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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ATORES, ENCENADORES - XLI

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O TEATRÓLOGO BOCAGE, DO PRÉ-ROMANTISMO AO PÓS-EXPRESSINISMO

Assinalaram-se ontem (15 de Setembro) os exatos 250 anos do nascimento de Bocage: e no próximo dia 21 de Dezembro deste mesmo ano de 2015, poderemos e deveremos evocar os exatos 210 anos da sua morte, prematura mesmo na época, mas sobretudo sofrida, fisicamente e psicologicamente. Vida curta, agitada e infeliz, num contexto epocal difícil, mas sobretudo, num desfasamento, digamos assim, entre o talento e a potencialidade mental e sobretudo criacional do escritor, o seu extraordinário talento, e a sucessão de episódios dramáticos que o marcaram – e não interessa hoje ponderar os graus de responsabilidade própria ou alheia atribuíveis.

Se no ponto de vista digamos profissional – mesmo na ambiguidade que na época, a expressão envolvia no que toca ao teatro – Bocage não foi propriamente ator ou encenador, as ligações ao teatro são conhecidas, como dramaturgo sem dúvida – mas também como agente de uma representação cénica que marca toda a sua vida e toda a sua obra: pois não é eminentemente “teatral” por exemplo a descrição que dele faz no célebre soneto:

”Magro, olhos azuis, carão moreno,/Bem servido de pés, meão de altura/triste da facha/ o mesmo de figura”… ou o terminal e profundamente neurasténico “Já Bocage não sou!”… `cova escura/ meu estro vai parar desfeito em vento…/Eu aos céus ultrajei!/ (…) Oh! Se me creste, gente impia/Rasga meus versos, crê na eternidade!”

A vida de Bocage representa, em si mesma, como que uma antecipação ambígua da sua época histórica e literária. E isto porque, mantendo-se formalmente fiel aos ritmos do tempo, designadamente como membro da chamada Nova Arcádia, a sua obra poética anuncia já, e de que maneira, um teor romântico que se antecipou ao próprio romantismo “oficial”, digamos assim: “foi um dos poetas do seu tempo que mais contribuiu para a formação do gosto romântico, que em breve teria em Garrett e Herculano a sua expressão vitoriosa” escreveu Hernani Cidade (in “Bocage a Obra e o Homem” -1966). E Fidelino de Figueiredo relaciona a sua estadia em Goa e as evocações decorrentes com a criação camoniana, considerando Bocage como nada menos do que “outro grande poeta, devoto camonianista, que em muitos sonetos sobre as suas peregrinações pela Ásia expressou a mesma fobia da pequena cosmópolis goiana” (in “História Literária de Portugal” – 1944).

Em qualquer caso seria um erro situar a vida e obra de Bocage, exclusivamente na perspetiva de uma predefinição romântica. Tenha-se presente, insista-se, a sua ligação á Nova Arcádia com a designação árcade de Elmano Sadino e mesmo a sua colaboração nos “outeiros”, festas literárias conventuais que duraram até meados do seculo XIX.

Os autores da Nova Arcádia, fundada por Caldas Barbosa, fazem uma ligação ao teatro pré-romântico: Mas precisamente aí, o teatro de Bocage não acompanha os sinais, ténues que sejam, da renovação dramatúrgica de alguns companheiros “neo-Árcades”.

E no entanto, há que reconhecer, o teatro de Bocage, ficam aquém da sua portentosa poesia. Escreveu “elogios dramáticos” e “dramas alegóricos”, usando uma terminologia cara na época: “Força do Fado”, “O Novo Século”, ”A Virtude Laureada” ou o “drama histórico Afonso Henriques ou a Conquista de Lisboa”, onde utiliza uma linguagem já na época desfasada da cena. Por exemplo:

“Enviado de Osmin chegou ao campo/ Almançor entre nós bem conhecido/ Pelo audaz coração e fero orgulho:/ A audiência que pede o Rei lhe outorga/ E ao régio pavilhão convoca os chefes: Por ti, Senhor e por Arnaldo espera”…

Traduziu ainda ou adaptou algumas peças de autores franceses (“Eufémia ou o Triunfo da Religião” de Arnaud, “Erícia ou a Vestal” de Auchet) ou “Atília Régulo de Matastásio. E Fidelino de Figueiredo refere ainda traduções de Delille e Castel, salientando que “a perfeição superior da arte de versejar, (que) foi a glória dos árcades, mas da qual cabe o cetro a Bocage” (ob. cit.).

Sobre Bocage escreveu designadamente Artur Anselmo: “Toda a sua vida decorreu em conflito entre dois momentos distintos: um momento passado traduzindo a adesão a uma escola ou a uma ideia, e um momento presente afirmando essa escola ou ideia “ (in verbete na Enciclopédia Verbo vol. 3). E assim é, nesta simbiose dramática, em sentido figurado e em sentido literal que foi, é, a vida a e a obra de Bocage.

Ora bem: em 1967, Luzia Maria Martins, escreve e dirige no Teatro Estúdio de Lisboa uma peça denominada precisamente “Bocage, Alma sem Mundo”. Trata-se de uma dramatização épico-narrativa da vida e época de Bocage, num conjunto de mais de 30 personagens que vão desde o protagonista obviamente, à corte que o rodeia e despreza, aos militares envolvidos na política, a comerciantes e vagabundos, nobre e plebeus… tudo ligado pela intervenção de um narrador e de um coro de três palhaços. (cfr. Luís Francisco Rebello in “100 Anos de Teatro Português” – 1984)

E é de assinala outro “Bocage” quase contemporâneo, (1965) de Romeu Correia, onde destaquei “uma dimensão para-épica que não chega a ser a ser brechteana mas valoriza muito a componente narrativa com o seu envolvimento temporal” (cfr. Duarte Ivo Cruz in “História do Teatro Português” – 2001).João Gaspar Simões aliás considera este “Bocage” “Admiravelmente grã-guinholesco” (in “Crítica VI – Teatro “ – 1965).

Finalmente: há anos, a tradição de ditos populares de Bocage mantinha-se viva. Por exemplo, uma história de interrogatório na polícia da época. Assim:
(Policia empunhando uma pistola) – “Quem és?; Donde vens? Para onde vais?” (Bocage) - Chamo-me Bocage, venho do Café Nicola, e vou para o outro mundo se disparares a pistola!”


DUARTE IVO CRUZ