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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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HÉLIA CORREIA

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Sente-se um ardor límpido na poesia de Hélia Correia. Escuta-se a força de um alerta, de uma morte, de uma liberdade, de um amor que nunca poderá transformar-se sem a imagem positiva de si mesmo. E como é possível viver sem cantar permanentemente a Grécia, a Grécia que viu aparecer a livre palavra? Neste livro extraordinário que acabei de ler, reside a clara possibilidade de fecundar uma vontade que guerreie a precariedade da excelência. A sequência de poemas contida neste livro “A TERCEIRA MISÉRIA”, surge como uma plataforma ou guia para a acção, num caminho de pensamento que conhece o frio da gente que dorme sem norte.

E de que armas deitaremos mão para resgatar as ilhas e seus deuses e seus nortes? Hélia, bem sabes que aquelas que procuramos estão dentro do corpo: o pensamento. Tu, na ideia de polis resgatada, gritas à miséria de quem não ouve ou pergunta, ou, não fosse tudo consequência da indigência, térmita incansável que projecta arrepios de pavor. E para que servem os poetas se não podem nem delirar, se os textos do delírio são tomados pelo seu contrário? Hélia, que os poetas se sirvam da ardência do luto para não deixarem o mundo num sossego pasmo e definitivo. Que não permitam que se enlouqueça do nada a fazer. Os poetas não se podem despedir, os poetas são a referência última e instância primeira do que não morre. Nenhum deles é país neutro, e todos rezam à vitoriosa Atena que se inclina para atar os fios da sandália, como bem expressas, e assim perdura, ou não soubesse que estas tuas palavras ditas, são o chão de um povo que se demora a ser povo porque suporta o pior das queimaduras: na pele da alma o Pártenon incendiado. Contudo, numa dignidade secreta do seu próprio ser – quero crer –, vai ler-te esse povo, e possa ele sentir uma ajuda para se reunir à substância da vida, e, assim beber o leite das manhãs de Atenas. E virão os jovens da Europa da linhagem de espírito, suster as lágrimas dos deuses. E os úteros não voltarão a ser de barro, e o sangue florescerá limpo, e as camisas-de-noite serão borboletas na escuridão da porta que hão-de abrir, e não se viverá por analogia. Há quase muitos anos que escuto demasiado silêncio. As árvores não se recompõem, estão nuas. Amigos, a roupa cor da chuva que usamos também respira como este poema da Hélia Correia


   E pode

   No entanto escutar-se, no entanto

   Reler-se, no entanto caminhar

   Em direcção diversa, magoar

   Novamente os joelhos na jornada?

   Com os velozes mensageiros de hoje,

   Os que, como Íris e Hermes, esvoaçam

   Pelo éter, não há-de reunir-se

   Um exército novo, uma razão

   Em forma de cenário, aquela estranha

   Ardência do improvável

 

Ó Poeta!, a ave-manhã, aquela em nós, embora sendo mais velho o fulgor do mundo, sempre o fará surpreender-nos numa noção de casa.

Enfim, tudo o que hoje sou capaz de sonhar e compreender, eis.

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Setembro 2015