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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Hayden White e The Fictions of the Factual Representation (1978).

 

Qual a verdade da história? No séc. XIX, tornou-se imperativo evitar qualquer discurso de interpretação dos factos históricos. Atentava-se dotar a história de um método científico que eliminasse qualquer tipo de preconceito, utopia e sentimento. Os historiadores acreditavam que diferentes interpretações acerca dos mesmos factos eram reflexo de distorções ideológicas ou de dados factuais errados. Os historiadores acreditavam que só fugindo à ideologia se podia permanecer fiel aos factos – ‘They did not realize that the facts do not speak for themselves, but that speaks for them, speaks on their behalf, and fashions the fragments of the past into a whole whose integrity is – in its representation – a purely discursive one.’ (Hayden White, ‘The Fictions of the Factual Representation’ em ‘Tropics of Discourse’, 1978)

Segundo Hayden White (1928), o historiador introduzirá sempre, na apreensão e descrição de um conhecimento, um elemento pessoal – a subjectividade. A forma da realidade descrita pelo historiador passa pela sua perspectiva existencial, com a sua orientação, as suas aptidões, os seus limites, as suas escolhas (há aspectos do passado que o historiador não compreende, por ser ele e não outro). A história é apreensão interpretada, por um sujeito cognoscitivo, de um objecto real. A visão do historiador é sempre marcada por um esforço de explicação e por um esforço de compreensão. O historiador deseja uma imagem verbal e verdadeira acerca da realidade – a linguagem é um instrumento de mediação entre a consciência do Homem e o mundo e que implicitamente regula certos modos de representação em detrimento de outros. A realidade entendida pelo historiador, apesar de ser fragmentada, tem de ser coerente nos seus factos e na sua estrutura. Os historiadores pretendem encontrar a forma da realidade que lhes servirá de objecto de representação – ‘they will write when ‘all the facts are known’ and they have finally ‘got the story straight’…and to avoid both conceptual over-determination and imaginative excess’. (White)

A história é verdadeira para todos aqueles que querem a sua verdade e que constroem os factos da mesma maneira. A verdade não é um facto puro, porque inclui a interpretação feita à luz de um tempo presente – ‘all original descriptions of any field of phenomena are already interpretations’ (White). O discurso da história está localizado num tempo, num homem específico e circunstancial. Nenhuma leitura sobre o passado é neutra pela linguagem utilizada, pelo contexto do seu autor. Existem diversos modos de construir a história – diferentes maneiras de dispor a ordem dos factos, que ocorrem num tempo e num espaço específico de acordo com diferentes significados (moral, cognitivo ou estético). Cada historiador aplica diferentes modalidades de representação e de explicação da narrativa – interpretando o significado dos factos. Cada modo de linguagem e explanação tem afinidades com posições ideológicas específicas – anarquista, radical, liberal ou conservadora. O historiador pode manipular os factos reais do passado de acordo com as suas convicções do presente e permitir diferentes maneiras de ver esses factos. O historiador só tem acesso a determinados aspectos da verdade (mas é preciso reparar que trabalha com verdades válidas que, retiradas por meio de técnicas e processos, pertencem autenticamente a um objecto) e representa uma maneira específica de os apreender. Não existem dois historiadores que em presença do mesmo objecto construam os factos da mesma maneira e elaborem o mesmo conhecimento, porque o número de questões a levantar a um determinado conhecimento do passado é infinito. E por isso, é a riqueza do olhar humano que acrescenta valor aos factos e que traz profundidade à história.

Ana Ruepp