A FORÇA DO ATO CRIADOR
Ben Nicholson e os relevos brancos.
‘I think for a painting to be alive one must feel that one cannot touch it. It is thought not paint.’, Ben Nicholson, 1959
Ben Nicholson (1894-1982) é um dos artistas mais importantes do movimento moderno britânico. A sua obra oscila entre a figuração de linhas leves, finas e cores luminosas (paisagem, naturezas-mortas, figura humana que muito deve ao cubismo de Picasso e Braque, mas também às formas esculturais livres de Jean Arp, ao mobiles de Calder e à pintura liberta de Miró) e a abstração geométrica (com campos de cor bem definidos por linhas ortogonais que trás a influência de Mondrian, mas também da arquitetura moderna emergente na primeira e segunda década do séc. XX).
‘The thing I remembered the most was the feeling of light in his room and the pauses and silences during and after he had been talking.’, (Nicholson após visitar pela primeira vez o atelier de Mondrian, em 1934)
As artistas Winifred Roberts e Barbara Hepworth, com quem esteve casado, em muito igualmente contribuíram para o desenvolvimento da obra de Nicholson. De Winifred trouxe a eleição de temas mais domésticos (paisagens e naturezas-mortas), as cores luminosas, os valores do movimento Arts and Crafts de William Morris – que promovem a verdade em relação à natureza e a simplicidade na arte e na vida – e o elevado interesse na espiritualidade subjacente na matéria (sobretudo através dos ensinamentos da Ciência Cristã). Hepworth intensificou e incentivou o interesse de Nicholson em situar a sua obra na vanguarda europeia – abstratizando a sua linguagem, mas mantendo-se sempre fiel à verdade dos materiais e à verdade dos temas (porque os seus trabalhos, mesmo os mais geométricos não são meras composições mecânicas de forma e cor).
Ora, Ben Nicholson começou a desenvolver os relevos brancos no início dos anos trinta. Acabava de conhecer Barbara Hepworth e mudava-se agora para Hampstead (uma nova comunidade artística aí estava a formar-se). Continuava, em paralelo, a pintar as naturezas mortas de génese cubista. A proximidade com o trabalho de escultores (Hepworth e Moore) em muito contribuiu para a mudança de rumo do seu trabalho. O compromisso de esculpir diretamente no material e o acesso aos instrumentos de trabalho de Hepworth, foram dois fatores muito importante para o desenvolvimento do trabalho Nicholson.
O primeiro relevo surgiu por acaso: ‘ The first relief came about by accident, when incising a piece of board with some kind of plaster preparation a piece came out where two lines crossed, I then developed this lower level further – I suppose the point is that I was ready for this accident at that moment.’ (Nicholson, 1968)
Os primeiros relevos de Nicholson, tal como as esculturas de Hepworth, têm uma qualidade manual e real deliberada. Os primeiros círculos, que surgem, são desenhados à mão levantada com textura e cor (com preferência para ocres, castanhos e cinzentos). Nicholson explica que o uso do círculo teve origem num prato colocado em cima de uma mesa e não numa ideia de infinito – um dos seus maiores relevos foi feito sobre o tampo de uma mesa, (1935, White Relief). De início, Nicholson aplicava diversas camadas de tinta, friccionando vigorosamente, com lâminas, a tinta de cada camada – ‘The aim is to produce colour which runs right through the material and comes out the other side’.
Virginia Button em ‘Ben Nicholson’ (2007) afirma que foi intencional Nicholson escavar o plano da superfície pintada e criar profundidade espacial, pois só assim conseguiu acentuar o interesse pelas representações cubistas do espaço. E Button acrescenta ‘Ben also loved drawing. With the reliefs he was using line not simply to represent spatial planes, but to create them.’
Foi por volta de 1934, que Nicholson começou a pintar os seus relevos de branco puro (alisando e aplanando a superfície) e começou também a usar a régua e compasso, possivelmente influenciado por Mondrian – o contacto com o trabalho de Mondrian trouxe o interesse pelo rigor, pela precisão, pelas proporções, pela regra de ouro e pela aplicação de ideais universais. E também por volta desta altura, a arquitetura de volumes brancos chegava a Inglaterra através de Wells Coats e Colin Lucas. De facto Ben já admirava os imaculados edifícios de betão de Le Corbusier e provavelmente lera o ensaio de Theo van Doesburg ‘Vers la Peinture Blanche’, de 1930, que afirmava o branco como a cor espiritual dos tempos modernos.
Para Herbert Read os relevos representavam espaço, exactidão e luz e apresentavam-se como sendo a pintura mais adequada à nova arquitectura (pela sensibilidade moderna que os caracterizava). Porém, Nicholson sempre colocou os relevos em molduras cinzentas – deliberadamente não são objectos para se diluírem na arquitetura branca, mas sim objectos para se afirmarem independentes e de sentido próprio.
‘As I see it, painting and religious experience are the same thing, and what we are all searching for is the understanding and realisation of infinity – an idea which is complete, with no beginning, no end, and therefore giving to all things for all time.’, Nicholson, 1934
Os relevos brancos anseiam, acima de tudo, revelar uma profundidade imersa na matéria. Ben Nicholson sempre se interessou pela arte primitiva – preocupado com o lado artesanal e natural da matéria, acreditava genuinamente que, para ser vital, a arte contemporânea necessitava de profundas raízes na cultura autóctone. Ben desejava, com os relevos, produzir a própria realidade através de uma escavação intuitiva (e não intelectual), opondo-se à ideia de revelar simplesmente uma forma significante de algo visto e de algo que já existe. Nicholson persegue assim o desejo de expressar uma verdade espiritual através de uma linguagem universal, utilizando métodos artesanais (os relevos são incrivelmente texturados, cinzelados, cheios de marcas e de imperfeições).
Para Nicholson o sentido de modernidade deveria expressar-se através de valores relacionados com a vida e com o espaço doméstico mais privado, com autenticidade e com simplicidade. E por isso as abstracções de Ben Nicholson, e por conseguinte os seus relevos brancos não são manifestações intelectuais, nem invenções místicas, mas sim imagens concretas de uma verdade espiritual que é perseguida no mundo real vivido.
Ana Ruepp