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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ATORES, ENCENADORES – XLII

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AGUSTINA BESSA-LUÍS E O TEATRO DE REVISTA

Como sabemos, as ligações de Agustina Bessa-Luís ao teatro são vastas e sólidas - e no que se refere à sua própria criação, extremamente qualificadas, numa aplicação do seu enorme talento literária às artes de espetáculo. Lembremos a qualidade e heterogeneidade temática e mesmo estética da sua dramaturgia, desde a estreia em 1958 com “O Inseparável ou o Amigo em Testamento” (1958), a que se seguiu uma obra teatral variada mas, insiste-se, sempre qualificada - “A Etrusca” (1961), “A Bela Portuguesa” (1986), “Estados Eróticos Imediatos de Soren Kierkgaard” (1992), “As Fúrias” (1994) ou “Garrett - O Ermita do Teatro” (1998): e estas duas últimas sublinham uma abordagem filosófica, aliás sempre presente na vasta obra da autora.

“O Inseparável” só foi estreado em 1969. Na altura, escrevi que a peça “não é uma obra fácil nem para o público, nem para os intérpretes, muito menos para o encenador“ - Augusto de Figueiredo, que aliás elogiei, bem como aos intérpretes Hermínia Tojal, Graça Vitória, Fernanda Figueiredo, Andrade e Silva, Carlos Duarte, António Machado (in EN - 4 de Agosto 1969). Eugénia Vasques, por seu lado, refere a expressão “existencialista (de) teatro marcadamente narrativo” desta primeira peça de Agustina (in “Mulheres que Escreveram Teatro no Século XX em Portugal” – 2001).

Podemos acrescentar ainda, no que toca às artes do espetáculo, os filmes ou textos televisivos com a colaboração direta ou decorrentes de adaptações de Agustina, designadamente os de Manoel de Oliveira (e também de João Botelho) com destaque, pela hibridez, entre espetáculos, para o guião e os diálogos do “Party - Garden Party nos Açores” (1996). Mostra tudo isto, insista-se, um sentido de espetáculo da criação agustiniana, que encontramos a cada passo nos próprios romances, com as caracterizações de personagens, as dialogações, a “encenação” global subjacente… E os exemplos seriam infindáveis.

Assim, no romance “Prazer e Glória” (1988) Agustina tece uma teoria geral do texto dramático relativamente à arte de representar: “por um sistema de acústica e ampliação de som que transmite todas as modulações da voz, o ator poderá exprimir o seu desempenho, sem ter de o transformar em caricatura. Era nisso que pensavam os gregos, ao construir os fossos teatrais, cujo registo de som resultava perfeito, e um murmúrio podia ser ouvido no último degrau” (capitulo VIII).  

Mas hoje, o que aqui trago é a evocação de Agustina como diretora do Teatro Nacional de D. Maria II, de 1990 a 1993, e designadamente, como veremos adiante, de “Passa por Mim no Rossio - Antologia de Revista à Portuguesa” com texto e encenação de Filipe La Féria, que esteve em cena no D. Maria durante longos meses. E bem se justificou esse excecional sucesso, como veremos adiante.

Antes, assinale-se que o repertório do TNDMII no quadro diretivo e na responsabilidade cultural de Agustina marcou sobretudo uma atualização dramatúrgica de grande qualidade, designadamente de autores contemporâneos pouco ou nada (na época – e ainda hoje?) conhecidos em Portugal. Recordamos peças como “Retrato do Artista Quando Velho” de Tomas Bernard Minetti; “Mete-se um Pau na Boca” de Enzo Forman: o “Dueto a Solo” de Tom Krupenski; a “Zerlina” de Ermman Broch: e noutro plano estético e epocal “O Leque de Lady Windermere” de Oscar Wilde. Estamos a falar das peças encenadas pela companhia do TNDMII no período da direção de Agustina: e podemos assinalar também, um importante programa de intercâmbio com outras companhias e espetáculos nacionais e estrangeiros.

Com isto, entramos na evocação de um espetáculo algo insólito mas de repercussão excecional, e que foi precisamente a já aludida revista “Passa por Mim no Rossio” de Filipe La Féria no TNDMII (1991-1992). Note-se entretanto que não foi esta a única revista encenda no Teatro Nacional: a própria Companhia Rey-Colaço Robles Monteiro, concessionaria durante perto de 40 anos, produziu uma dezena de vaudevilles e revistas entre 1931 e o início da década de 60. E neles encontramos, como autores/atores, nomes referenciais do teatro português do século XX: por exemplo João Villaret, Maria Lalande, Adelina e Aura Abranches, Álvaro Benamor, Amélia e Robles eles próprios, Pedro Lemos, Paiva Raposo, Erico Braga, Helena Félix… em suma, o melhor que houve, durante décadas, nos atores e encenadores portugueses.

Mas o mérito do texto de Filipe La Féria decorre também da evocação de sucessivas revistas que, desde a primeira, em 1856 (“Fossilismo e Progresso” de Manoel Roussado) marcaram o teatro e a cultura portuguesa. Dentro de uma linha própria do género, de referência direta ou indireta à realidade contemporânea, o texto de La Féria retoma quadros, cenas, diálogos, personagens de 40 revistas que cobrem um século e meio de teatro e de crítica mordaz à sociedade portuguesa - e isto, sem perder atualidade.

Mérito de La Féria, como autor do texto, mas mérito também de Agustina Bessa-Luís, a qual, no programa, “justifica” esta incursão revisteira no teatro oficial: “A revista é ainda um meio de sacudir os espíritos calados e de ilumina-los de riso. Os portugueses vão ao teatro para provarem que têm razão. Porque a razão é coisa tão fantástica que só o teatro a consagra e a ama”…

Foi realmente um grande espetáculo. E vale a pena recordar nomes do teatro declamado que integraram, com qualidade inesquecível, este elenco de revista: citamos Eunice Muñoz, Catarina Avelar, Irene Isidro, João Perry, Varela Silva, Ruy de Carvalho, Curado Ribeiro, Lurdes Norberto, Henriqueta Maia, e outros mais. (cfr. “Passa por Mim no Rossio” - programa do espetáculo e texto da revista – 1991-1992)

DUARTE IVO CRUZ