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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

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De 30 de novembro a 6 de dezembro de 2015

 

«Património de Origem Portuguesa no Mundo – Arquitetura e Urbanismo» sob a direção de José Mattoso (3 volumes, Gulbenkian, 2010, Índices, 2011) é uma obra fundamental que deu origem ao «H.P.I.P. - Heritage of Portuguese Influence Portal – Património de Influência Portuguesa» e que constitui um instrumento precioso para o conhecimento de uma cultura repartida pelo mundo. Hoje recordamos a obra a propósito da última etapa da viagem do CNC à Malásia e Tailândia.

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MEMÓRIA TAILANDESA

Volto à peregrinação do Centro Nacional de Cultura em Sirião e Sião. O antiquíssimo reino da Tailândia é um dos marcos mais interessantes das relações de Portugal com o Oriente. Depois da conquista de Malaca, em 1511, Afonso de Albuquerque cedo estabeleceu relações com o mítico reino, através de Duarte Fernandes, considerando as potencialidades dos povos gentios. Daí ter enviado, pela relevância estratégica do território, um Embaixador a Aiútia, investido de poder e representação, António Miranda de Azevedo foi recebido pelo próprio rei de Sião, que lhe mostrou um magnífico elefante branco e o presenteou com uma inusitada coleção de sinos. Em 1544, já havia comércio com portugueses vindos de Goa, de Malaca e da Malásia, e diz a tradição que o rei se teria feito batizar cristãmente… Sabemos ainda, segundo Martim Afonso de Melo e Castro, que havia em 1565 dois mil portugueses a viverem no Oriente, na China, Pegu, Bengala, Orissa e Sião. Um século depois, encontramos uma comunidade portuguesa estabilizada no bairro português, o «bandel» (Bang Portuguet) de Aiútia com cerca de duas mil almas, que desenvolveu um fecundo processo de miscigenação com siameses, chineses, peguanos e japoneses. A concessão régia do bairro (c. 1540) foi preito de gratidão pela ajuda de mercenários portugueses nas guerras contra a Birmânia. A presença religiosa católica iniciou-se com a chegada de dois frades dominicanos, Frei Jerónimo da Cruz e Frei Sebastião do Canto, seguindo-se em 1584 os franciscanos e em 1606 os jesuítas. A comunidade cedo encetou um processo de miscigenação com siameses, chineses, peguanos e japoneses. Os luso-descendentes exercem funções de intérpretes e de funcionários administrativos ao serviço do Rei de Sião. Portugueses e japoneses em Aiútia eram tão próximos que D. Maria Guiomar, uma luso-japonesa teve grande influência, ao casar-se com o grego Cristóvão Falcão, que foi Primeiro-Ministro do Reino.

A IMPORTÂNCIA DE MACAU
Quando as relações entre Portugal e o Japão entraram em decadência, houve tentativas infrutíferas dos mercadores portugueses para recuperarem uma presença seriamente comprometida, através da mediação e de um entendimento com Sião. No entanto, através de Macau houve passos decisivos para a sustentabilidade da comunidade luso-siamesa, o que permitiu que os mercadores portugueses mantivessem influência económica e política significativa em Sião. As comunidades lusodescendentes mantiveram-se graças à coesão religiosa e ao comércio interasiático que teve como centro de gravidade a presença das comunidades de luso-descendentes, desde Malaca às costas da China, tendo o Reino de Sião tido um papel mediador importante. No final do século XX, houve importantes pesquisas arqueológicas, apoiadas pela Fundação Calouste Gulbenkian, sobre os vestígios da igreja de S. Domingos (representada no mapa do missionário francês Courtalin) de estilo europeu, com tijolos e argamassa de cal, possuindo três naves. A entrada principal, orientada para leste, abria-se em direção ao átrio, enquanto as entradas laterais possuíam escadas flanqueadas por balaustradas, de cada lado. Nas traseiras havia um claustro, onde estavam os aposentos dos missionários, a cozinha e o refeitório.

DE FEITORIA A EMBAIXADA
A atual Banguecoque nasceu sob a influência de Aiútia, reunindo duas cidades que foram crescendo em importância – Thonburi e Rattanakosin. Para os portugueses, o Bairro e a Igreja do Rosário lembram a vinda de Aiútia. Tratou-se de uma concessão do rei Rama I, como gesto de «gratidão à rainha D. Maria I, pela sua amável generosidade, símbolo de boa vontade que não poderá ser esquecido até ao fim do mundo» (1787). Os primeiros edifícios religiosos eram frágeis, só mais tarde foi usado o tijolo, a pedra e a cal. Através de Macau, houve apoio decisivo para a sustentabilidade da comunidade luso-siamesa, o que permitiu que os mercadores portugueses mantivessem influência económica e política em Sião. A feitoria portuguesa e as igrejas do Rosário, da Conceição e de Santa Cruz (Thonburi) são reminiscências da velha amizade. Na capital tailandesa, a hospitalidade dos Embaixadores Luís e Maria da Conceição Barreira de Sousa foi inexcedível, com sublime benefício de um pôr-do-sol muito especial nas margens do rio Chao Phraya, depois de um agradabilíssimo jantar. O edifício da Embaixada é de estilo neoclássico, tendo o terreno sido atribuído a Portugal, pelo Tratado de 1820, durante o reinado de Rama II, para a «Feitoria dos portugueses» e residência do Cônsul, Carlos Manuel da Silveira. Tratou-se de «um chão que lhe pareceu próprio e conveniente com 72 braças de Sião ao longo do Rio, 50 de fundo com dois gudes para fazer navios com privilégio que todos os Portugueses poderão vir aqui negociar como antigamente, por quanto S. Majestade é Inclinado à Nação Portuguesa que a nenhuma outra». O lugar é marcante, e não é por acaso que se trata da mais antiga Embaixada dos países acreditados na capital tailandesa – representando sinal de uma ancestral amizade, cuja importância chega aos nossos dias e sempre com uma veneração muito afetuosamente sentida.

ORGULHO NA ANCESTRALIDADE
Na visita à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, o Senhor Monopchai Vongphakdi, alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Tailândia, acompanhado de sua família, recebe principescamente, mostrando o Bairro onde residem os cristãos de ascendência portuguesa. A Igreja e o cemitério recordam a nossa presença e, para que não haja dúvidas, aí estão as inscrições em português e as referências a nomes bem familiares, como os Ribeiros e os Costas. A peregrinação prossegue por via marítima até à outra margem do rio para a visita do Bairro e da Igreja de Santa Cruz, onde a receção foi inolvidável, com um grupo de estudantes a darem as boas-vindas: «Sejam bem-vindos os representantes de nossos antepassados!». Um português sente-se, de facto, em casa. Se hoje o comércio já não se faz no «papiar cristão», a velha língua franca, o certo é que a memória ainda existe, até do tempo em que americanos e siameses celebraram um tratado em língua portuguesa, porque era a única que poderia ser entendida pelos dois interlocutores. Contudo, os símbolos fundamentais do encontro com a distante cultura europeia estão bem vivos, por exemplo, no património imaterial, nos hábitos e costumes. E a ligação ancestral permite também enriquecer o conhecimento da história tailandesa até ao final do século XVIII, até considerando a destruição de Aiútia em 1767. Daí a importância dos textos de Fernão Mendes Pinto, de Duarte Barbosa, de Damião de Góis, de João de Barros e de António Bocarro, além das crónicas religiosas. Que é a memória cultural, afinal, senão a possibilidade de haver encontros memoráveis (de pessoas ou de obras de arte), muitos séculos depois dos contactos originais e das primeiras raízes antigas?

 
Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

 

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

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      Minha Princesa de mim:

 

      Li recentemente um artigo de Steven Erlanger, no New York Times, retomando o tema do valor universal dos princípios da democracia ocidental e do sistema económico liberal-capitalista. Cita, claro está, Francis Fukuyama e a sua tese do fim da História, quando, em 1989, apontava a chegada ao ponto final da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal como forma final de governo humano. Comenta o articulista que hoje, diante do reforço do autoritarismo chinês, da evolução de uma Rússia cada vez mais ditatorial e revanchista, e do crescimento do Islão radical, a grande vitória do liberalismo ocidental parece menos evidente, e os seus valores ameaçados no seio mesmo das sociedades ocidentais. E logo vai buscar, para ilustração de como, num novo mundo emergente, liberalismo e comunismo, ambos são invenções ocidentais, esta afirmação do politólogo búlgaro Ivan Krastev: O ano de 1989 foi visto como a vitória do universalismo, o fim da história, excepto que, para os outros países, esse período não inaugurava um mundo pós guerra fria, mas uma era pós colonial. E, mais adiante, depois de referir países emergentes, como o Brasil, ou "excepções", como a Rússia  --  que julgam hipócritas os preceitos do Ocidente --  afirma que a batalha dos valores ultrapassa a questão da democracia, e volta a citar Krastev: «Pensa-se que o individualismo e a democracia formam a linha de partilha do mundo, quando, na realidade, é o sexo», concluindo que, para este, o lugar das mulheres e os direitos dos homossexuais são a nascente de divergências abissais. Rejeitando os valores liberais do Ocidente, que promove a igualdade entre os sexos e a liberdade sexual, a Rússia conservadora acaba por fazer causa comum com muitos países africanos, mas também com teólogos do Islão, com o Vaticano, fundamentalistas protestantes e judeus ortodoxos. Tudo isto dá para pensarsentir. Ponho-te comigo à janela, para olharmos o mundo e irmos pousando, aqui e ali, o nosso olhar. Calados, olharemos para ver, não especulamos.

   Por qualquer razão (providência ou acaso?), ocorre-me uma notícia da BBC: Nadiya Hussain, cidadã britânica, filha de imigrantes vindos do Bangladesh, acaba de ganhar o primeiro prémio do concurso The Great British Cake Off, batendo, quanto a audiências televisivas, o registo absoluto de 2015: 13,4 milhões de telespectadores! Muçulmana, apareceu sempre de cabeça coberta, assim confeccionando, no dia da vitória, um perfeito mil-folhas de framboesas e uns deliciosos "éclairs", seguindo e melhorando os ensinamentos recebidos do seu mestre pasteleiro, professor inglês de pastelaria francesa. Teve ainda, admirável mulher, a corajosa lucidez de apresentar um bolo de casamento, de três andares, conforme à ortodoxia ocidental, mas decorado com joias do seu próprio enlace matrimonial, e posto num sari com as cores britânicas. Não invento nada, a notícia vem nos jornais e tudo foi visto na TV! Fez questão em sublinhar que esse bolo, estranho à tradição do país da sua família de origem, era hoje, afinal, o do seu casamento antigo com Abdul, engenheiro informático e pai dos três filhos do casal. Não acrescentarei nada, nada, a esta história, minha Princesa de mim, espero apenas que ela nos sirva de tema de meditação, sobre a força humilde, sensata, laboriosa e persistente, das mulheres, e sobre as vantagens de entendermos a inspiração  --  essa que o espírito divino na nossa humanidade sopra, e nos faz mudar para mais próximos.

   Em política, Princesa, como em diplomacia, deveria também prevalecer esse princípio da busca da proximidade, dessa aproximação ao que Michelet chamava l´introuvable milieu, e o espírito independente de La Fayette moderação: A verdadeira moderação consiste, não tanto, como muitas pessoas pensam, na procura teimosa de um centro entre dois pontos quaisquer, e variáveis ao sabor dos tempos, mas na tentativa de reconhecer o ponto da verdade...    ... Meus senhores: a verdadeira moderação consiste em procurar o que é verdadeiro, o que é justo, e a isso nos atermos. Só acrescento, minha Princesa amiga, que, quando sinceramente procurarmos, iremos nus de preconceitos, sem nos estimarmos superiores aos outros, guiados apenas pelo gesto fraterno do reconhecimento mútuo.

   E, já agora, quiçá por estar velho e a acabar o dia, deixo-te, dando-te a mão, este desabafo de Roland Barthes, o grande semiólogo, ao seu amigo Philippe Sollers, quando perdeu sua mãe: Ai de mim, ela já cá não está, para eu saber a que casa recolher...

                         Camilo Maria 

 

Camilo Martins de Oliveira

 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Charles e Ray Eames e o sonho moderno americano.

 

Charles (1907-1978) e Ray Eames (1912-1988) foram um casal criativo americano – Charles, arquiteto e Ray, pintora – que determinou o gosto da classe média americana do pós-guerra. Juntos traçaram uma identidade muito própria do movimento moderno americano – através de uma atuação abrangente e multidisciplinar (mobiliário, arquitetura, artes gráficas, filme e fotografia).

Charles Eames estudou arquitetura na Washington University em St. Louis, mas ao insistir estudar o trabalho de Frank Lloyd Wright (que tanto admirava) foi afastado da universidade, com a justificação de que os seus interesses eram demasiados modernos. Após ter aberto diversas firmas de arquitetura e de ter concebido, em 1935, a Meyer House (a sua obra mais significativa até à data), começou a lecionar na Cranbrook Academy of Art (por influência de Eero Saarinen), no Programa de Arquitetura e Planeamento Urbano. Ray Kaiser após ter estudado na Friend Bennett School em Millbrook, Nova Iorque, foi aceite na Art Students League, onde foi aluna de Hans Hofmann. Hofmann abriu a sua própria escola em 1935, e Ray foi sua aluna durante seis anos – e esse período foi muito importante para a sua formação (o método de ensino de Hofmann era muito exigente e que focado num só meio de expressão considerava que só através da repetição meticulosa se conseguia criar algo verdadeiramente original). Em 1936, Ray foi fundadora do grupo American Abstract Artists que reivindicava junto dos museus e galerias nova-iorquinas o direito de artistas abstratos modernos aí exporem os seus trabalhos. Na primeira exposição organizada pelo grupo, Ray teve a oportunidade de expor junto a Lee Krasner, László Moholy-Nagy e Fernand Léger. Em 1940, candidatou-se à Cranbrook Academy of Art, interessada cada vez mais por tudo o que se relacionava com design. Ora, e foi em Cranbrook que Charles e Ray se conheceram. Em 1941, casaram-se e começaram uma vida nova na California. Enquanto viviam no apartamento desenhado por Richard Neutra, na Strathmore Avenue, criaram a máquina Kazam! para moldar madeira – através desta técnica criaram diversas peças de escultura e mobiliário, mas mais importante foi a invenção de uma tala de madeira que Charles e Ray conceberam para as pernas dos militares feridos durante a guerra.

Em Los Angeles, estabeleceram amizade com John Entenza, o famoso editor da revista Arts & Architecture. Desde logo, Charles e Ray começaram a colaborar na revista – na conceção gráfica de dezenas de capas e na elaboração de diversos artigos. O Programa das Case Study House foi oficialmente lançado nas páginas de Arts & Architecture, em 1945 (tendo terminado em 1962). E tinha as suas origens no concurso ´Design for Postwar Living’ lançado, também pela revista, em 1943 e 1944. Sendo assim, John Entenza desafiou vários arquitetos – entre os quais Richard Neutra, Charles Eames, Eero Saarinen, Raphael Soriano, Pierre Koenig – a integrarem o programa das Case Study Houses, com o objetivo de fazerem uma arquitetura que seguia os princípios do movimento moderno, adaptados à tecnologia disponível durante a guerra e que respondia à sensibilidade da classe média americana. Deseja-se uma arquitetura doméstica construída através de princípios de prefabricação, produção em massa e industrialização. Entenza propôs um vasto programa de 34 casas, mas só 23 foram concluídas. Entenza comprou um terreno com vista para o oceano Pacífico com o objetivo de construir uma Case Study House para si próprio. Metade do terreno de Entenza foi comprado pelo casal Eames que também ansiava conceber e viver numa Case Study House.

A Case Study #8, foi inicialmente concebida por Charles Eames e Eero Saarinen e a solução final construída sofreu grandes alterações ao projecto. Com Saarinen, Charles concebera um bloco flutuante, transparente, puro e paralelepipédico perpendicular à encosta e ao volume do atelier e virado para a paisagem. Porém, após Charles e Ray experienciarem o terreno – através de várias visitas ao terreno, organizadas com Entenza enquanto esperavam pela chegada das peças estruturais pré-fabricadas de aço – o projecto alterou-se e a casa foi reposicionada agora em linha com o volume do atelier.

 

‘For a married couple both occupied professionally with mechanical experience and graphic presentation… The house must make no insistent demands for itself, but rather aid as a background for life in work.’, Charles Eames, 1945

 

Charles desejava com o seu projeto ‘maximum volume from minimum materials’. E a Casa Eames (Case Study # 8) é assim constituída por dois corpos escondidos e protegidos por detrás de uma fila de eucaliptos – foi a existência desta parede vegetal que alterou o projecto (mas também Charles rodou o volume 90º graus e colou-o ao chão pela demasiada semelhança a um projecto de uma casa de vidro de Mies Van Der Rohe). O interior de cada volume desdobra-se em dois planos, possibilitando a existência e usufruto de duplos pés-direitos e níveis distintos de vivência e intimidade. A transparência da fachada é alternada com painéis opacos que têm as cores primárias. A vista não é o foco principal, valoriza-se antes a luz matinal que entra filtrada pelos eucaliptos e por entre os painéis coloridos e texturados. Apesar de partir de princípios de estandardização, a Casa Eames consegue estar associada uma individualidade muito própria – pela escolha muito particular das cores e materiais da fachada, pela variedade de superfícies e tecidos e objetos no interior.

As Case Study tornaram-se autênticos showrooms e são exemplares no uso de sistemas construtivos padronizados, principalmente em aço e na aplicação de preços controlados e rapidez de execução. Na sua maioria, as Case Study Houses apresentam-se como objetos na paisagem mas trabalham um espaço fluido interior (legado de Frank Lloyd Wright). Na verdade, Entenza consegue sobretudo com esta ação transformar uma inicial sensibilização social num verdadeiro produto de luxo – e o casal Eames em muito contribuiu para este fenómeno, ao deixar-se fotografar na sua casa já mobiliada e habitada e tão cénica.

Charles e Ray Eames personificam assim a felicidade americana do pós-guerra (casal moderno que constrói uma casa em cenário idílico para simultaneamente trabalhar e viver). Desde cedo, o seu modo de trabalhar (ao produzirem peças de mobiliário de alta qualidade e a preços baixos) maximizava a eficácia construtiva de elementos industriais em casas e objetos confortáveis, icónicos e desejáveis.

 

Ana Ruepp

 

 

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

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   Minha Princesa de mim:

  
   A tragédia Édipo Rei, de Sófocles, será, com a sua Antígona, a peça mais famosa e representada de todo o teatro grego antigo. Ambas foram retomadas, em francês, por Jean Cocteau, que produziu o livreto da ópera Antígona de Honegger. Aliás, Igor Stravinsky  --  cuja ópera-oratório Oedipus Rex  escutei esta tarde  --  confessa que, quando lhe ocorreu a ideia de pôr em música o seu Édipo, convidei Jean Cocteau a colaborar, pois admirava muito a sua Antígona. Participei-lhe as minhas ideias e avisei-o de que não queria um drama, mas sim uma "natureza morta". Disse-lhe também que queria um livreto convencional com árias e recitativos, mesmo sabendo que o convencional não era o seu forte. Pareceu aprovar vivamente o projecto, mas não o facto do seu texto ter de ser traduzido em latim, mas a primeira versão do seu texto correspondia precisamente ao que eu não queria: um drama em música numa prosa de brilho factício. Cocteau foi mais do que paciente comigo e as minhas críticas. Reescreveu duas vezes o seu texto e teve mesmo de o submeter a um último corte... Neste texto, o que será mesmo de Cocteau? Na verdade, sou incapaz de o dizer; talvez a plástica do verbo, mais do que a sua forma... Mas a música vai para além das palavras e inspira-se directamente da tragédia de Sófocles. Fosse como fosse, o certo é que o poema francês de Cocteau foi vertido para latim pelo padre jesuíta Jean Daniélou, com excepção das vozes do narrador. E este, pela pena de Cocteau, diz, logo a abrir a ópera, em bom francês:

       Espectadores, ides ouvir uma versão latina de Édipo-Rei.

       A fim de vos poupar qualquer esforço de orelhas e de memória, e como a ópera-oratório apenas conserva das cenas um certo aspecto monumental, ir-vos-ei recordando, passo a passo, o drama de Sófocles.

      Sem que o saiba, Édipo trava uma luta com as forças que o vigiam do outro lado da morte. Armam-lhe, desde que nasceu,uma armadilha que vereis fechar-se aqui.

   Para lá da desforrazita irónica do poeta face às exigências do compositor, estas frases de abertura encerram uma intuição da essência desta tragédia, como aliás Raphaël Dreyfus viria a defini-la: O tema de Édipo-Rei não é o cumprimento do destino de Édipo, mas a descoberta, por Édipo, do seu destino cumprido: não é a marcha inexorável da fatalidade, mas a fatalidade da ignorância, a impossibilidade em que estamos de ver claramente o nosso destino antes dele se consumar. E tal fado surge mais claro pela voz do corifeu que termina o drama de Sófocles, do que pelas palavras do coro de Stravinsky que, nesse final, exclama: Ecce! Regem Oedipoda, foedissimum monstrum monstrat, foedissimum beluam... (Eis o Rei Édipo, mostra-se como o mais odioso dos monstros, como a mais imunda das bestas!). Mas o autor grego antigo sabiamente escreve, para a boca do chefe do coro, este final: Gente de Tebas, minha pátria, olhai para este Édipo, que sabia os famosos enigmas. Triunfava. Ninguém podia, sem inveja, ver a sua fortuna. Em que turbilhão de horríveis azares ele afinal caiu! Não podemos julgar feliz qualquer mortal antes de ver o seu último dia, antes dele ter chegado ao fim da vida sem ter sofrido!... É também pela voz do corifeu que termina a Antígona, primeira tragédia do que podemos considerar uma trilogia de Sófocles, com Édipo-Rei no meio e Édipo em Colono a fechar: Como é a sabedoria o princípio da felicidade! Não devemos nunca ser ímpios com os deuses. As grandes máximas dos orgulhosos trazem-lhes muitas contrariedades. Só com a idade aprendem a sageza. As últimas palavras que, em Colono, Édipo dirige às filhas, Antígona e Ismena, que o guiavam desde que ele arrancara os olhos, e a Teseu, rei de Atenas, dizem muito sobre a cegueira da condição humana e a fatalidade da morte: Minhas filhas, segui-me; sou eu quem agora vos guia, a vós que guiáveis vosso pai. Vinde, não me toqueis. Deixai-me encontrar eu mesmo o túmulo sagrado, em que devo ser enterrado neste país. Por aqui, sim, vinde por aqui. Hermes o Escolta guia-me por aqui com a deusa dos infernos. Ó luz tenebrosa, que foste a minha luz, o meu corpo toca-te pela derradeira vez. Vou esconder no Hades o termo da minha vida. E tu, caríssimo anfitrião, e o teu país, e os teus servos, sede felizes. E para o serdes sempre, lembrai-vos de mim quando estiver morto. E porque Édipo assim o instruíra, Teseu negará às filhas do morto o acesso ao túmulo deste. E o corifeu encerrará assim a peça: Reencontrai a paz. Não desperteis jamais o luto. Tudo está cumprido.

   Sabemos que também Ésquilo e Eurípides escreveram tragédias sobre o tema, pois a história de Édipo-Rei é lendária, nenhum dos autores trágicos a inventou. Por isso mesmo penso, Princesa, que esta tragédia, mesmo que evoque circunstâncias históricas, como a epidemia da peste em Atenas ou o governo de Péricles, não é um libelo político. Nem religioso, como pretendem aqueles que sublinham as referências à impiedade, sobretudo à descrença nas previsões dos oráculos. Os deuses dos gregos antigos são antropomórficos, mesmo quando possam personalizar forças da natureza: exageram os caracteres, os sentimentos, as paixões e os comportamentos dos seres humanos cá de baixo. Nem Zeus é concebido como um ser transcendente, no sentido de um deus que é absolutamente outro. No coração da tragédia grega está sempre a interrogação desamparada do ser humano, que ainda não encontrou meio de comunicar com o inexplicável... Subjacente, está o debate sobre a verdade dos deuses e a eficácia das crenças e invocações.

   Bem sei, minha Princesa de mim, que esta é uma opinião pessoal ou, melhor dizendo, uma impressão muito subjectiva das tragédias gregas que li. Mas sou hoje incapaz de as pensarsentir de outro modo senão apenas na verdade universal, intemporal, da condição humana, desamparada e ignara, que sempre pergunta o quê e o porquê do mal. No drama de Édipo, por exemplo, a causa inicial da desgraça não é culpa alguma do próprio, que só na labiríntica mente de Freud terá morto o pai para se casar com a mãe. Na lenda, como nas tragédias nela inspiradas, Édipo não só se pensa filho de outro e ignora quem são os seus pais, como mata alguém que não conhece. O pecado original, a raiz do mal, antes estará no acto de procriação praticado por seu pai, em violação de uma interdição de paternidade. A culpa de Édipo mais não é do que a ignorância, a incapacidade de desvendar todos os enigmas. Ou  --  como, nas voltas da vida, a todos nós pode acontecer  --  esse sentimento espontâneo e autêntico que em nós grita que não entendemos esta existência, não avistamos o sentido de nós próprios nela. E nada podemos fazer, nada está ao alcance da nossa mão. Como quando, com Álvaro de Campos, num choro silencioso e íntimo, chamamos a noite:

          Vem soleníssima,

          soleníssima e cheia

          de uma oculta vontade de soluçar,

          talvez porque a alma é grande e a vida pequena,

          e todos os gestos não saem do nosso corpo

          e só alcançamos onde o nosso braço chega,

          e só vemos até onde chega o nosso olhar.

 

   Agora mesmo interrompo a escrita e ponho-me à escuta da Jeanne d´Arc au Bûcher do Honegger. Não é passar de Stravinsky para este, nem de Sófocles para Claudel. Não é sair da tragédia, mas encontrar nela a voz fora de mim, essa que leva Joana  --  que, à beira da morte, não quer morrer e tem medo  --  a gritar ao povo, a juízes e algozes: Ouço uma voz acima de mim que diz: Joana, não estás sozinha! E o seu grito derradeiro será o da libertação consumada: Há a alegria que é mais forte! Há o amor que é mais forte! Há Deus que é mais forte!

   E ao dar-te agora a mão, comungamos na fortaleza.

       Camilo Maria

 

 

Camilo Martins de Oliveira

 

AONDE O AMOR

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E se tendo tu partido e eu voado

Depois voltas a que horas?

Eu no tempo de uma esperança

Lá bem onde repousa a alma

E as mãos se bordam de tão queridas.

 

Ah!, tu vens ao segundo som da água?

 

Querido, chorei eu por julgar-te

Desconhecedor das fontes

E afinal

Sabes das árvores, dos ramos, das rolas

E de tantas outras coisas onde minha solidão vive

Onde és o amante que acho ao te beijar

Aquele que diz nada ter apartado

Mesmo que algum dia

Tenhas tu partido

E eu voado pois não é

Que meu motivo conheceu a realidade

E no voo enleei vides nos meus cabelos

Protegendo-me como podia de uma suja e bruta fúria

Do tempo em que.

 

Depois,

A vida

Nós, pascendo fundamentos

No coração um do outro

Alimentos

De tão diversos laços

Só por ambos conhecidos, vividos

Onde agora se olham duas pombas.

 

E se tendo tu partido e eu voado

Depois voltas a que horas?

Eu no tempo de uma esperança

E tu,

Ao segundo som da água?

 

Teresa Bracinha Vieira
Novembro 2015

ATORES, ENCENADORES - LI

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LOPES DE MENDONÇA CRITICA OS ENSAIADORES

 

O conceito de encenação, no sentido abrangente de transformação de um texto num espetáculo teatral - e o texto até pode não ser, na sua criação inicial, um texto dramático - envolve uma pluralidade de conceções e intervenções a nível da cena propriamente dita: desde a definição do âmago psicológico e dramático dos personagens, até à orientação e correção dos atores, ao envolvimento cénico e cenográfico, à marcação de cena, à adequação dos aspetos plásticos – cenários, figurinos – em suma, repita-se, à transformação concreta de um texto num espetáculo.

E tudo isto significa uma visão e interpretação global do próprio texto, e, a partir dessa conceção global, significa a orientação dos atores, cenógrafos e técnicos de cena e sobretudo, a concretização dinâmica do texto perante um público que, em rigor, até poderá ser um único espetador (o que não é desejável mas já se viu…) mas tem de constituir a “transmissão” das conceções e das palavras do dramaturgo para os que assistem, através dos corpos e das vozes dos que representam.

Esta conceção global existe desde que existe teatro: mas o conceito de encenador, como criador de tal multiplicidade de intervenção - esse é relativamente recente e envolveu uma modernização da globalidades estética e dinâmica do espetáculo teatral.

Henrique Lopes de Mendonça (1856-1931), dramaturgo, autor de cerca de 35 textos teatrais, é sobretudo recordado pelo extraordinário poema que Alfredo Keil musicou e que constitui desde 1911 o Hino Nacional - “A Portuguesa”, notável poema heroico que todos conhecem mas de que muitos ignoram a totalidade das suas estrofes…

Pois no princípio do século passado, Lopes de Mendonça proferiu uma conferência editada em 1901, que intitulou “A Crise do Teatro Português” (já na altura…). E lá encontramos uma abordagem global do conceito, função e intervenção do “ensaiador”, assim designando o que hoje consideramos e denominamos encenador - na globalidade da conceção da dinâmica do espetáculo teatral, desde o texto à intervenção dos atores, à construção cénica propriamente dita e sobretudo, globalmente, à transformação do teatro em espetáculo destinado a um público que o entenda e compreenda - e nem que seja, repito, um único espetador…

Ora bem: esta conceção global da encenação está na essência do próprio espetáculo teatral, mas só começou a ser definida e teorizada na transição dos séculos XIX-XX: em rigor, podemos lembrar que até Gil Vicente encenou textos seus. Camões, no “Auto de El Rei Seleuco”, inclui um diálogo entre Estácio de Sá e o Moço, diálogo esse que precede a representação do Auto propriamente dito: e aí, aborda implicitamente a função do que viria a chamar-se encenador, quando ambos os personagens aludem ao espetáculo que será em breve representado em casa de Estácio de Sá:

“Estácio - São já chegadas as figuras?/ Moço - Chegadas são elas quase ao fim de sua vida”/ Estácio - Como assim?/ Moço - Porque foi a gente tanta, que não ficou capa com friza, nem talão de sapato que saísse fora do couce. Pra vieram uns embuçadetes e quiseram entrar por força; ei-lo arrancamento na mão: deram uma pedrada na cabeça do Anjo e rasgaram uma meia calça ao Ermitão”…

Veja-se agora a cena inicial do “Auto da natural Invenção” de António Ribeiro Chiado, também referente a uma cena de teatro:
“Dono – Almeida!/ Almeida – Senhor?/ Dono – Vem cá, vem cá! Sabe se há-de tomar o porto/ hoje este auto, ou se é morto./ Almeida – E o autor onde está?/ Dono – Em casa de teu avô torto/ ou marmelo pela perna!”…

E os exemplos podem multiplicar-se numa visão global da dramaturgia e do espetáculo, até ao apuramento do conceito de ensaiador, visão essa ainda dominante até pelo menos ao início do século XX: mas o conceito de encenação começava a afirmar-se.

Em 1901, Henrique Lopes de Mendonça, numa conferência que intitulou “A Crise do Teatro Português,” queixa-se da “escassez de ensaiadores suficientemente hábeis, com uma cultura desenvolvida e atualizada, um conhecimento mais do que perfunctório da sua arte e do moderno movimento teatral. Com honrosas exceções (…) o que por aí se vê em marcação de peças, em mise-en-scène, em agrupamento de massas, é de uma indigência verdadeiramente lastimosa, de um ronceirismo e de uma monotonia deveras aflitivos, de uma ingenuidade quase primitiva”… nada menos! (cit. em Eugénia Vasques “Para a História da Encenação em Portugal” – 2010 pag.144).

E em 1908, no “Diccionario do Thatro Portuguez”, Sousa Bastos dá já uma curiosa e para a época bem percursora definição do que denomina “Enscenação”, assim mesmo, e que transcrevo na íntegra:

“Enscenação – é a arte de regular a ação scénica, considerada sob todas as faces e todos os aspetos, não só no que diz respeito aos movimentos isolados ou combinados de cada um dos personagens que concorrem para a execução da obra que se representa; não só no que respeita às evoluções das massas: grupos, marchas, cortejos, combates, etc.; mas também a harmonizar esses movimentos, essas evoluções com o conjunto e os detalhes do scenário, vestuário e adereços. Geralmente no teatro quando se referem à montagem, ensemble e apuro de uma peça, não dizem escenação mas aplicam o termo francês mise- en- scene”.

E deixaremos para próximo artigo a evocação de António Pedro, do seu “Pequeno Tratado de Encenação” e do Teatro Experimental do Porto.

 

DUARTE IVO CRUZ

 

 

LONDON LETTERS

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A duel of British titans, 2015

O choque de civilizações irrompe pelo meio da leitura da biografia crítica do grande Kavafis, por Mr Liddel Robert. No apinhado Westminster's Central Hall todos são ardentes classicistas. E não, não é uma reedição de The Philosophers' Football Match dos gloriosos Monty Python. O programa Intelligence Squared antes

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coloca frente-a-frente dois colossos da retórica indígena a contrastar Greece vs Rome: pelos helénicos alinha RH Boris Johnson, Mayor of London e reader de Classics na Oxford University; pelos latinos pugna a Don Mary Beard, lecturer da disciplina em Cambridge. — Oh la la. Tel maître, tel valet! Lá fora rufam os tambores de guerra. O UK e o West planeiam massiva resposta armada contra o Isis, no rescaldo dos sangrentos atentados de Paris. Brussels e as demais capitais continentais estão já fortemente patrulhadas, com as forças de segurança em alerta máximo. O Archbishop of Canterbury confessa que o massacre o fez questionar a presença do Mighty God. A vox populi interroga as raízes do mal. — Hmm! The wise put their trust in ideas and not in circumstances. A Bundesklanzerin Frau Angela Merkel celebrou 10 anos no poder, neste Sunday, em Germany e na German Europe. Pope Francis avança com a celebração do Giubileo Straordinario, com o Anno Santo de 2015 December 8 a 2016 November 26 dedicado à misericórdia. O liberal Mauricio Macri é o novo presidente da Argentine.

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Windy week with a freezing mist here and rain showers there em London. Em tempos volúveis, a cultura abre ainda porta solar. Mágico é Mr Constantine P Kavafys, o poeta de Alexandria que canta o Mediterranean World aquém das trevas que o cercam e ilumina os dias com o seu “Keep Ithaka always in your mind.” Potente mezinha é também a fantástica recriação no Storey's Gate do clash of civilizations greco-romano. O IQ2 convoca clássica Cleese’s question entre os membros de The People's Front of Judea ao invés de evocar a controversa doutrina do saudoso Professor Samuel P. Huntington sobre novo padrão dos conflitos na post-cold war era. Os MPython são fulgentes. Interior da Matthias's House, sala sombria e atmosfera conspirativa: A vanguarda popular senta-se a mesa face a plateia de ativistas mascarados; Francis apresenta plano de ataque contra o imperialismo romano; ateia-se debate democrático e a querela estala. Reg: – All right... all right... but apart from better sanitation and medicine and education and irrigation and public health and roads and a freshwater system and baths and public order... What have the Romans done for us? | Xerxes: – Brought peace! No mais é o imenso brilho inteletual de Jonhson e Beard, a esgrimir por Athens e Rome. Não direi o resultado do combate, mas este surpreende tanto o MP de Uxbridge como a Don de The Times Literary Supplement.

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A desigualdade socioeconómica tem novo conceito na praça das ideias: differential collaterasability, a colaterabilidade diferencial que soma aos mercados para revelar as diferenças entre o que não é/deixa de ser igual, proposta pelo Dr Geoffrey M. Hodgson no seu último e laureado livro. Conceptualizing Capitalism. Institutions, Evolution, Future é o título do Research Professor of Business Studies na University of Hertfordshire (UK), também editor chefe do Journal of Institutional Economics. Vencedor do Schumpeter Prize, o trabalho refresca os fundamentos do sistema juspolítico assente na propriedade privada e na busca do lucro enquanto examina quer as sensíveis relações geradas pela hierarquia na ordem capitalista, quer a função do estado sob o presente império da lei. A perspetiva é solidamente neoinstitucionalista e assume como ângulo a legal-orientated understanding of institutional analysis, sublinhando os efeitos distributivos e as assimetrias de poder “that law creates or is itself influenced by.” Um olhar a reter em stress tests de naus eurofinanceiras. — Well! Good management is somehow better than good income.

 

St James, 23rd November
Very sincerely yours,
V.

 

A VIDA DOS LIVROS

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De 23 a 29 de novembro de 2015

René Girard (1923-2015) é um dos pensadores contemporâneos mais estimulantes no tocante à análise da violência e da sua superação nas sociedades humanas. A partir da noção de «violência mimética», da leitura da Bíblia e do cristianismo, o autor de «Le Bouc Émissaire» (Grasset, 1982) procurou uma explicação para evolução divergente entre as religiões arcaicas e a judaico-cristã no tocante aos mitos violentos originais.

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DA LITERATURA À ANTROPOLOGIA RELIGIOSA
Vindo da Literatura, Girard exerceu o seu magistério nos Estados Unidos, primeiro como professor de literatura francesa, a partir de 1947, depois no estudo das relações entre a literatura e a antropologia religiosa na Universidade John Hopkins, em Baltimore (1957) e por fim em Stanford, a partir de 1980. Duas obras irão abrir caminho ao interesse que logo começa a suscitar a sua reflexão, apesar das desconfianças: «Mensonge Romantique et Verité Romanesque» (Grasset, 1961) e «La Violence et le Sacré» (id., 1972). Natural de Avinhão, filho de um conservador de Biblioteca e do Museu do Palácio Papal, radical-socialista e anticlerical, e de uma católica conservadora dada à literatura, o jovem começou por estudar as referências literárias à vaidade em Stendhal e ao snobismo em Flaubert e Proust, procurando reequacionar o destino do desejo humano, através de diversaas obras literárias, com destaque ainda para Cervantes e Dostoievski. Tratava-se de tentar compreender o funcionamento das nossas sociedades, a partir do desenvolvimento humano e da sua lógica profundamente patológica. Afinal, o homem é desejo, mas não desejo de um objeto pela sua função ou utilidade, sim um desejo daquilo que o outro possui. A relação envolve, por isso, três elementos: eu, o outro e o objeto. Daí a rivalidade que leva ao antagonismo e finalmente à violência. Daí que Girard saliente que nas condições sociais do tempo presente, há uma divergência fundamental aos olhos de hoje, entre as religiões arcaicas e a judaico-cristã. Onde as religiões arcaicas criavam um bode expiatório, que encarnava o mal, cujo sacrifício permitiria a reconciliação das massas, o cristianismo proclama a inocência da vítima – Jesus Cristo.

SINGULARIDADE DA REVELAÇÃO
Ao contrário daqueles que referem a Paixão de Cristo como um mito entre outros, René Girard afirma a singularidade e a essencialidade da revelação cristã. Esta não só rompe a lógica negativa da «violência mimética», mas também revela o substrato de toda a cultura humana – e assim o sacrifício apazigua as massas e tem uma função unificadora da sociedade. A teoria mimética permitiria esclarecer não somente a construção do desejo humano e a genealogia dos mitos, mas também a violência presente, a espiral infinita do ressentimento e da cólera. «Hoje, não precisamos de ser religiosos para sentir que o mundo está numa incerteza completa» (dizia o pensador). Daí ter considerado Girard que os atentados do 11 de Setembro de 2001 foram uma trágica manifestação do mimetismo, agora globalizado. No entanto, a comunidade científica foi olhando com muita desconfiança a tentativa de René Girard de explicar do mesmo modo desde os sacrifícios dos astecas até aos ataques do ISIS (Estado Islâmico). Contudpo, a sua originalidade é indiscutível e as pistas que lança merecem uma especial atenção crítica. No fundo, é a outra luz que se analisa o movimento de «desencantamento» referido por Max Weber (ou por Marcel Gauchet) – que aparece como um caminho que se desenvolve entre a resposta arcaica e a resposta judaico-cristã. Chegou mesmo a dizer-se que Claude Levi-Strauss tinha encontrado uma resposta estrutural para todos os mitos, exceto para os europeus, enquanto Girard teria encontrado uma resposta universal, baseada na explicação de génese, centrada no cristianismo. Inserindo este num percurso moral e cultural da humanidade, o escritor de «Des Choses Cachées depuis la Fondation du Monde» (1978) encontra nesse caminho a explicação fundamental: «o sagrado aparece com o sacrifício, que é a expulsão ritual do inimigo: enterramos a vítima nas fundações da cidade e o pacto social ameaçado renovar-se-á, tantas vezes quanto necessário pela proscrição do inimigo, a qual será tanto mais económica se for ritualizada. Com efeito, em condições normais, vale mais entregar à ira pública um bode expiatório do que arriscar uma guerra ou do que lançar massas contra outras massas».


VIOLÊNCIA FUNDADORA E TRANSCENDÊNCIA
Como bem recorda José Tolentino Mendonça, a propósito de haver «uma violência fundadora transferida simbolicamente para a transcendência», a «passagem das expressões sociais violentas à proposição firme e comprometida da paz não acontece por um auto-mimetismo, pois nenhum discurso religioso está na sua formulação, totalmente isento de violência. Impõe vontade e determinação. De facto, «as nossas sociedades não se definem apenas pelo quer integram, mas também pelo que excluem». Daí a necessidade de tomar consciência da violência arcaica que ainda persiste em nós… Se René Girard era um homem de fé, o certo é que nunca escondeu as suas dúvidas e limitações no tocante às explicações dos fenómenos humanos. Como salientou Jean Birnbaum: «Exegeta com uma curiosidade sem limites, (Girard) opunha à ferocidade do mundo moderno, à aceleração do mal, a virtuosidade tranquila dum leitor que nunca deixou de servir as Escrituras» («Le Monde», 6.11.2015). Note-se que René Girard deve ser lido considerando o contributo de outros autores como Giorgio Agamben e Gianni Vattimo, que manifestaram um especial interesse pela obra e originalidade de René Girard. Giorgio Agamben, em «O Poder Soberano e a Vida Nua – Homo Sacer» (tradução de António Guerreiro, Presença, 1998), fala da decadência da democracia moderna e da sua progressiva convergência com os Estados totalitários, nas sociedades pós-democráticas «do espetáculo», resultantes da confluência entre o modelo jurídico-constitucional e o modelo biopolítico do poder. Em lugar do contrato social dos princípios Giorgio Agamben fala do estado de exceção como zona de indistinção entre a exclusão e a inclusão. Trata-se, de algum modo, a materialização da confusão entre o poder político e o poder físico de que fala Kantorowicz, na sua obra clássica sobre os dois poderes da monarquia tradicional e suas sequelas… Num tempo em que a violência parece querer regressar à lógica arcaica (como temos visto com a escalada do terror de Beirute a Paris), René Girard insistia na necessidade de tirar consequências atuais da sua explicação: «estreito é o caminho entre a conservação que mantém os ritos e fossiliza a história, e o falso revolucionarismo que ao refazer a violência, refaz outros ritos que exigem mais vítimas que os ritos precedentes». O certo é que, a partir do momento em que compreendemos verdadeiramente os mitos, não podemos tomar o Evangelho como um outro mito, uma vez que é ele que nos faz compreender a realidade mítica, ela mesma… Num momento de intensas perplexidades a propósito da violência que suscita e agrava a violência, importa recordar, com Girard: que toda a violência doravante revela o que revela o lugar essencial da paixão de Cristo, a génese imbecil dos ídolos sangrentos, de todos os falsos deuses das religiões, das políticas e das ideologias»...


Guilherme d'Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

 

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

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   Minha Princesa de mim:

 

   Contemplo, num velho livro sobre cinema, uma magnífica Ingrid Bergman, prestes a ser queimada viva enquanto Jeanne au Bûcher, no filme de Rosselini (1954) com texto de Paul Claudel e música de Arthur Honegger. Este, com a sua proverbial modéstia, diz da sua própria partição: Toda a atmosfera musical se atém ao texto. A partição já lá está, e o compositor só tem de se deixar guiar... O poeta, por sua vez, diz-nos do que se trata, e é isso mesmo que compreendo agora neste plano cinematográfico da Ingrid: O cimo da vida de Joana d´Arc é a sua morte, é a fogueira de Rouen. É desse cimo que ela encara toda a série de acontecimentos que ali a conduziram, desde os mais próximos até aos mais longínquos, desde a consumação até à origem da sua vocação e da sua missão. Assim os moribundos, diz-se, vêem na hora derradeira desenrolarem-se todos os acontecimentos da sua vida, à qual a eminente conclusão confere um sentido definitivo. Tal apocalipse, no sentido de revelação final, de certo modo também foi aspiração de Teilhard de Chardin, quando disse: Não tenho mais ambição do que a de deixar atrás de mim o vestígio de uma vida lógica, toda virada para as grandes esperanças do mundo. Na sua homenagem ao compatriota Albert Schweitzer  --  que ele muito admirava  --  Honegger escreve: No nosso mundo, por todos os lados dominado pela procura do proveito material, onde por toda a parte, mesmo na ciência, se manifestam as aspirações ao ganho imediato, ou por essa satisfação obtida em detrimento do vizinho, e onde podemos ver esses pequenos países que constituem a Europa sacrificar o que ainda poderia subsistir da nossa civilização, é admirável ver um homem que em nada abdica do seu ideal... Esta atenção ao sentido da vida, e a necessidade íntima de comunicar uma qualquer graça que nos inspire, leva o compositor a procurar música com carácter, directa, simples, sem preciosismos técnicos nem sofisticações: Foi o que tentei realizar na "Jeanne au Bûcher". Esforcei-me por ser acessível ao homem da rua, sem deixar de interessar o músico. Talvez por isso, Ansermet terá dito de um Concertino de Honneger: Dir-se-ia que foi Mozart quem compôs isto hoje... E penso que o processo criativo, esse crescer da centelha para o acender de ideias e sons, sobretudo essa sobreposição do inesperado da graça ao esperado da regra, tem a ver, em Honegger como, anteriormente, em Mozart, com a surpresa de uma inspiração que a vontade própria não determina: Com a maior sinceridade do mundo, grande parte do meu trabalho escapa à minha vontade. Escrever música é levantar uma escada sem poder apoiá-la a uma parede. Não há andaimes:  o edifício em construção apenas se mantém em equilíbrio pelo milagre de uma espécie de lógica interior, de um sentido inato das proporções. Sou simultaneamente arquitecto e espectador da minha obra: trabalho e considero. Quando um imprevisto obstáculo me trava, deixo o que estabeleci, sento-me no sofá do ouvinte, e digo para comigo: depois de ter escutado o que até agora ouvi, que poderei desejar senão o arrepio do génio ou, pelo menos, a impressão de ter conseguido? O que é que, logicamente, deverá acontecer que me satisfaça? E tento encontrar a continuação, não a fórmula banal que todos prevêem, mas, pelo contrário, um elemento de renovação, um ressalto do interesse. E a pouco e pouco, seguindo este método, se termina a minha partição.

   Ninguém, Princesa, conseguiu até hoje demonstrar o que é isso a que chamamos génio. Há quem o atribua a factores genéticos, a elevados quocientes de inteligência, etc.; tal como tem havido quem pretenda que muitos daqueles que vão sendo considerados génios, de genial nada têm e até se enganaram redondamente. Para o meu temperamento anárquico, essa é questão de somenos importância, não simpatizo com hierarquias, não creio em superioridades inatas. Mas aprecio e amo esse pensarsentir, tão autêntico e tão humilde, de quem não sabe dizer porquê. Bem aventurados os que procuram porque só esperam, os que encontram, ou são achados, porque sabem escutar. O que me parece admirável na história de Joana d´Arc não é o aproveitamento político, nacionalista ou religioso, que dela se tem feito, por considerável que seja. O milagre é outro: é o simples facto de tantos de nós  --  e de muitos escritores, músicos e artistas  --  se terem interrogado sobre o que, na pessoa e na saga da Donzela de Orleães, é inexplicável, ao ponto de nos perguntarmos sobre o que, em nós mesmos, não conseguimos explicar. Faz-se silêncio.

   E com esse silêncio amigo te deixo

                        Camilo Maria 

 

Camilo Martins de Oliveira

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

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Raul Lino e a Casa do Cipreste (1907-14).

 

‘Para ninguém deve já ser surpresa que as casas são projetadas a partir do interior. Como moradia, a casa tem de obedecer ao modo de vida e às predileções dos principais moradores; como construção terá de sujeitar-se às condições físicas do sítio (natureza do solo, orientação, acessos, vistas).’
Raul Lino em ‘Casas Portuguesas. Alguns Apontamentos sobre o Arquitetar das Casas Simples’, 1992

 

A Casa do Cipreste está situada na periferia de Sintra, numa das encostas do Castelo dos Mouros. Numa propriedade designada outrora por ‘Pedreira’, Raul Lino (1879-1974) começou a esboçar as primeiras ideias da sua casa de habitação sazonal a partir de 1907, prolongando-se até 1914, data de conclusão da obra.

Contra o academismo importado francês de cariz mais racionalizante de Ventura Terra (1866-1919) e mais revivalista de Marques da Silva (1869-1947), a Casa do Cipreste introduz um novo entendimento da arquitetura doméstica, baseada na nostalgia e na procura transcendente das raízes culturais, tradicionais e espirituais de Portugal.

A casa apresenta-se organicamente distribuída, totalmente integrada na paisagem e segue a tipologia de casa-pátio. Adotando a ideia de que cada volume tem uma forma acordada à função, os módulos vão-se distribuindo em diversas plataformas do terreno. Em torno do pátio-jardim criam-se assim, uma sucessão de ambientes sublimes, de escala mais intimista e de contemplação. A paisagem invade o interior e a luz entra filtrada pela vegetação. A racional hierarquização do programa diversificado, desenrola-se por uma sucessão de acontecimentos ora descobertos, ora escondidos, desde o piso colado à terra até às águas furtadas.

A zona de serviços localiza-se a Norte, a zona de maior importância social a Ocidente e a Sudoeste e as zonas de maior privacidade estão voltadas a Sul. A zona social detém uma maior complexidade planimétrica, sendo a sala de jantar oval e a de estar octogonal.

O desenho é total. Raul Lino desenhou também os painéis de azulejos que se encontram nos alpendres e em alguns interiores e escolheu criteriosamente o mobiliários de maneira a constituírem-se como que corpos integrados.

Raul Lino passou a infância em Lisboa, estudou num colégio em Inglaterra até 1893, ano em que se mudou para a Alemanha, onde estudou artes decorativas e trabalhou no atelier de Albrecht Haupt, estudioso admirador da arquitetura portuguesa, com quem manteve contacto e que muito contribuiu para a sua formação arquitetónica. Em 1897, Raul Lino regressou a Portugal. A partir de então e durante mais de setenta anos realizou inúmeras obras – tais como o concurso para o Pavilhão Português na Exposição Universal de Paris (cujo arquiteto escolhido foi Ventura Terra), a Casa dos Patudos para José Relvas (1904), o Jardim-Escola João de Deus (1914), o cinema Tivoli (1924) e o Pavilhão do Brasil na Exposição do Mundo Português (1940).

Ora, o advento da indústria, no final do séc. XIX dividiu a cultura arquitetónica entre progressistas (os que aceitavam a indústria com otimismo) e os românticos (os que recusavam a indústria por receio do estrito funcionalismo, da produção em série e sem alma). Vanguarda e nostalgia são noções que vão dominar as tendências da arquitetura portuguesa do início do séc. XX e que se irão prolongar ao longo de todo o século.

Raul Lino contraria o advento da era materialista, ‘a regressão aconselhada pelo triste resultado da desumanição geral da vida’ (Lino, 1992) e o gosto pela era da máquina, reclamando antes a expressão de ideias e de emoções profundas. Tenta dar força a todos os aspetos do ambiente doméstico através da inclusão de valores como a espiritualidade, a integridade estrutural e contextual, a assimilação da cultura local, a utilização de materiais locais acompanhados por um respeito pelos métodos tradicionais de construção.

Assiste-se a uma orientação mais artesanal muito a par do trabalho de John Ruskin, Philip Webb e William Morris. O respeito pelo carácter sagrado do artesanato e pela terra tem o poder de aproximar a arquitetura à vida. Raul Lino está convencido que a função cultural do trabalho artesanal é a individualização humana ou até a humanização objetual. Raul Lino apreendeu de Haupt a conceção da cultura como elemento vivo, que deve ser passível de ser experimentada e participada. O uso do ornamento não pode ser excessivo mas a criação de qualquer obra de arte tem de ser total – o design total é a única maneira de dominar todos os aspetos da vida doméstica.

Raul Lino teorizou os seus princípios, não como modelos a aplicar epidermicamente mas antes como valores de distinta intuição cultural – A Nossa Casa, 1918; A Casa Portuguesa, 1929; Casas Portuguesas, 1933; e Auriverde Jornada, 1937.Com a publicação de ‘Casas Portuguesas’ (1933) as preocupações poéticas e artesanais de Raul Lino foram encadeadas de maneira a estabelecer uma série de princípios para ‘arquitetar casas simples’. É ilustrada com vários desenhos de projetos de casas de vários tamanhos, para vários climas e diversas regiões de Portugal numa tentativa direta de recuperar os méritos básicos da casa do pequeno proprietário português e assim tentar colocar a arte ao serviço da sociedade. O desejo pela casa unifamiliar aproxima-se ao postulado pelo movimento das cidades-jardim, formulado por Ebenezer Howard (1850-1928).

A Casa do Cipreste pode ser assim vista como a síntese do significado de arquitetura para Raul Lino – produto do homem para o homem com lugar, história, raízes, e que facilita ‘o sonho de uma moradia própria, independente, ajeitada à nossa feição e adereçada a nosso gosto; reduto da nossa intimidade, último refúgio do indivíduo contra a investida de todas as aberrações do coletivismo… façamo-la verdadeiramente nossa, reflexo da nossa alma, moldura da vida que nos é destinada.’ (Lino, 1992).

Ana Ruepp

 

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