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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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A proposta nº 5 de Eugénio dos Santos.

‘O rigor não é um limite à dinâmica do processo. O rigor deve estar estritamente ligado à real possibilidade de progresso, à maturidade e à capacidade de responder ao processo e sempre presente. O rigor não é um limite à imaginação.’, Álvaro Siza, 1976

A reconstrução de Lisboa, logo após o terramoto de 1755, foi atribuída ao engenheiro-mor do reino, Manuel da Maia. Manuel da Maia, assim realizou uma dissertação acerca das hipóteses de reconstrução para a cidade de Lisboa. Traçou três principais ordens de solução: reedificar a cidade tal como era, apenas com edifícios novos, de altura limitada a dois pisos sobre loja, e arruamentos alargados; arrasar a cidade velha, na sua parte central ou baixa e planificá-la com inteira e conveniente liberdade; e ainda abandonar a Lisboa antiga, deixando os proprietários antigos agir à sua vontade e edificar uma cidade completamente nova, para os lados de Belém. A decisão pela opção acertada para Lisboa pertencia ao Rei. A escolha contemplou o programa de reedificação integral da parte baixa da cidade antiga – Manuel da Maia pretendia uma planta nova com as ruas livremente desenhadas, prevendo para cada rua a mesma simetria de fachadas. Já se desenhava o conceito da Baixa regular, com soluções respeitantes ao sistema de esgotos e de escoamento das águas.

Seguindo estes desígnios foram definidas com mais desenvoltura seis planta, concebidas por engenheiros militares. A peça/planta fundamental deste processo de decisão foi a proposta n.º 5, elaborada por Eugênio dos Santos. A planta é constituída por uma malha de dinamização do conjunto. Afirmam-se dois pólos, finalmente alinhados e regulares – o Terreiro do Paço e o Rossio. Desenham-se três arruamentos principais que desembocam no Terreiro do Paço, relacionando-o com o Rossio. É a proposta n.º 5, de Eugênio dos Santos, a origem do processo de gestação da Baixa, como hoje se conhece. As directrizes fundamentais estavam assim traçadas.

A legislação considerava que cada proprietário recebesse uma área de terreno igual à perdida, mas geometricamente configurada, uma indemnização pelos espaços ocupados e pelos novos arruamentos, ficando o proprietário obrigado a construir no prazo de cinco anos após termo de responsabilidade. Os trabalhos relacionados com a concretização da proposta iniciaram-se a 1758. Sendo assim, definiram-se as ‘ruas principais’ (com sessenta palmos de largura) e as ‘ruas secundárias’ (com quarenta palmos de largura) – cada lado do arruamento apresentava passeios. O desenho das fachadas determinava, para as ruas principais, sacadas nos primeiros pisos e para as ruas secundárias janelas de peito. As ruas principais correm de norte para sul, ligando as duas praças.

A Praça do Comércio destinava-se aos comerciantes de capital autorizados a edificar uma bolsa, contudo pretendia igualmente afirmar-se como praça real, dentro da tradição europeia – ‘Real Praça do Comércio’. O conjunto, determinado por Eugênio dos Santos, é enobrecido pelos torreões/pavilhões terminais e pelo arco que marca a existência da Rua Augusta, a principal neste sistema igualitário.

O Rossio desenhava-se em metade da área da Praça do Comércio e continha o Palácio da Inquisição.

Os prédios de rendimento apresentavam-se em quatro pisos, determinando a existência de três tipologias A, B e C. Os diferentes tipos diferem nas frontarias, reflectindo a hierarquia existente no próprio plano. A homogeneidade prevalece, nem as igrejas se destacam de dentro deste conjunto, totalmente controlado.

As obras da Baixa – iniciadas pelo processo de legislação, em 1758-59, e comandadas pela Casa do Risco – manifestaram-se segundo um evoluir lento e moroso. Esta inércia contrastava com a evolução construtivamente rápida noutros pontos da cidade como: Cais do Sodré, S. Paulo, S. Francisco, Portas de Sta. Catarina, S. Bento, Estrela e Buenos Aires.

O traçado da Baixa traduz-se numa vontade do Estado em regular e controlar em absoluto a ordem social através de elementos urbanos. O iluminismo expressa-se assim, na proposta de Eugênio dos Santos, através de uma matriz eficaz na capacidade de oferecer a todos, equitativamente, espaço urbano.

 

Ana Ruepp