ATORES, ENCENADORES – XXXVI
“ENCERRAMENTO” DOS PERCURSORES DO EXPERIMENTALISMO
Temos recordado, nesta série de artigos, as primícias do chamado experimentalismo teatral, a partir do início do século XX. Há que ter presente, entretanto, a ambiguidade da expressão e a sua relatividade artística. Por um lado, como já vimos, as companhias ou agrupamentos de atores e encenadores que como tal se organizaram numa perspetiva de renovação e modernização, nem sempre atingem esses objetivos: e por outro lado, as que atingem, talvez por isso mesmo, muitas e muitas vezes são efémeras na sua atividade de espetáculo.
De tal forma que já referimos e qualificamos como exceção, os agrupamentos que se mantêm, há décadas, em atividade, sem perderem, em termos gerais, a legitimidade da denominação: no conjunto de dezenas de anos, grupos como o Teatro Experimental do Porto ou o Teatro Experimental de Cascais, com óbvias alternâncias, merecem até hoje a designação. Mas, insista-se, são exceções de que falaremos mais tarde.
Por agora, veremos rapidamente mais duas iniciativas experimentais de curta duração mas não menor qualidade, a julgar pelos nomes e pela crítica da época.
Em 1924, Araújo Pereira (1872-1938) e César Porto (1873-1944) lançam um chamado Teatro Juvénia, reunindo amadores e profissionais, numa tentativa de arejar a cena portuguesa. Os espetáculos seriam apresentados numa associação recreativa da época, simbolicamente denominada Academia de Instrução Popular. Pouco tempo durou, mas é interessante ver nela uma ligação entre a arte do espetáculo e as artes plásticas.
É que ambos os fundadores se integram na criação teatral através da formação, produção e didática de Belas Artes, com ligações ao teatro sobretudo através da cenografia. Ambos fizeram estudos em Paris. Araújo Pereira foi professor de cenografia no Conservatório Nacional e diretor do Teatro Nacional de D. Maria II. Cesar Porto estudou antropologia e desenvolveu uma produção poética e literária diversificada com estudos sobre psicologia. É autor de uma peça, “Tragédia Antiga” (1903) representada no Teatro Juvénia: mas nem por isso é hoje referenciável como dramaturgo. Ainda assim, Jacinto do Prado Coelho, em referências diversas no Dicionário de Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira sobre a obra global de César Porto, cita designadamente “Náufragos” assinalando um certo populismo que não estará ausente do conjunto da obra.
Ambos marcaram o seu tempo e a atividade teatral, mais Araújo Pereira do que Cesar Porto, pela concentração nas artes do espetáculo e pelas funções desempenhadas, designadamente no TMDM II.
Ora bem: no ano seguinte ao da fundação do Teatro Juvénia, portanto em 1925, vemos estrear em Lisboa uma nova iniciativa teatral, desta vez programaticamente mais articulada, mas que também não foi longe – e isto, não obstante a projeção que viria alcançar, na vida cultural e política, o seu fundador, António Ferro (1895-1961). Referimo-nos agora ao chamado Teatro Novo, que Ferro inaugurou no foyer do Tivoli, com um ambicioso programa de renovação, que não passou de dois espetáculos…
E no entanto, lidas hoje, as intenções do Teatro Novo ainda impressionam, no anúncio de um repertório de qualidade indiscutível, então moderno e nada habitual entre nós: Bernard Shaw, François de Curel, Carel Kapek, Paul Raynal, Jean Cocteau, Almada Negreiros, Alfredo Cortez, Carlos Selvagem e outros que hoje já não nos dizem muito, mas que, repita-se, à época, representavam um certo vanguardismo europeu. Nada disto se concretizou, mas a doutrina era clara: “o teatro virado do avesso” diz Ferro, aqui citado por Margarida Acciaiuoli (in “António Ferro – A Vertigem da Palavra”- 2013)
António Ferro vinha do Orpheu, como jovem editor dos dois números da revista. Em 1922, representou-se a sua peça “Mar Alto”, drama conjugal-familiar que, por ordem do Governo Civil de Lisboa foi retirada de cena por “imoral”, o que motivou um manifesto público de intelectuais e artistas de total transversalidade política. Nesse mesmo ano, assinala Luís Francisco Rebello, Ferro e José Pacheco divulgam o plano de construção no Parque Eduardo VII de um Teatro de Arte (in “O Teatro Simbolista e Modernista” -1979) que não se concretizou.
Mas três anos depois, como vimos, encontramos António Ferro a lançar o Teatro Novo. Rodeia-se então de nomes referenciais: além de José Pacheco, que vinha da iniciativa antes referida, temos Mario Eloy e Leitão de Barros. Levam à cena “Knock ou a Tragédia da Medicina” de Jules Romains e “A Cada um a Sua Verdade” de Pirandello.
E tal como referi na “História do Teatro Português”, em 1933 Pirandello visitaria Portugal pela mão de António Ferro para assistir ao Congresso Internacional de Critica Dramática e Musical tendo estreado a peça “Sogno (ou Forse No)”.
Ferro lança ainda, em 1936, uma iniciativa de descentralização, o Teatro do Povo, dirigida por Francisco Ribeiro – o Ribeirinho, “louvável propósito (…) anulado pela seleção limitativa do repertório”, diz Rebello (in “100 Anos de Teatro Português – 1984). E em 1940 a companhia de bailados Verde Gaio.
O Teatro Novo ficara para trás.
DUARTE IVO CRUZ