A FORÇA DO ATO CRIADOR
Charles e Ray Eames e o sonho moderno americano.
Charles (1907-1978) e Ray Eames (1912-1988) foram um casal criativo americano – Charles, arquiteto e Ray, pintora – que determinou o gosto da classe média americana do pós-guerra. Juntos traçaram uma identidade muito própria do movimento moderno americano – através de uma atuação abrangente e multidisciplinar (mobiliário, arquitetura, artes gráficas, filme e fotografia).
Charles Eames estudou arquitetura na Washington University em St. Louis, mas ao insistir estudar o trabalho de Frank Lloyd Wright (que tanto admirava) foi afastado da universidade, com a justificação de que os seus interesses eram demasiados modernos. Após ter aberto diversas firmas de arquitetura e de ter concebido, em 1935, a Meyer House (a sua obra mais significativa até à data), começou a lecionar na Cranbrook Academy of Art (por influência de Eero Saarinen), no Programa de Arquitetura e Planeamento Urbano. Ray Kaiser após ter estudado na Friend Bennett School em Millbrook, Nova Iorque, foi aceite na Art Students League, onde foi aluna de Hans Hofmann. Hofmann abriu a sua própria escola em 1935, e Ray foi sua aluna durante seis anos – e esse período foi muito importante para a sua formação (o método de ensino de Hofmann era muito exigente e que focado num só meio de expressão considerava que só através da repetição meticulosa se conseguia criar algo verdadeiramente original). Em 1936, Ray foi fundadora do grupo American Abstract Artists que reivindicava junto dos museus e galerias nova-iorquinas o direito de artistas abstratos modernos aí exporem os seus trabalhos. Na primeira exposição organizada pelo grupo, Ray teve a oportunidade de expor junto a Lee Krasner, László Moholy-Nagy e Fernand Léger. Em 1940, candidatou-se à Cranbrook Academy of Art, interessada cada vez mais por tudo o que se relacionava com design. Ora, e foi em Cranbrook que Charles e Ray se conheceram. Em 1941, casaram-se e começaram uma vida nova na California. Enquanto viviam no apartamento desenhado por Richard Neutra, na Strathmore Avenue, criaram a máquina Kazam! para moldar madeira – através desta técnica criaram diversas peças de escultura e mobiliário, mas mais importante foi a invenção de uma tala de madeira que Charles e Ray conceberam para as pernas dos militares feridos durante a guerra.
Em Los Angeles, estabeleceram amizade com John Entenza, o famoso editor da revista Arts & Architecture. Desde logo, Charles e Ray começaram a colaborar na revista – na conceção gráfica de dezenas de capas e na elaboração de diversos artigos. O Programa das Case Study House foi oficialmente lançado nas páginas de Arts & Architecture, em 1945 (tendo terminado em 1962). E tinha as suas origens no concurso ´Design for Postwar Living’ lançado, também pela revista, em 1943 e 1944. Sendo assim, John Entenza desafiou vários arquitetos – entre os quais Richard Neutra, Charles Eames, Eero Saarinen, Raphael Soriano, Pierre Koenig – a integrarem o programa das Case Study Houses, com o objetivo de fazerem uma arquitetura que seguia os princípios do movimento moderno, adaptados à tecnologia disponível durante a guerra e que respondia à sensibilidade da classe média americana. Deseja-se uma arquitetura doméstica construída através de princípios de prefabricação, produção em massa e industrialização. Entenza propôs um vasto programa de 34 casas, mas só 23 foram concluídas. Entenza comprou um terreno com vista para o oceano Pacífico com o objetivo de construir uma Case Study House para si próprio. Metade do terreno de Entenza foi comprado pelo casal Eames que também ansiava conceber e viver numa Case Study House.
A Case Study #8, foi inicialmente concebida por Charles Eames e Eero Saarinen e a solução final construída sofreu grandes alterações ao projecto. Com Saarinen, Charles concebera um bloco flutuante, transparente, puro e paralelepipédico perpendicular à encosta e ao volume do atelier e virado para a paisagem. Porém, após Charles e Ray experienciarem o terreno – através de várias visitas ao terreno, organizadas com Entenza enquanto esperavam pela chegada das peças estruturais pré-fabricadas de aço – o projecto alterou-se e a casa foi reposicionada agora em linha com o volume do atelier.
‘For a married couple both occupied professionally with mechanical experience and graphic presentation… The house must make no insistent demands for itself, but rather aid as a background for life in work.’, Charles Eames, 1945
Charles desejava com o seu projeto ‘maximum volume from minimum materials’. E a Casa Eames (Case Study # 8) é assim constituída por dois corpos escondidos e protegidos por detrás de uma fila de eucaliptos – foi a existência desta parede vegetal que alterou o projecto (mas também Charles rodou o volume 90º graus e colou-o ao chão pela demasiada semelhança a um projecto de uma casa de vidro de Mies Van Der Rohe). O interior de cada volume desdobra-se em dois planos, possibilitando a existência e usufruto de duplos pés-direitos e níveis distintos de vivência e intimidade. A transparência da fachada é alternada com painéis opacos que têm as cores primárias. A vista não é o foco principal, valoriza-se antes a luz matinal que entra filtrada pelos eucaliptos e por entre os painéis coloridos e texturados. Apesar de partir de princípios de estandardização, a Casa Eames consegue estar associada uma individualidade muito própria – pela escolha muito particular das cores e materiais da fachada, pela variedade de superfícies e tecidos e objetos no interior.
As Case Study tornaram-se autênticos showrooms e são exemplares no uso de sistemas construtivos padronizados, principalmente em aço e na aplicação de preços controlados e rapidez de execução. Na sua maioria, as Case Study Houses apresentam-se como objetos na paisagem mas trabalham um espaço fluido interior (legado de Frank Lloyd Wright). Na verdade, Entenza consegue sobretudo com esta ação transformar uma inicial sensibilização social num verdadeiro produto de luxo – e o casal Eames em muito contribuiu para este fenómeno, ao deixar-se fotografar na sua casa já mobiliada e habitada e tão cénica.
Charles e Ray Eames personificam assim a felicidade americana do pós-guerra (casal moderno que constrói uma casa em cenário idílico para simultaneamente trabalhar e viver). Desde cedo, o seu modo de trabalhar (ao produzirem peças de mobiliário de alta qualidade e a preços baixos) maximizava a eficácia construtiva de elementos industriais em casas e objetos confortáveis, icónicos e desejáveis.
Ana Ruepp