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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Peter Lanyon: lugar, matéria e construção.

 

‘I believe that landscape, the outside world of things and events larger than ourselves is the proper place to find our deepest meanings., Peter Lanyon

 

Peter Lanyon (1918-1964) nasceu na Cornualha e sempre a ela se referiu nas suas pinturas. Entre 1946 e 1964, desenvolveu uma obra pictórica ímpar no universo da arte moderna britânica. Fez parte de uma geração de artistas que viveu em Carbis Bay e St. Ives –Christopher Wood, Ben Nicholson, Barbara Hepworth, Naum Gabo e Patrick Heron.

Foi aluno de Ben Nicholson (que lhe transmitiu o interesse pela abstracção), fez uso da composição cubista (que lhe permitiu utilizar uma linguagem de blocos de cor interseccionados e que se refere a uma realidade multidimensional concreta) e apreendeu o construtivismo de Naum Gabo (que lhe facilitou um novo entendimento espacial).

Na pintura de Peter Lanyon não é só o gesto que conta – e a pintura de Lanyon é muito gestual, muito próxima da pintura americana do pós-guerra. Mas, em Lanyon o gesto transporta a marca do lugar. O lugar é uma experiência, em tempo e em movimento, para ser sentido até ao limite – só assim poderá ser transposto conscientemente para as telas e esculturas. As suas referências são sempre externas. Mais do que representar uma paisagem, os trabalhos de Lanyon evocam e modelam uma existência.

 

‘What I look for in a resolved painting is the certainty of consciousness. I mean that the artist hás taken his work to the point where he is painting with conscious and deliberate emphasis and in doing so understands the meaning of his image.’, Lanyon, 1957

 

Ao voltar para a Cornualha, após a Segunda Guerra Mundial, em 1946, Lanyon reconheceu a importância do espaço, do lugar e da circunstância para a definição da sua identidade.

Nas pinturas da ‘Generation Series’ (‘The Yellow Runner’, 1946 e ‘Construction in Green’, 1947) paisagens apresentam-se escavadas e uma linguagem de protecção, encerramento e formas uterinas é introduzida – densidade, transparências e véus são usados para definir formas curvas. Em ‘The Resolution of Images: Peter Lanyon in context.’, Chris Stephens escreve que estes trabalhos talvez sejam o produto do desenvolvimento de uma linguagem que deriva dos planos curvos e transparentes de Naum Gabo (1890-1977), mas também das ideias de gestação e renascimento do escritor Adrian Stokes (1902-1972). Stephens afirma que a retórica de Lanyon, sobre a obra de arte como outra presença e como um meio para concretizar um tema especifico, vem de Stokes.

 

‘Art is the mirror of life, just because the creative process mirrors and concentrates the character commom to all the processes of living, namely, the identification of inner states with specific objects, animate or inanimate, in the outside world.’, Adrian Stokes em ‘Coulour and Form’ (1937).

 

A sua pintura é espessa, densa, opaca e rica, ocupa toda a tela, apresenta várias camadas e demora por vezes anos a estar completa. E Lanyon produz também esculturas, que são uma extensão tridimensional das telas que pinta: ‘My constructions are not complete things in themselves but are experiments in space to establish the illusion and the content of the space in the painting.’, Lanyon, 1958

Lanyon afirmava que a filosofia construtivista era a base de todo o seu trabalho. No início dos anos 40, executa as primeiras experiências tridimensionais bastante precisas sobre uma base pictórica (Box Construction No.1 e White Track). O construtivismo de Gabo, de facto trouxe a oportunidade de Lanyon explorar o espaço através do sentido de lugar. Mas as assemblagens de Picasso trouxeram-lhe a liberdade de abandonar tudo o que diz respeito ao novo mundo tecnológico, moderno e inovador. No inicio dos anos 50, produz objectos com materiais encontrados e a sua construção precária faz esquecer qualquer tipo de ambição utópica da vanguarda russa.

Entre 1952-55, Lanyon corporaliza o fascínio europeu pela materialidade e autenticidade física da superfície pintada (de Dubuffet, Asger Jorn e Burri). As composições são subdividas, às vezes até ao ponto da desintegração. Os trabalhos utilizam uma abordagem cubista, onde se descrevem paisagens experienciadas pelo movimento. Porém, tal como acontece em ‘St. Just’ (1953), Lanyon deseja revelar a experiência de um lugar filtrado por um olhar histórico, social e mitológico. Mas já a partir de 1956, anseia anunciar somente a experiência fenomenológica de Merleau-Ponty, do corpo num lugar e tempo específico. É durante este período que se concretiza o interesse em referir-se aos lugares onde sólidos e fluidos se encontram. E por isso em1959, aprende a pilotar um planador. E o voo em planador representa para Lanyon o perigo existencialista da integração total do homem na máquina e na natureza (porque o voo é realizado sem motor, conta apenas com as forças meteorológicas e possibilita uma imersão completa na paisagem). A partir de então e até 1964 (Lanyon morreu aos 46 anos, na sequência de um acidente que sofreu de planador), as suas pinturas tornam-se mais leves, com cores mais intensas, com véus de cor que sugerem as deslocações do ar e cada vez mais indistintas dos objectos tridimensionais.

 
Ana Ruepp