. Aquilo que eu, Princesa, nessoutra carta te dizia sobre a humildade do artista, venho encontrar, aqui e agora, nesta recordação dramática do canto de cisne de Anton Bruckner, que viu recusados os seus pedidos de casamento. A nona é, afinal, a sinfonia do adeus: Senhor, sofri! Mas dou-Te graças pelos meus sofrimentos. O meu coração enternecia-se de amor, mas nenhuma mulher me amou. Era a Tua vontade, e foi feita a Tua vontade. Lutei e perdi muitas vezes. Estou cansado da vida, mas não da existência, porque sempre Te pertenci. Aproxima-se o meu momento final. Ó meu bom Deus, deixa-me terminar este hino à Tua grandeza! Não me recuses essa alegria, e virei a Ti, maravilhado, de alma serena... Ficou imperfeita a sinfonia. Como todos nós, pois ser santo é somente uma vocação. Tudo o mais nos será dado por acréscimo. A própria vida. E nem tudo do que fomos fazendo nos saiu mal. À quinta sinfonia do Bruckner - obra prima de contraponto - muitos musicólogos e críticos chamaram Fantástica Sinfonia. Mas afinal ficou com outro nome que lhe deram: Sinfonia da Fé. Foi composta mais de dez anos antes da nona. Mas já então o compositor devia saber que substantia fidei est sperandarum rerum: a substância da fé está nas coisas que devemos esperar.
Amainou o vento, vai descendo sobre os campos essa sombra que, como noite, torna mais celeste o céu. Dou-te a mão.
"My Way" de Frank Sinatra e um violino Stradivarius
Ao lugar adiante da razão disse muitas vezes não, outras, esqueci-me de registar a crueldade, linha torta e fisgada e certeira. Ainda assim o caderno de significados foi sendo também autor do meu percurso, actualidade e luxo, para conferenciar sobre afinidades emotivas e intelectuais. Da paixão, digo que ler, cura a desordem, e do amor, a eterna companhia desprendida é mais perfeita sem mando e sem angústia por estar perdida, do que a suposta moral que se diz fazer a união de um qualquer casamento. De quem solicita ser amado apenas enquanto o deseje, disse, depravação, e não me comovem as consequências do deus de um só. O escritor vive e morre ligado ao tempo e sua consequência. Qualquer solução não é finalidade, afinal mesmo em férias, procura o mistério das coisas e tem sempre 200 anos em relação à sua época, episódios de vida nunca confessáveis e também uma profunda certeza do efémero. Cervantes servia a um rei, não sei qual, mas tal como às lágrimas foi-lhe fiel, a ele, até à morte. É assim, ruge uma verdade na música do poema do poeta para poder ser tocada por um violino a gerações insaciáveis, gente de rascunhos ou daquelas que não saberão nunca quais são as fontes onde e aonde não nos entenderemos nunca.
Como My Way merece a sorte que tem!
Terá razão Valléry e poderá o pensamento ser um erro do Universo? Uma morte antecipada ou a flecha alada do sentir- saber, o quanto o saber são sonhos, e que estes tendem a ser breves, mesmo pela mão de um Stradivarius.
Alfredo Cortez, s.d., fot. José Marques [programa O lodo, TNDM II, 1979]
OS 90 ANOS DA NOVA COMPANHIA DE DECLAMAÇÃO
Neste contexto sempre irregular do historial do teatro português na sua dimensão modernizadora e renovadora, apraz -hoje evocar uma iniciativa que, há exatos 90 anos, significou a tendência que, na época foi marcando, ainda que algo timidamente, a atualizaçãodo teatro-espetáculo em Portugal. E quando dizemos “teatro-espetáculo”, temos presente certo desfasamento verificável no que respeita não tanto à literatura, aí incluindo a literatura dramática, mas, isso sim, às iniciativas de modernização do espetáculo em si. Isto, apesar de já na época se manifestarem entre nós esforços dispersos para alinhar repertórios com o que se impunha em meios mais adiantados.
Alfredo Cortez, dramaturgo que, ao longo de mais de cerca de 20 anos e de mais de 10 títulos contribuiu, como dramaturgo e como animador teatral, para a renovação do teatro-texto e do teatro-espetáculo em Portugal – e basta lembra o escândalo e a pateada que assinalou, em 1934, a estreia de “Gladiadores”, primeira peça expressionista da dramaturgia portuguesa – surge em 1925 como fundador-diretor da Nova Companhia de Declamação.
Tratou-se efetivamente, de uma iniciativa destinada a renovar (no possível…) o contexto do espetáculo em Portugal. Hoje, podemos ponderar a modernidade do repertório em si mesmo considerado: mas estávamos em meados dos anos 20, e em Portugal: o que nos permite avaliar os valores relativos do programa de modernização/atualização, a nível não tanto, repita-se, de produção dramatúrgica, mas sobretudo a nível de realização e organização de espetáculos e da sua recetividade junto do público.
E nesse aspeto, podemos hoje melhor compreender a “modernidade” que esta companhia procurou atingir, junto de um público no mínimo desconfiado. E nem se diga que a Nova Companhia de Declamação era de somenos no que respeita ao elenco. Dela faziam parte, com efeito, grandes nomes da cena portuguesa da época: desde logo Adelina Abranches, Ester Leão, António Pinheiro, Clemente Pinto, entre outros mais. Nesse aspeto, nada haveria a dizer: eram, todos eles, grandes figuras de cartaz.
Já no que respeita ao repertório, a sua modernidade é hoje questionável: peças como “Apaixonada” de Porto-Riche, “A Malquerida” de Jacinto Benavente, “Uma Mulher Fatal” de André Birabeu, dizem-nos hoje menos do que na época, em matéria de renovação. Alfredo Cortez organizaria mais tarde, episodicamente, uma nova companhia com Ilda Stichini, para quem traduziu a peça “Wang, Sábio Três Vezes Sábio” de Henry Gheson, estreada em 1927 no Funchal.
Mas o mais importante terá sido “O Lodo” do próprio Alfredo Cortez, estreada com escândalo em 2 de Julho de 1923 , no Teatro Politeama, num único espetáculo organizado pelo próprio autor, despois de sucessivas recusas das companhias profissionais da época, que sistematicamente consideraram a peça no mínimo chocante… O que não diminuiu a qualidade, nem do texto nem, é de crer, do espetáculo, dado o nível do elenco: encenação de António Pinheiro, interpretação de Adelina Abranches, Amélia Rey- Colaço, Constança Navarro, Robles Monteiro, Maria Mesquita e Antónia Mendes.
A peça passa-se num bordel da Mouraria e acaba com um crime de morte: Julia, por ciúmes, mata a irmã, figura impoluta de moralidade. Ora, independentemente das mudanças ocorridas, é notável o realismo violento da cena e da linguagem. E é de assinalar que “O Lodo”, depois dessa estreia em espetáculo único, foi reposto dois anos depois, novamente por iniciativa do autor.
E para terminar: Luciana Stegagno Picchio, na “História do Teatro Português” (Roma 1964, trad. port. de Manuel de Lucena, 1969) relaciona a renovação teatral contida em “O Lodo” com a modernidade dos “Seis Personagens em Busca de Autor” de Pirandello, estreada em Roma dois anos antes (e só representada em Portugal no final dos anos 50): o que só por si atesta a renovação que Alfredo Cortez trouxe para a dramaturgia portuguesa.
Acrescente-se enfim que entre as centenas de atrizes e atores que estrearam as peças de Alfredo Cortez, encontramos sucessivas gerações de nomes que marcaram e sua época e hoje são recordados: alem dos que já citamos, evoque-se Raul de Carvalho, Vital dos Santos, Barroso Lopes, Ilda Stichini, Luz veloso, Alexandre de Azevedo, Palmira Bastos, Maria Lalande, João Villaret, Antómio Lopes Ribeiro …
E, no que refere ao cinema, o filme “Ala-Arriba” (1942), realizado por Leitão de Barros sobre argumento e diálogos de Alfredo Cortez, exibido na Bienal de Veneza ganhou a Taça Bienale: e permito-me uma auto-citação, que retiro da edição do Teatro Completo de Alfredo Cortez (ed. INCM 1992):
”O texto de Ala-Arriba não é uma peça (…) é um verdadeiro guião cinematográfico poderosamente plasticizante na sua descrição, vigoroso no travejamento, épico e lírico na admirável linha literária. O rigor rítmico de cinema (…) mais minucioso ainda do que no teatro, é respeitado em perfeita simbiose: lemos o guião e recordamos, cena a cena, plano a plano, a força poética desde belo filme, que a esplêndida musica de Rui Coelho – também autor da ópera Tá-Mar (sobre a peça homóloga de Cortez) - reforça e sublinha”.
Entre manobras legislativas e rixas ideológicas, Greece abre os bancos após 3 longas semanas de encerramento com o controlo de capitais cifrado a €420. Athens prepara agora as forçadas privatizações, ao que consta sem o Mount Olympus, a Acropolis ou o Parthenon incluídos na lista onde pontificam já duas das mais movimentadas infraestruturas da Europe:
o Athens International Airport e o Piraeus Port. — Chérie, bonne renommée vaut mieux que ceinture dorée! As guerras culturais estão de regresso e em força, aquém e além Channel. A dias de férias nas belas costas do Celtic Sea e sem Westminster saber o que militarmente tal representa, além do choque verbal com o “jihadism,” o Prime Minister RH David Cameron declara war on extremism. — Hmm. As the old cock crows, so crows the young. Mr Andy Murray triunfa na Davis Cup em 4-set victory face a Monsieur Gilles Simon. The Queen desgosta das notícias em torno de uma película familiar de 17 segundos, onde, em 1933, se parodia a saudação nazi. Hungary semeia “choke points” ao longo do muro de 175km alçado na fronteira com a Serbia, sob a condenação da United Nations e o silêncio da European Union. Cuba reabre a embaixada em Washington. O President Barack Obama ergue-se como histórica legal eagle e fecha o controverso Nuclear Deal com o Iran.
Quiet Summer days at London. Agitação anda para os lados do Buckingham Palace após o Sun publicar polémicas imagens da rainha dos 30’s. Aqui surgem a infanta de 6 anos com a irmã Margaret, a mãe Elizabeth Bowes-Lyon e o tio Edward of Wales antes da sucessão de Georg V. Pelo meio das brincadeiras com o cão nos jardins de Balmoral, o grupo saúda alguém com aparente braço levantado ao estilo Sieg Heil então popularizado pelos nazis e um Herr Adolph Hitler chegado ao posto de German Führer. A polémica soa forte. O jornal defende o “interesse histórico” da película, mas a Royal Household manifesta crítico desapontamento pelo que é sugerido nos fotogramas extraídos de um granulado filme familiar com uns veneráveis 82 anos. A British political history opera segundo a regra de acesso dos 30 anos. Quem queira examinar documentos das crises do Suez (1956) ou das Falklands Islands (1982) aguarda três décadas para aceder aos materiais. Diverso, porém, é o caso dos arquivos reais. Os diários e memórias, além das fotos e afins estão ao abrigo do selo da privacidade e daí ainda a controvérsia do modo de obtenção desta fita de 17 segundos. Ora, aquém dos usos e abusos da história, nestas matérias vigora aqui a common sense regulation e por isso ganha foros de cidade o comentário bem-humorado de Mr Rick Gervais: “If The Queen does another Nazi Salute let me know about it. Until then....”
Na frente política, todavia, pontuam as iniciativas governamentais face a uma oposição ainda a arrumar a casa depois da derrota eleitoral que derruba as lideranças partidárias. Com o Labour dividido nas guerras tribais da sucessão de um silencioso RH Ed Miliband, os Lib Democrats re-elegem Mr Tim Farrow como timoneiro sob uma chuva de apreensão quanto a um potencial conflito entre as posições políticas da hoste arquitetada por Gladstone, Asquith e Lloyd George com a fidelidade religiosa aos evangélicos do MP de Westmorland and Lonsdale. Sozinho em cena, Downing St desmultiplica-se. Silenciando para já o European Referendum de temida Brexit e os maciços cortes no Welfare State que o Exchequer planeia, o Number 10 centra hoje as atenções no plano internacional e anuncia revigorado combate contra o extremismo islâmico. Enquanto o Secretary of State for Defence, RH Michael Fallon, informa a House of Commons dos resultados mistos da Counter-Isil coalition strategy, o Premier hasteia os Brit liberal values e revela em Birmingham um programa de counter-ideology que visa uma maior integração social das comunidades islâmicas. As medidas da esfera da segurança e defesa irmanam agora com a educação e mesmo a habitação. Aguardam-se detalhes.
Ora, como o exemplo vem necessariamente de cima e começa em casa, Sir Cameron, a esposa Samantha e os seus três filhos usarão alguns dias de August para “a staycation” em Cornwall. HM Govt aposta forte em tonificar o turismo interno, o mais pujante setor na austerity era, responsável por 1 em cada 10 empregos e indústria que contribui com £60 billion anuais para a riqueza nacional. Experience the very best of Britain… é a nova chave para seduzir os milhões de visitantes a viajar da Cornish Riviera to the Scottish Highlands and everything in between. Aquém o atraente convite, o mundo complica-se. Informa o Sunday Times que os crime writers defrontam crescentes dificuldades na escrita devido às ciências forenses, cujo avanço faz dos plots contos de crianças. Contudo, por vezes, porém, também a política é difícil, declara a Kanzlerin Angela Merkel em inusitado diálogo com uma adolescente palestiniana que o país por si liderado quer expulsar na ausência do selo de refugiada política. Em dias de turbulência continental após o Agreekment imposto em Brussels ao governo de Mr Alexis Tsipras, pro memoria ficam seríssimas palavras de Herr Jürgen Habermas no comentário político a Berlin. — “I fear that the German government, including its social democratic faction, have gambled away in one night all the political capital that a better Germany had accumulated in half a century.”
Joel Serrão escreveu «Da Regeneração à República» (Horizonte, 1990) sobre a segunda metade do século XIX português, que é um dos períodos mais interessantes e complexos de uma longa História, ainda que cheio de paradoxos e contradições – e que permite entender o século XX.
TEMPO DE ACALMAÇÃO
Saídos de uma longa guerra civil, que marcou a primeira parte do século, os portugueses conheceram uma acalmação política a partir de 1851, que se traduziu no mais longo período de vigência de um mesmo texto constitucional – a Carta Constitucional de 1826, completada pelo Ato Adicional de 1852. Dir-se-ia que uma assembleia constituinte saída do golpe de Estado da Regeneração (1851) procedeu a um certo renascimento moderado e compromissório da Constituição de 1838, de modo a pôr termo ao Cartismo de Costa Cabral, substituindo-o pelo que viria a ser o rotativismo, entre regeneradores e históricos. O «cabralismo» fechara-se sobre si mesmo e deixara campo para uma grande convergência política que culminaria no movimento de 1851. O machado de guerra era enterrado, na condição de haver uma partilha de poderes e influências. E se Alexandre Herculano inspirara e de certo modo preparara o golpe vitorioso de 1851 perpetrado pelo Marechal Saldanha, também animara a seguir a criação de uma esquerda histórica, de modo que os vencedores e as suas clientelas não se eternizassem no poder, suscitando uma alternância à maneira inglesa. A verdade é que, sem intervenção política direta, Herculano teve indiscutível influência na queda de Costa Cabral e na estabilização constitucional. O Ato Adicional tinha dezasseis artigos que previam: a eleição direta dos deputados e o alargamento do sufrágio, embora mantendo-se censitário; o direito das Cortes intervirem na Administração pública mediante comissões de inquérito; a abolição da pena de morte nos crimes políticos; a consagração do princípio de que as colónias poderiam ter leis especiais decretadas pelo Governo ou pelos governadores em casos especiais quando não fosse possível recorrer às Cortes. Nasceu assim um regime parlamentar liberal, assente no rotativismo, em que coexistiam o Partido Regenerador, primeiro dirigido por Rodrigo da Fonseca Magalhães e depois por António Maria Fontes Pereira de Melo, principal artífice da política de melhoramentos materiais (fontismo), e o Partido Histórico, liderado primeiro pelo Duque de Loulé e depois por Anselmo José Braancamp, figura íntegra celebrizada pela grande competência administrativa e financeira. A rotação permitiu que tivesse lugar uma das fases mais fecundas da história constitucional portuguesa. Com mais ou menos vicissitudes, a alternância durou até 1891, tendo em 1875 nascido o novo Partido Progressista, dirigido por Braancamp, resultante da fusão entre o Partido Reformista do Bispo de Viseu e o Partido Histórico, de Anselmo José. Em 1885 seria aprovado um segundo Ato Adicional impulsionado por Fontes, envolvendo a redução da legislatura de 4 para 3 anos, a supressão do pariato hereditário, a restrição do poder moderador do rei, o qual passava a ser exercido sob responsabilidade dos ministros, sendo regulado e limitado o direito de dissolução parlamentar, além da consagração expressa dos direitos de petição e de reunião… Já na fase final da monarquia constitucional, sob o peso da crise financeira e das consequências da bancarrota (1892), veio a consagrar-se um derradeiro Ato Adicional (1895-96), pelo qual o rei passou a dispor do poder para dissolver a Camara dos deputados e para convocar eleições sem as restrições previstas em 1885. Os últimos anos do regime viriam, porém, a ser marcados por forte instabilidade, com o envolvimento do rei na política dos partidos, que culminaria no regicídio (1908).
DO ROMANTISMO AO NATURALISMO Este quadro constitucional permitiria, contudo, a existência de um longo período de respeito essencial pelas liberdades públicas, o que favoreceu o debate de ideias e a vitalidade da criação cultural. Camões tornou-se símbolo e referência dessa regeneração, que a República (de Pascoaes a Cortesão) designaria como renascença. É o tempo de Camilo Castelo Branco e Júlio Diniz, mas também da questão do Bom Senso e do Bom Gosto (1865), das Conferências Democráticas do Casino (1871), da Geração de Setenta, de Antero de Quental, de Eça de Queiroz, de Oliveira Martins, de Ramalho Ortigão e de Guerra Junqueiro ou de Cesário Verde. No entanto, apesar desta vitalidade, o crescimento muito rápido das economias europeias levou a que o desenvolvimento português tenha ficado muito aquém do que ocorreu no velho continente. Se é verdade que, na senda da primeira geração liberal, de Garrett e Herculano, houve uma geração de políticos e intelectuais a reivindicar a aproximação à Europa, sem prejuízo da salvaguarda das especificidades nacionais, o certo que entre meados e o fim do século XIX houve uma clara divergência no tocante ao produto per capita, chegando-se à primeira década do século XX com uma distância não alcançada anteriormente. O PNB per capita português que era de 86% da média dos países desenvolvidos em 1860, passa para 45% no início do século XX. Isto poderá parecer estranho, quando assistimos a uma política de melhoramentos, tantas vezes à custa da dívida pública. No entanto, o desfasamento em relação à Europa deveu-se ao facto de a sociedade industrial ter permitido um crescimento muito mais rápido dos países desenvolvidos, graças às economias de escala. Pesou o diferente potencial de crescimento entre os países industrializados e as economias mais pobres como a portuguesa, presa à ruralidade e ao atraso. Apesar das importantes mudanças estruturais operadas pela Regeneração, como nos casos dos transportes, da modernização das instituições, bem como do alargamento e aperfeiçoamento dos mercados dos fatores de produção, a verdade é que o potencial se viu reduzido, facto compreendido em muitas das reflexões e propostas dos melhores analistas nacionais. Alguns números merecem especial atenção. Se pensarmos nos citados melhoramentos, a rede rodoviária portuguesa era de apenas 476 quilómetros construídos, contra 11 754 em 1900, e a rede ferroviária tinha 69 quilómetros contra 2867 nas mesmas datas (segundo os estudos de Maria Fernanda Alegria). Olhando as Finanças Públicas, temos uma progressão moderada das receitas públicas depois de 1850, com um crescimento lento do produto interno, o que conduziria à crise financeira dos anos noventa. As despesas efetivas do Estado correspondiam a 4,3% do PIB na década de 1850 e a 5,6% na década de 1890. No entanto, segundo Maria Eugénia Mata apenas 38% das receitas da dívida pública foi aplicado em despesas de investimento reprodutivo, sendo o restante absorvido por gastos correntes – com forte penalização das novas gerações. Para Magda Pinheiro, o investimento em despesas reprodutivas foi mais lento do que o desejável. Nestes termos, a eficiência dos melhoramentos ficou muito aquém do que se pretendia, no sentido de criar recursos para amortizar o endividamento. Os encargos com a dívida pública passaram de 20,5% na década de 50, para 40,2 na década de 90. Veja-se, pois, que o modelo não se revelou sustentável. Se a Regeneração atraiu investidores para as obras públicas, outro tanto não aconteceu no fim do século, em face da ineficiência do modelo económico e da incapacidade reformista dos governos, incapazes de aproveitar condições excecionais de estabilidade institucional. Tudo se agravou em virtude da crise internacional do fim do século.
UM FIM DE SÉCULO ATRIBULADO Os anos 1890 foram de recessão económica: o PIB a preços correntes cresceu apenas 1,6% ao ano na década de 1889 a 1899, enquanto na década anterior tinha registado um crescimento de 3,3% ao ano. O certo é que os investimentos públicos, nomeadamente em infraestruturas viárias praticamente pararam na década de 90, pelos constrangimentos financeiros internacionais (bancarrota da Argentina e quebra da banca britânica – com abandono do padrão-ouro e suspensão do pagamento de parte da dívida externa, que culminaria no Convénio de 1902). Das crises que atingiram a economia portuguesa na segunda metade do século (1853-58; 1867-70; 1889-92) a última foi a que mais afetou as condições de vida dos cidadãos, desencadeando subida de impostos, aumento do desemprego, baixa de salários reais, redução do horário de trabalho e migrações internas (para o sul e para as cidades) e externas (para Espanha e Brasil). Jaime Reis interroga-se sobre o porquê da persistência do atraso português na segunda metade do século XIX, em especial no tocante à expansão do sistema educativo, sobretudo quando «estava definitivamente redistribuída a propriedade da Coroa e da Igreja, tinham sido abolidas as principais instituições do Antigo Regime e estavam efetivamente reconciliadas as grandes famílias políticas que se tinham guerreado com ardor durante as primeiras décadas de Oitocentos. Os motins ocasionais que ainda se registaram em reação a questões fiscais ou de propriedade, ou simplesmente, por manipulação de políticos desencantados e descontentes, estavam intensamente longe das convulsões populares de 1808-1809 ou da cruel violência das guerras civis dos anos 1830 e 1840». Surge, assim, a dúvida sobre a razão por que uma sociedade com relativa estabilidade não foi capaz de reorganizar a instrução pública e de combater o analfabetismo. E, perante o contraste com outras sociedades europeias com fortes conflitualidades, surge a hipótese explicativa de que «num quadro de maiores tensões, mais forte teria sido a vontade de educar» («O Atraso Económico Português 1850-1930», INCM, 1993). No entanto, aquilo que Miguel de Unamuno designou o «século de ouro português» permitiria lançar as bases das mudanças profundas que culminaram na democracia contemporânea. Como compreender, por exemplo, Fernando Pessoa ou Eduardo Lourenço sem essa extraordinária sementeira de ideias da segunda metade do século XIX?
"Tu, a quem não digo que, pela noite,/ me quedo deitado e choro,/ olha que o teu ser me adormece,/ como berço de embalar"... Caí neste poema do Rilke, posto em canção pelo Anton Webern, aos lieder do qualvim procurar letras dos poetas Tang chineses que ontem encontrara em música do Mahler. E logo no lied contínuo: Du machst mich allein... ... du nur, du wirst immer wieder geboren:/ was ich niemals dich anhielt, halt ich dich fest... "Só tu me crias... ... só tu incessantemente renasces:/ porque nunca te retive, depressa te abraço..." Está aí expresso o cativeiro livre do amor, que se prende à sua constante novidade (ou à constância do seu renascimento). E ocorre-me - a mim, que já tantas vezes te falei no amor como posse só possível enquanto dádiva e liberdade - aquela imagem do Genji a espreitar o passarinho que a menina largou e vê voar... Estes dois lieder constituem a Opus 8, no catálogo elaborado pelo próprio Webern, e, assim juntos, têm apenas a duração de dois minutos e vinte segundos, em que os oito instrumentos utilizados vão pontuando, por acordes, a melodia da voz. Caracterizando esse pontualismo weberniano, Pierre Boulez - que, como sabes, tem sido um dos arautos maiores da música de Webern - diz que este irá avante, quase até à asfixia, na exploração desse microcosmo para o qual o havia já atraído o seu temperamento. Mas, escutando-os repetidamente, deixando-me envolver, ocorre-me antes aplicar-lhes um passo do prefácio escrito por Arnold Schoenberg para a publicação, três anos mais tarde, das Seis Bagatelas para Quarteto de Cordas, do seu discípulo Webern.Diz muito: Tanto quanto a brevidade destas peças fala em favor delas, assim tanto é também necessário falar a favor dessa brevidade. Devemos considerar a sobriedade que expressão tão concisa tem de exigir. Cada olhar pode desenvolver-se em poema, cada suspiro em romance. Mas para abranger um romance inteiro num simples gesto, ou toda uma felicidade num único sopro, é necessária uma concentração que afaste qualquer exagero sentimental. Estas peças só serão entendidas por aqueles que acreditam em que só se pode exprimir por sons aquilo que só por sons pode ser expresso... Creio que Webern procurava o despojamento de efeitos e frases na música que compunha, tal como na vida buscava a solidão e o silêncio, até no modo como se recolhia ao espaço aberto e imenso dos altos montes. Os seus acordes pontuais são como ecos súbitos que apontam horizontes misteriosos e íntimos. O seu mestre Schoenberg, no prefácio às Seis Bagatelas, que acima cito, continuava assim o texto que interrompi: Elas resistirão à crítica tão pouco quanto essa mesma crença, aliás como qualquer outra crença. Se a fé pode transportar montanhas, a incredulidade pode impedi-las de existir. Contra tal impotência a fé é impotente. A partir daí, saberá o intérprete como interpretar essas peças? E sabem os ouvintes como acolhê-las? Não comungarão os intérpretes com os ouvintes possuidores da fé? Mas que acontecerá aos pagãos? O ferro e o fogo deixá-los-ão sossegados; só serão atingidos os que tiverem fé. Possa este silêncio ser ouvido por eles! Na realidade, Webern - que era musicólogo, profundo conhecedor da história , modos e técnicas da música europeia na sua tradição e nas suas diferentes fases - procurava uma linguagem nova, não por gosto de rompimento ou revolução, mas por desejo de encontrar um meio de comunicação mais simples e directo. Para mim - Princesa que me pensassentes sempre caprichoso contraditor - não foi fácil "entrar" na música de Webern, nem hoje me passa pela cabeça pô-la a tocar para criar ambiente... Ouvir Webern é, necessariamente, escutá-lo atentamente. É exclusivo. Isso tenho feito hoje, não posso transmitir-te sons por carta, mas partilharei contigo reflexões, advenientes dessa experiência, sobre a comunhão na espiritualidade, ou de como podemos sentirmo-nos religados (ou religiosos), quer com uns poemas chineses da dinastia Tang, quer com o cantochão gregoriano ou temas da vida cristã... Já te contei a experiência inesquecível que vivi nas orações pela paz que o Coro Gregoriano de Lisboa e um coro budista Shingon longamente cantaram em locais arrasados pelo grande terramoto de Kobe, em 2005, e em templos perdidos nos montes do Japão. O canto, rezando, pede silêncio. E, no silêncio, somos todos, mais do que iguais, muito próximos. Sempre me emociono muito, sinto uma íntima alegria, com essa visita da proximidade. Nada do que é humano nos pode ser estranho: descobrir o outro na nossa humanidade é uma festa que fazemos, como na alegria da descoberta de novas terras, ou de um passo adiante na ciência, mas maior ainda enquanto encontro de um qualquer filho pródigo de nós... O nosso acolhimento dos que nos pareciam seres estranhos, diferentes, alheios ou longínquos, é uma atitude essencialmente religiosa, um passo para Deus. Por isso me comovem os Romances sobre textos de poetas ingleses, canções compostas por Shostakovich, em 1943, em pleno estalinismo, com letras no inglês dos poemas originais; ou a sua opus 21, o ciclo inspirado por textos de poetas japoneses. Tal sentimento de comunhão universal parece-me bem expresso no poema A Flauta Misteriosa, de Li Tao Po - Die geheimnisvolle Flöte, na versão alemã de Hans Bethge, a cuja antologia de poesia chinesa Die chinesische Flöte, e a exemplo de Mahler, Webern foi buscar as letras de poetas Tang para ao seus lieder -- musicado em 1917 e incluído na opus 12:
Certa noite em que no ar pairavam
perfumes de árvores e flores
trouxe-me o vento o canto
de longínqua flauta...
Cortei um ramo de salgueiro
e a minha canção respondeu-lhe,
na quietude da noite perfumada...
E desde essa noite,
enquanto a terra vai dormindo,
vão os pássaros ouvindo
um qualquer canto
na sua própria língua...
Também sentes aqui, Princesa, a festa de Pentecostes? Escuto agora, na voz da soprano francesa Françoise Pollet, em tradução para alemão do Bethge, e música do austríaco Webern, mais dois poemas Tang, um de Wang Seng Yu, outro de Li Tao Po. O primeiro, criado na China do sec.VIII, podia bem ser uma medieva e portuguesa cantiga de amigo ou, ainda, estar no cancioneiro de Garcia de Resende; chora a solidão de uma mulher:
Queda-se a lua no negro céu azulado.
Apaguei a luz que tinha,
fiquei só com o coração pesado.
Choro e choro muito; lágrimas sentidas
amargas e quentes me queimam o rosto,
pois estás longe da minha saudade imensa...
Sinto a falta da tua presença
e tu não sentes o meu desgosto...
O segundo - não te rias de mim! - o segundo trouxe-me memórias dos meus tempo de recruta, no serviço militar que cumpri no Alentejo... Em noites frias de inverno, dormíamos ao relento, cansados também dos exercícios diários que até lá nos levavam. Podia ter então dito, como Li Tao Po, doze séculos antes:
Deitado em terra estranha,
um raio de pálido luar
me cobre a cama...
Soergo-me e penso
que já sobre mim brilha
a geada branca da manhã...
E só então acordo para a lua,
lua, lua que me aponta,
ao longe, o lar distante,
distante talvez, mas que conforta...
Dou-te a mão. Dêmo-nos as mãos e fiquemos juntos, abrigados sob o manto imenso da misericórdia. Haverá outra verdade ou destino possível?
A complexidade e o valor do contexto: Álvaro Siza e o Banco Pinto & Sotto Mayor (1971-74)
Álvaro Siza (1933) procura por uma ordem não universal mas uma ordem única que consiga responder à singularidade irrepetível de cada projecto.
Álvaro Siza passou a ser conhecido por um público mais alargado a partir do texto de Nuno Portas ‘Três obras de Álvaro Siza Vieira’, publicado na revista Arquitectura em 1962. Este estava integrado numa série de artigos acerca de novíssimas obras de arquitectos portugueses.
Os primeiros trabalhos de Siza foram duas casas em Matosinhos, datadas de 1954. As casas representavam a base de uma abordagem experimental de reflexão e aprofundamento, que não mais abandonou e que revelavam a não aceitação da facilidade em escolher um só caminho de resposta, isto porque o momento presente é único. (Alves Costa, 1997)
Siza Vieira traça, a partir de então, um caminho que apelida de difícil, por contrariar ortodoxias.
O seu método consiste em fixar uma linguagem a partir de outras, mas a escolha dessas referências não é feita nem ao acaso e nem a posteriori, é sim feita a partir das condições materiais e contextuais de um determinado problema. É um caminho complexo, porque cada edifício é único e irrepetível, apresentando elementos surpresa, criando um ideal para cada caso específico, pertencendo a um momento certo. Inicialmente foi influenciado pelas ideias de Le Corbusier.
‘Eu penso que a prodigiosa sistematização feita por Le Corbusier significa mais uma abertura a todas as conquistas dispersas de evolução lenta do que uma ruptura. E nesse sentido nada pode haver de mais fecundo.’
No início dos anos sessenta, os seus interesses estavam sobretudo relacionados com a redescoberta da tradição, dos materiais e da paisagem local. Trabalhou com Fernando Távora, que o acostumou aos princípios do movimento moderno, ao racionalismo e à importância de um método. A colaboração com Távora levou-o a Alvar Aalto, interessando-se sobretudo pela tensão entre as formas orgânicas e a geometria. Desta colaboração resultou o redobrado interesse pela contextualização e pela importância da leitura do lugar. Os seus trabalhos mais importantes desta década são a Casa de Chá da Boa Nova (1958-63) e as Piscinas de Leça da Palmeira (1961-66). É claramente visível que os dois projectos promovem um aturado diálogo com a paisagem, com a envolvente quer pelo uso dos materiais, quer pela delicada implantação, quer ainda pela escala adequada.
A parti daqui, Siza passará a articular com continuidade diversas influências e vocabulários associados à interpretação de uma realidade concreta, que existe para ser vivida – que ao ser complexa não se ajusta a soluções predeterminadas, a regras fixas. A possibilidade de interpretação dessa realidade permite uma abertura à exploração do imaginário, da variedade, do instinto e do acaso, cruzando saberes e referências de autores diversos. Contudo, estabelece-se um paradoxo, nesta forma de projectar porque apesar de haver abertura para a interpretação, a realidade apresenta-se sempre com condicionantes, por vezes muito rígidas. Na verdade, para Siza são essas limitações que permitem tornar o objecto arquitectónico único, singular e irrepetível. (Tostões, 1997)
A Agência Bancária do Banco Pinto & Sotto Mayor, em Oliveira de Azeméis situa-se num gaveto da área central da cidade. Os edifícios bancários, no final dos anos sessenta, ganharam protagonismo nas cidades de pequena e média dimensão. Com a emergência dos mercados capitais, os edifícios bancários representavam prosperidade e optimismo e por isso poucas restrições, financeiras ou conceptuais se impunham.
O edifício é de reduzida dimensão mas nele convergem todas as características do local. Tem três pisos comunicantes – o primeiro piso ocupa todo o perímetro da implantação, o segundo e o terceiro funcionam em mezzanine sobre o primeiro. A existência dos três níveis foi utilizada de modo a estabelecer uma relação mais dinâmica com o desenho da praça. O movimento dos planos, os diferentes volumes e alinhamentos, as distorções, a curva e as intersecções decorrem de medidas, pontos, alturas e ângulos existentes na envolvente e que são transpostos para aquele pequeno ponto da praça, onde tudo parece convergir. O edifício de Siza toma assim a forma do lugar – sem recorrer a um mimetismo, a volumetria do edifício define-se como que reflectindo nas linhas de cércea todos os edifícios da praça. É essa referenciação, ainda que virtual que faz o edifício pertencer ao local.
Os alinhamentos e a convergência de linhas, que caracterizam a envolvente, são como que transpostos para o interior da agência, criando uma sucessão de planos e curvas e de linhas no tecto, nas paredes, nas escadas, nos balcões, nas varandas. Os volumes puros, rebocados e pintados de branco, a utilização do pano de vidro, da caixilharia de ferro denunciam a escolha de uma linguagem modernista. Esta abordagem experimental mas contextual iniciou uma nova metodologia de projecto, baseada no jogo das grandes superfícies brancas, ora opacas, ora abertas em amplas janelas, com soluções de luz aproveitando os ângulos, e as linhas de fuga estão em diálogo permanente com a realidade envolvente.
Álvaro Siza utiliza um discurso cheio de contradições: as paredes brancas não são puras e estáticas mas dinâmicas (intersectam-se, ora são espessas ora são frágeis). A parede de vidro parece sustentar a parede portante curva exterior do edifício. A intersecção de todos os alinhamentos e direcções do local definem a ordem do edifício.
Paulo Varela Gomes em Arquitectura, Os Últimos Vinte e Cinco Anos, em ‘História da Arte Portuguesa’, 1997 estabelece uma estreita relação entre a linguagem utilizada neste edifício e o grupo dos New York Five, também conhecidos, pela crítica americana, pelos ‘Brancos’ de Nova Iorque, porque também eles dão importância ao retorno, assente numa exploração formalista referenciada à obra de alguns modernistas: Le Corbusier, Loos, Terragni, Rietveld. E estes retornos são objecto de elevada importância para a obra de Siza.
O Banco Pinto & Sotto Mayor representa, assim um momento de viragem na produção arquitectónica de Álvaro Siza e assinala a importância da fixação de uma linguagem, igualmente contextualizada, mas que parte do exterior, da forma e de alinhamentos da envolvente.
Vê tu que, depois de ter fechado a última carta para ti, e ter escutado, meditando, a 14ª do Shostakovich, me ocorreu o que acaba também por ser uma sinfonia em canções: Das Lied von der Erde, do Gustav Mahler. Composta, para seis poemas chineses traduzidos em alemão por Hans Behtge, em 1908-9, é contemporânea da 9ª e penúltima sinfonia daquele compositor, que aliás também medita na precaridade e transição da vida, e na aceitação conformada da morte. Esta lá está, bem presente, já antes Mahler dissera que as minhas obras são acontecimentos antecipados! E a Bruno Walter, em princípios de 1909: Passei, nestes últimos dezoito meses, por experiências tais que me custa falar delas. Como poderia eu descrever uma crise de tal dimensão? Vejo tudo a outra luz... Tenho, mais do que nunca, sede de vida... ...É extraordinário! De cada vez que ouço música, ou a dirijo, percebo as respostas mais nítidas a todas as minhas interrogações. Ou, melhor, percebo que elas não são interrogações... Sentia esvair-se-lhe a vida. Escuto a 9ª, em interpretação da Concertgebouw, dirigida pelo Leonard Bernstein, e lembrado do apontamento autógrafo do próprio compositor, à margem da partitura do 1º andamento da 9ª: Ó desvanecidos dias da mocidade! Ó amor espalhado! Para A Canção da Terra, não sei se recorra novamente a Bernstein que, neste registo com a Wiener Philarmoniker, escolheu para voz alternativa ao tenor (James King) o barítono Dietrich Fischer-Dieskau, ou a Otto Klemperer, com a New Philarmonia Orchestra, em que alterna, com o tenor Fritz Wunderlich, a meio-soprano Christa Ludwig. O mais provável será escutar ambas, e traduzir para ti as letras de que eu mais gostar, no sentido de me parecerem as que melhor te possam dizer o meu sentimento meditado por uma música que, enquanto tal, não é transmissível por carta. Quanto à 9ª sinfonia - e voltando ao tema destas cartas - recordo o que Alban Berg escrevia a sua mulher, em 1912: Voltei a percorrer a partitura da nona do Mahler: o primeiro andamento é o que Mahler fez de mais extraordinário. Vejo ali a expressão de um amor excepcional por esta terra, o desejo de nela viver em paz, de nela usufruir plenamente dos recursos da natureza - antes de ser surpreendido pela morte! Porque esta aproxima-se, irresistivelmente. Todo esse andamento está impregnado de sinais anunciadores da morte. Ela está omnipresente, ponto culminante de qualquer sonho terrestre... Sobretudo, claro está, naquele passo aterrador em que esse pressentimento se torna certeza: em plena alegria de viver, aliás quase dolorosa, a morte em pessoa se anuncia então, com força maior (mit höchster Gewalt)... Pensossinto que para qualquer autêntico artista - como para qualquer homem com um projecto na vida - é sempre breve a vida, escasso o tempo. Porque não só vão fazendo as coisas, mas sim descobrindo os seus caminhos na obra da Criação. Para além de um possível sentimento de se ser diferente e insubstituível, ou, mais simplesmente, dessa forma de egocentrismo que é o gosto da nossa permanência, há o apelo de uma vocação sentida, esse nec plus ultra que, na consciência dos homens de fé transcendente, como Bach, é ad majorem gloriam Dei. Assim, entre os grandes, maiores serão aqueles que, com serena humildade, aceitem o termo dos seus dias. Gustav Mahler foi-se preparando. É arguta a observação de Alban Berg, acima transcrita: a vida de Mahler foi o constante combate da condição humana com o anjo de Deus, procurou superiorizar a sua circunstância (Sou três vezes apátrida! Como nativo da Boémia, na Áustria; como austríaco, na Alemanha; como judeu, no mundo inteiro. Em toda a parte um intruso, em nenhuma desejado!) por essoutra vida sua que era a música, como compositor e intérprete (maestro). Assim falou da sua infância difícil, num lar marcado pela violência doméstica: Os meus pais eram como o fogo e a água. Ele não passava dum teimoso, ela era a própria doçura. E sem essa aliança, nem eu nem a minha 3ª sinfonia existiríamos. E vem-me sempre, quando nisso penso, um estranho sentimento. Dessa terceira que ele descrevia assim: pondo-lhe os títulos por ordem: I. Entra o Verão; II. O que me contam as flores do prado; III. O que me contam os animais da floresta; IV. O que me conta a Noite (o Homem); V. O que me contam os sinos da manhã (os Anjos); VI.O que me conta o Amor; VII. O que me conta a Criança... A tudo chamarei o meu "Saber Alegre" : porque é isso mesmo. E muito nos diz ele aqui. Mas também de outras mais alegrias profundas, enquanto intérprete, como neste passo de uma carta a Anton Bruckner, escrita em 1892, depois de ter dirigido, em Sexta Feira Santa, o Te Deum daquele compositor católico fervoroso: Tenho finalmente a alegria de poder escrever-lhe: executei uma obra sua. Ontem, dirigi o seu sublime e poderoso Te Deum... Vivi no fim o que para mim é o maior triunfo que uma obra possa conquistar: o público quedou-se sentado e imóvel, sem qualquer ruído, e só quando maestro e intérpretes começaram a sair explodiram os aplausos. Para melhor entendermos, Princesa, tu e eu, os poemas que adiante traduzo - e são os que abrem e fecham A Canção da Terra, por escolha atenta do próprio Mahler - leiamos juntos este passo de uma carta de Junho de 1879 a Joseph Steiner: Ímpeto vital ardentíssimo, desejo ardente da morte: estes dois sentimentos reinam alternadamente em mim, ao ponto de por vezes se sucederem só numa hora. Uma coisa é certa: isso não pode durar indefinidamente!... Ó Terra adorada, quando, sim, quando receberás tu no teu seio o Abandonado? Estás a ver? A Humanidade pô-lo de quarentena, e ele foge desse refúgio frio e insensível, foge para ti! Acolhe o Solitário, o Insaciado, ó Mãe Universal! A primeira canção, Das Trinklied vom Jammer der Erde , traduz um poema de Li Tao Po:
Aí cintila o vinho
no cálice de oiro...
Mas não o bebas já,
deixa-me cantar primeiro!
O canto da minha dor
soará ledo na tua alma.
Quando a mágoa chega,
secam os jardins da alma,
murcham e morrem risos e canções.
É sombria a vida, escura a morte.
Ó Senhor desta casa!
Tens a adega cheia de vinhos de oiro!
Chamo a mim esta guitarra!
Tocar guitarra e esvaziar copos,
eis o que nos sabe bem!
Um cálice cheio de vinho no momento certo
vale bem mais que todos os bens da terra!
Sombria é a vida, escura a morte.
O céu será azul para sempre
e a terra igual a dar flores na primavera.
Mas tu, homem, quanto tempo viverás?
Nem por cem anos gozarás
de todas as podres vaidades da terra!
Olha para ali! Ao luar, sobre as campas,
um vulto agachado, selvagem espectro.
É um macaco! Não lhe ouves o riso trocista
a rasgar o ar tão doce da vida?
Bebe agora o teu vinho!
É chegada a hora, amigo!
Bebe o cálice de oiro até ao fundo!
É sombria a vida, escura a morte.
Este poema é de Li Tao Po, poeta do séc. VIII, na dinastia Tang. A canção final (Der Abschied, o Adeus) tem letra de outros dois poetas taoistas chineses, Mong Kao Jen e Wang Wei, também coevos da dinastia Tang e versos finais do próprio Mahler. Aliás, este "mexeu" nas traduções alemãs de Die chinesische Flöte de Hans Bethge, para as pôr a seu jeito. E há, noutras línguas europeias, muitas outas versões desses poemas chinos. Uma vez mais, será ainda bastante livre a minha versão portuguesa, ainda que partindo dos textos fixados por Mahler. Assim, de Mong Kao Jen:
Mergulha o sol atrás dos montes,
e sobre os vales a noite desce
em sombras cheias de frescura.
Olha! Como barca de prata, devagarinho,
se eleva a lua no lago azul do céu.
Sinto um sopro de brisa leve
percorrendo os pinhais escuros!
Na sombra, canta melodioso ribeiro,
e empalidecem as flores ao lusco-fusco.
Respira a terra em silêncio e sono,
eis que todos os desejos querem sonhar.
Os homens, cansados, recolhem ao lar
para que o sono lhes devolva a felicidade perdida
e os faça voltar à mocidade!
Silentes se aconchegam os pássaros nos ramos,
vai adormecendo o mundo...
Sopra o frio na sombra dos pinhais.
E aqui estou, à espera do meu amigo,
para um adeus derradeiro.
Tenho saudades, amigo, de saborear a teu lado
a beleza desta noite.
Por onde andarás? Deixas-me tão só!
De guitarra na mão, vou e venho
por sendas de erva tenra.
Ó beleza! Ó mundo prenhe de vida e amor eternos!
De Wang Wei:
Apeou-se do cavalo e estendeu-lhe
a bebida do adeus e perguntou-lhe
para onde iria e porque seria assim.
Falou com voz velada:
Ó meu amigo, a mim não foi dada
a felicidade neste mundo!
Aonde for percorrerei montes
à procura de repouso para coração tão só.
Vou a caminho da pátria, da minha habitação.
Lá longe, não andarei perdido.
Sereno está meu coração e espera a sua hora!
Do próprio Mahler:
A terra amada toda se cobre de flores
e rebentos verdes, pela Primavera!
A luz pinta de azul todos os horizontes!
Eternamente... eternamente...
Mas antes desta canção de adeus, que é a sexta, e contrastando, a quinta, com versos de Li Tao Po, terminava em modo terrenal de titubeante, etilizado, esquecimento:
Que ouço ao acordar? Escuta!
Um pássaro canta em seu ramo.
Pergunto-lhe se chegou a Primavera,
parece-me um sonho.
O pássaro gorjeia: Sim! Está aí
a Primavera, chegou durante a noite!
Abro, maravilhado, os olhos:
o pássaro canta e ri!
Volto a encher o copo
e bebo-o todo e canto tanto
que até a lua brilha
no firmamento escuro!
E quando mais cantar não posso,
volto a dormir:
Que me importa a Primavera?
Mas dessa e doutras transfigurações falaremos em próxima carta. Estendo-te a mão com um cristalino cálice de vinho doirado. Dizem que é do Porto. Sirvo-me de outro, para mim, e contigo celebro a memória da condição humana, o amor da terra, pela graça da vida, o amor do céu, pela saudade de Deus! A cantar Das Lied von der Erde, composta na vanguardista Europa do sec.XX com inspiração reconhecida da China Tang do sec.VIII. É bonito!
COMEMORAÇÃO DOS 74 ANOS DE CARREIRA DE EUNICE MUÑOZ
Com a designação de “74 Eunices”, o Teatro Nacional de D. Maria II incluiu, no programa da temporada de 2015/2016, recentemente divulgado, uma homenagem a Eunice Muñoz. E efetivamente, a atriz estreou-se precisamente no Teatro Nacional, em 1941, na peça ”Vendaval” de Virginia Vitorino, integrada no elenco da Empresa Rey Colaço- Robles Monteiro.
São pois, efetivamente, 74 anos de carreira, constante e extremamente qualificada, em termos de criação e em termos de repertório, cumpridos com algumas interrupções mas apesar disso constantes, até pelo menos à temporada de 2012, quando, novamente no D. Maria II, sofreu um acidente em cena, durante um ensaio.
Esta vastíssima carreira é extremamente valorizada pelo talento, pelo profissionalismo e pela qualidade e isto não obstante as interrupções que Eunice se autoimpôs, num critério de exigência artística amplamente justificada pela qualidade das interpretações. Uma carreira longa e de alta qualidade.
Uma carreira também obviamente variada e heterogénea no que respeita aos géneros dramáticos e aos autores, mas com algumas linhas mestras de coerência que importa salientar. É bem certo que os atores tantas e tantas vezes representam o que lhes mandam representar: e que um profissional de teatro se sujeita a repertórios que os diretores das companhias e/ou os empresários determinam: são as contingências do profissionalismo.
Mas essas contingências, por sua vez, acabam por se subordinar ao prestigio dos atores : quando um ator atinge o mais alto nível, será difícil impor-lhe um personagem que não lhe interesse fazer. E seria difícil impor fosse o que fosse, a partir de certa fase da carreira, a uma atriz como Eunice – o que não significa, note-se bem, um menor grau de profissionalismo: também nesse aspeto, Eunice é exemplar.
E nas dezenas e dezenas de peças que Eunice Muñoz interpretou nos 74 anos de carreira, destaca-se um nível de qualidade sempre assinalável, com algum destaque para peças de autores portugueses e de autores contemporâneos.
Desde logo o iniciático “Vendaval” de Virginia Vitorino (1895-1967), que se abalançou a uma problemática política datada “em sete títulos hoje esquecidos” escrevi na “História do Teatro Português”, mas que, diz-nos agora Luis Francisco Rebello, o público da época “recebeu com entusiasmo, justificado pelo seu entrecho sentimental, habilmente doseados com laivos de crítica social” (“100 Anos de Teatro Português”), de quem aliás viria a interpretar, anos depois, a protagonista de “Os Pássaros de Asas Cortadas” no Teatro Nacional Popular – Teatro da Trindade de Francisco Ribeiro, de que já aqui falamos.
Eunice diplomou-se entretanto no Conservatório Nacional com uma alta classificação. E distribuiu uma carreira longa se bem que intermitente por praticamente todas as companhias relevantes do teatro português. Estreou peças de Ramada Curto, de Julio Dantas, Eduardo Shwalbach, Carlos Selvagem, Costa Ferreira, Bernardo Santareno, José Régio, mas também de Anouille, de Pirandello, Brecht, Tenessee Williams e clássicos - Shakespeare, Molière, Alexandre Dumas, Tchekov, e tantos outros autores. E ainda, nos nossos, Gil Vicente, Camões, Nicolau Luis, Garrett, Camilo.
E fez teatro declamado, drama e comédia, teatro musicado – e até, em “Passa por mim no Rossio”, espetáculo de Filipe La Féria que relançaria do Teatro Nacional, uma versão revisteira de expressões dramáticas diversas…
E no cinema, temos 13 filmes, a partir do iniciático “Camões” de Leitão de Barros (1946) até “Entre os Dedos” de Tiago Guedes e Frederico Serra, de 2008. E sobre o “Camões” diz, com toda a justiça Jorge Leitão Ramos, que “o seu estilo de representação se destaca da pesada e empolada retórica dominante”. (“Dicionário do Cinema Português - !895, 1961”).