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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

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   Minha Princesa de mim:

 

   Vezes demais, quando nos pomos a analisar acontecimentos e a procurar em que circunstância se situam, ou que outros factores, intrínsecos, ou circunstanciais ainda, presentes ou passados, os possam explicar, caímos nas armadilhas do preconceito ou da especulação. Ao iniciar a escrita desta carta, Princesa, tenho consciência e receio disso mesmo. Eis porque recorro a outros relatos, opiniões e juízos  --  não tanto por fazê-los meus, mas para balizar o meu discurso. Alertou-me a curiosidade preocupada o facto de toda a gente falar e pronunciar-se sobre os atentados terroristas em Paris, em 13 de Novembro de 2015, azarenta sexta feira, enquanto quase passava despercebido o que, horas antes, na véspera desse mesmo dia, ceifara em Beirute, no Líbano, quarenta e três vidas inocentes... Já antes, em Ancara, outro atentado matara 102 pessoas; e o MetroJet russo, explodido por bomba no céu do Egipto, 224. Os autores de todos esses atentados agiram a mando do Daech. Termos noção de que assim foi ajudar-nos-á a entender melhor as razões destas recentes atrocidades: porque decidiu agora o autoproclamado Estado Islâmico lançar tais ofensivas de terror?  Parece-me útil procurarmos razões estratégicas no contexto da guerra presente, perceber também as suas raízes históricas e, finalmente, debruçarmo-nos sobre o fascínio psicológico que acções de terror, tantas vezes suicidas, exerce sobre gente tão jovem.

   Os analistas têm concordado nas razões estratégicas de ambos os atentados (Beirute e Paris): nos dois casos (e quem nos diz que não haverá outros mais, dentro em breve?) há um propósito de desforra dos recentes ataques e desaires sofridos pelo Daech no que considera "seu" território, como se dissesse: vocês vêm cá, nós vamos aí! Também se pretende assim criar um clima de ameaça e medo, quase um anúncio apocalíptico. E, finalmente, provocar ressentimentos e divisões: no caso do Líbano, entre muçulmanos chiitas e sunitas; no palco europeu, entre o resto do mundo e o mundo islâmico. Pretendendo-se agir em nome de Alá, o que se procura, afinal, é fomentar a desconfiança e o ódio cultural e religioso.  É evidente que os atentados em Paris têm (têm tido, tiveram)  um efeito mediático  muito maior do que a carnificina dos dois ataques suicidas em Bourj El-Barajneh, no subúrbio sul de Beirute. Mas devemos não esquecer que, não só o objectivo de desestabilização é o mesmo, como, ainda, que no caso do Líbano se visou atingir um tecido social e político muito mais frágil e próximo do epicentro deste sismo terrorista: as coligações políticas libanesas, chita e sunita, ambas têm procurado ultrapassar as suas divergências, a fim de conduzirem a necessária luta contra a "djihad". É tempo, também, de europas e natos olharem menos para o umbigo, e perceberem melhor a importância estratégica dos países circundantes do centro sírio-iraquiano --  aliás mais "invadidos" por refugiados de bombardeamentos e sevícias várias do que a queixosa Europa --  como a Jordânia e o Líbano. Para não falar de um novo cuidado na condução das relações com o Irão e a Turquia, as nações curda e palestina, Egipto, Israel e Arábia Saudita... 

   Digo tal, por me parecerem um tanto assustadores o esquecimento da história e o alheamento da realidade presente que a sociedade europeia hoje manifesta. Começando pelo último, como é possível não se entender mesmo, e bem, que vivemos num mundo da maioríssima proximidade, ou que os pobres refugiados que todos os dias procuram acolhimento em nossa casa são nossos muito vizinhos? Que a sua desgraça não é um problema só deles, mas nosso, muito nosso? Teremos, penso, certamente, nós e a nossa cultura, mais amigos esperançados nessa gente que foge do horror, do que nos ressabiados que criámos no nosso seio e são hoje os desesperados de nós, os tais que alinham no Daech... Recorro ao artigo de Vasco Pulido Valente  --  com quem nem sempre concordo  --  no Público de 15 de Novembro: Não esqueçamos que a Síria foi uma colónia francesa entre 1919 e 1941, quando a Inglaterra expulsou as tropas de Pétain, para grande indignação do general De Gaulle e desgosto do Império. Durante todo o século XIX e grande parte do século XX, as potências nunca deixaram de se guerrear pelo domínio do Mediterrâneo oriental e da longa costa da África do Norte: a Inglaterra, a França, a Espanha, a Alemanha e, depois de 1945, a própria América...   ... O Ocidente, por razões que variaram com a época e o país, sempre se achou dono da África do Norte e do Médio Oriente. Estes refugiados de hoje, digo eu, são também fruto das divisões e zangas religiosas, políticas, sectárias e nacionais, que as potências europeias, a mando das suas próprias razões de ganância petrolífera e outras preocupações estratégicas, por lá andaram a semear e desenhar. Por outro lado, a partir dos finais do século XVIII  --  recorde-se a expedição de Napoleão ao Egipto, por exemplo  --  os ideais do Iluminismo, como os da Revolução Francesa, foram chegando ao mundo islâmico, onde, aliás, tal como viria a acontecer no Japão da era Meiji, se despertou uma percepção da superioridade científica, técnica, económica, militar e política do "Ocidente" e, em elites locais, um desejo de emulação. O islão  --  como bem o exemplifica a implantação, por Ataturk, da república laica na Turquia, em 1924  --  dividiu-se entre ocidentalizados, ou ocidentalizantes, e defensores da tradição de estados teocráticos e do primado do direito religioso (nós diríamos canónico). Este trauma perdura, o islamismo hodierno não só separa dois mundos  --  o islâmico e o não islâmico  -- mas ainda, além de chiítas, sunitas, etc., os ocidentalizados e os outros. E estas divisões explicam muito dos ódios em curso...

   Encadeio aqui com o psicanalista Fehti Benslama que, em entrevista a Le Monde, no passado 14 de Novembro, chamava a nossa atenção para que os traumatismos históricos têm uma onda de propagação muito comprida, sobretudo quando uma ideologia os conecta às massas. As gerações transmitem-nos de tal modo que os indivíduos os vivem como se fossem herdeiros de infâmias, conhecendo, ou não, os factos. O ano de 1924 marca o fim do último império islâmico [ é quando a República Turca sucede ao Império Otomano], com 624 anos de idade, a abolição do califado, isto é, do princípio da soberania teológico-política no islão, e a fundação do primeiro Estado laico na Turquia. O território islâmico é despedaçado e ocupado pelas potências coloniais, os muçulmanos passam da posição de senhores para a de subalternos em sua casa. É o desabar dum pedestal com 1400 anos, é o fim da ilusão  da unidade e do poder. Instala-se então o fantasma melancólico da dissolução do islão num mundo que ele já não governa. O sintoma dessa fractura histórica é o nascimento, em 1928, das Irmandades Muçulmanas, movimento que é a tradução, numa organização, do que poderíamos chamar a teoria do "ideal islâmico ferido, que deve ser vingado. O islamismo promete o restabelecimento do califado, pela derrota dos Estados. Essa reacção é proteiforme: literalista, puritanista, cientista, política ou guerreira. Veicula a recordação do traumatismo e projecta-a sobre a actualidade  desastrosa de populações que sofrem expedições militares ocidentais e guerras civis. Antes de voltarmos a Fehti Benslama, que diz que, para os desesperados, o islamismo radical é um produto excitante, olhemos para o que os vários serviços secretos revelam sobre o recrutamento de jovens para a djihad.

   Muitos deles são estrangeiros, quiçá metade de origem francesa, nem todos de famílias muçulmanas ou de etnias não europeias, tampouco de bairros pobres ou marginais, mas cada vez mais vindos da classe média, com aumento sensível da percentagem dos de sexo feminino, bem como de titulares de diplomas e habilitações científicas e técnicas de nível superior. Os mais qualificados trabalham na retaguarda, exercendo funções de organização e planeamento, ou de investigação e gestão de produção. Apesar de se registar a conversão ao islão de 30 a 40% desses recrutas, as condições financeiras oferecidas  --  bem como outras compensações de ordem material e sexual  --  parecem ser mais determinantes do que a religião nos processos de adesão ao Daech. Mas está-se ainda longe de uma tipologia rigorosa dos militantes desse movimento terrorista. Pessoalmente, tenho reflectido mais sobre o porquê do êxodo de jovens criados nas nossas sociedades de afluência, abastadas e consumistas, para um mundo desconhecido e em clima de fanatismo, ódio e guerra. Alertou-me para uma reflexão mais profunda um passo da entrevista do doutor Fehti Benslama, professor de psicopatologia na universidade de Paris-Diderot, e que participa, a convite do governo francês, na criação de um centro de acolhimento de jovens que regressem da Síria. Depois de assinalar que dois terços dos radicalizados recenseados em França têm entre 15 e 25 anos, e um quarto deles são menores, diz o seguinte:

   A grande maioria está nessa moratória da idade adulta que confina com a adolescência persistente. Este período da vida é levado por uma avidez de ideais sobre fundo de remodelações dolorosas da identidade. O que hoje chamamos "radicalização" é uma configuração da perturbação dos ideais da nossa época. Eis o ângulo de visão próprio à psicanálise: os ideais através dos quais se ligam o individual e o colectivo na formação do sujeito humano. A oferta djihadista capta jovens que estão em angústia por sentirem falhas identitárias importantes. Propõe-lhes um ideal total que cumula essas falhas, permite uma recriação de si, quiçá a criação de um novo eu ou, por outras palavras, uma prótese de crença que não sofre qualquer dúvida. Esses jovens estavam portanto à espera, sem necessariamente mostrarem perturbações evidentes. Em certos casos vivem tormentos assintomáticos ou dissimulados; são esses os mais imprevisíveis, por vezes os mais perigosos, como traduzem, depois da passagem a actos violentos, testemunhos tais como: "Era um rapaz simpático, sem problemas, amigo de ajudar, etc..." Noutros casos, as perturbações já se tinham manifestado através da delinquência ou da toxicomania.

   Esta última referência lembra-me que, entre os perpetradores dos atentados de 13 de Novembro, estavam precisamente indivíduos com passados de crime e de droga, alguns já com cadastro policial e penas mais ou menos cumpridas. A correcção de algum laxismo policial e judicial compete às autoridades competentes. A condução das, infelizmente necessárias, acções militares também. A mim, a todos os cidadãos, cabe acompanhar esses esforços, democraticamente, com a devida atenção à sua justiça. Mas, sobretudo, somos chamados a reagir sem ódio nos nossos corações, e a procurar entender as circunstâncias e causas de tanta desgraça. Porque o que mais nos deve afligir  --  para além do mal que vamos vendo e da necessidade de o combater  --  é a sociedade e a cultura que temos consentido, e até fomentado, com leviano esquecimento do nosso fundamental dever de procurar sempre o modo humano do tempo, isto é, os valores que nos guiem no respeito fiel da nossa dignidade e grandeza.

   Dou-te a mão  --  despedindo-me com a emoção sentida por tudo isto  --  para que rezes comigo, hoje à minha maneira: não para pedir o que penso, desejo ou quero, mas para simplesmente nos pormos à escuta de Deus

 

         Camilo Maria

   

Camilo Martins de Oliveira

SEMPRE AMANHÃ

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Entrei pela fronteira

Quis conhecer a terra de ninguém

Escutar os versos de um país de quem?

Lá, muito perto de onde todos se retiram

Pois os murmúrios, muitos

Vindos dos céus e do que não pode ser

Tecem os dentes num ranger duro e roto

E quem souber de um praticante destas terras

Saberá que Nero fez aqui Roma arder

E que os poetas se enterraram por calçar

Sois vós servido?

Para o frio levai coisa escolhida

E vão como eu palmilhando sem cuidado

Que a terra é de ninguém

E todos furtam consentidas e tiranas paciências

Ó vossa mercê, meu rei, observai

Que quase chego à outra terra

A que tem dono e terrestre muro

E pólvora soberba e disparo

Afinal, seguro

Por mãos ladronas, línguas longas,

Flores ufanas

Tanto e nunca, quando?

Amanhã

Sempre amanhã

 

Teresa Bracinha Vieira
Novembro 2015

ATORES, ENCENADORES - L

 

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A DESPEDIDA DE LUÍS MIGUEL CINTRA

 

Uma breve nota a assinalar a retirada de Luís Miguel Cintra da função de ator, anunciada em outubro e concretizada, no passado domingo 15 de Novembro, com o último espetáculo do “Hamlet” no Teatro Joaquim Benite. A peça fora estreada no Teatro do Bairro Alto, numa produção/encenação do próprio Luís Miguel Cintra, integrada no programa da companhia do Teatro da Cornucópia.

Recordo textos antigos: nos anos 60 já fazia crítica de teatro, designadamente na EN. Referi e analisei espetáculos, encenações e interpretações de Cintra. E designadamente num texto de Junho de 1969, que intitulei «Hóspedes de Anfitrião», dava notícia crítica da encenação do «Anfitrião ou Júpiter e Alcmena» de António José da Silva, pelo Grupo de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa, interpretado e dirigido pelo então jovem aluno Luís Miguel Cintra.

Lembro-me desse espetáculo de estudantes e releio, na crítica que escrevi, os elogios à encenação e à interpretação e que apontam para uma apreciação positiva, não só do espetáculo em si – e era, insista-se, uma companhia de estudantes, mesmo que hoje saibamos a profissionalização e a carreira sequente – mas sobretudo pelos critérios estéticos definidos.

Designadamente, na altura escrevi que «Luís Miguel Cintra procurou um efeito de distanciação através do esquematismo e geometrismo de movimentos, por forma a destacar plasticamente o solilóquio, o aparte, a comunicação direta».

E salientei ainda que nada no espetáculo seria arbitrário: a deformação dos corpos, para além da distanciação, provocava certo sentido evocativo de bonifrates que recordo agora com interesse. E mais escrevi na época: «a deslocação de vozes defende os artistas incipientes (eram alunos da FLL…) e provoca efeitos cómicos. A estruturação geral da cena, os elementos cenográficos revela lucidez e inteligência».

Consulto o meu arquivo e encontro uma lista dos então estudantes que intervieram no espetáculo: além de Luís Miguel Cintra ator-encenador, Silva Melo, Ermelinda Duarte, Eduarda Dionísio, Maria de Fátima Pinto, Maria Luísa Matos, António José Miranda… alguns fizeram boas carreiras no teatro profissional, com o destaque aqui óbvio para Luís Miguel Cintra.

Ora é oportuno referir também que Luís Miguel Cintra participou em mais de 50 filmes, com destaque para a colaboração com Manoel de Oliveira, em cerca de 20 produções, desde «Le Soulier de Satin», de 1985, adaptação da peça de Claudel numa coprodução luso-francesa.

Jacques Parsi, no ensaio que dedica á obra de Manoel de Oliveira, recorda a propósito que Cintra, «depois de ter recusado sucessivamente incarnar Eduardo na “Benilde” e Baltazar Coutinho em “Amor de Perdição” fazia uma entrada notável no universo de Manoel de Oliveira» (in “Manoel de Oliveira Cineaste Portugais” ed. FCG 2002).

E termino esta evocação com uma referência colhida no recente livro de Vítor Pavão dos Santos, intitulado «O Veneno do Teatro ou Conversa com Amélia Rey Colaço», que também noticiei no precedente artigo desta série. Falando com Pavão dos Santos aí por 1984, Amélia manifesta o desejo de «dar nova vida à Leonor Teles de Marcelino Mesquita” com Eunice Muñoz e Luís Miguel Cintra, “que me dizem tem muito talento”», (in ”O Veneno do Teatro ou Conversas com Amélia Rey Colaço” Bertrand ed. 2015)


DUARTE IVO CRUZ

LONDON LETTERS


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The barbarians inside the gates – Paris 13/11, 2015

As palavras sempre escasseiam face à barbárie. Paris 13/11 é o selo da violência dos jihadistas no coração da Europe, no nosso coração. O sangue recorda o inimigo interno que nos faz guerra e o projéctil nota

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que manter sem controlo a cosmopolita política comum das open borders soa a irrealidade suicidária. Os alvos dos terroristas vão desde cafés a um concerto musical e um jogo de futebol, evidenciando que satisfazem o desejo de assassinar o nosso modo de vida, o respeito pelas opções de cada um, enfim: a nossa liberdade. — Allons enfants de la Patrie! Os brutais atentados são reclamados pelo Isis. Prometem a tempestade. Servem a morte dos 129 inocentes que lamentamos. Espalham a discórdia face aos refugiados que do seu califado fogem. Semeiam farto medo, algures a refletir em voto securitário num qualquer Le Pen do dia. — Hmm! We need to take absolute barbarity seriously and seriously think it. A ex US Secretary of State Condoleezza Rice e Mr Martin Luther King III participam em Birmingham numa conferência mundial sobre cultural relationships & opportunities. O crescimento económico na Eurozone permanece anémico. O G20 Summit reúne em Antalya (Turkey).

Days mainly dry with a cooler sun na ilha. But first things first: Paris is just a 2 hour train ride from the centre of London. As ondas de choque da agressão no 11th arrondissement estão ainda em expansão. Por lá chora-se de dor e por cá ensaia-se perceber how the attacks change things. O dito Islamic State retalia na semana em que se presume a morte do líder Abu Nabil al Anbari e do carrasco Jihadi John, após perdas sérias no terreno. Mas o diabólico poder do mal sempre desconcerta, sempre atordoa e urge para a ação. Com a tristíssima recordação dos 7/7 bombings bem presente, tropas das forças especiais patrulham ruas e locais críticos da segurança no reino. O Prime Minister RH David Cameron revela no programa Today, da BBC 4, que as agências britânicas “stopped seven attacks in the last six months.” Se o grau da ameaça suspende as Westminster politics as usual, nítida fica a clivagem existente na House of Commons. O Tory Government anuncia mais 1,900 intelligence officers a recrutar pelo GCHQ, MI5 e MI6 enquanto robustece a iniciativa diplomática junto de Moscow para a coordenação com os USA e outros “to defeat Isis in Syria.” Já a Labour Opposition reitera que se opõe a uma intervenção militar no Middle East e mesmo a novos bombardeamentos aéreos, na ausência de um mandato das United Nations.

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A dissonância gela. Inequívoco é que o terrorismo coloca um complexo desafio à democracia, aos seus valores e direitos fundamentais. O céu dos princípios obriga a defesa inteligente e diligente rumo a ambicionada paz na terra das pragmáticas. Ora, o dia 15th November 1985 fixa na memória o The Nixon’s moment of RH Margaret Thatcher: o Anglo-Irish Agreement, assinado pelo Taoiseach Gatret FtizGerald e pela UK Prime Minister – ela própria alvo de um atentado terrorista e alguém sem mácula no combate aos extremismos. Pesem todas as nuvens, e muitas há, o acordo é unanimemente classificado como “the real deal that changed the game.” O método thatcheriano do conflict transformation in Northern Ireland prova. Tudo é aqui tratado no segredo privado, a salvo de balas dos separatistas católicos do IRA (Irish Republican Army) e de bloqueios dos lealistas protestantes da IUA (Irish Unionist Alliance). Já o fruto é objeto de máxima exposição pública em conferência de imprensa. O cuidado desce ao detalhe. Os jornalistas são agrupados nos aeroportos somente munidos de bilhete de avião descrito pelo editor político do Irish Times, Mr Stephen Collins, como "standard airline tickets with one important difference: the destination was unknown." O pacto de Hillsborough Castle abre curso à pacificação nas mentes e nos corações dos que sofrem nas sangrentas e seculares barricadas. A lição de Co Down (Ire) persiste: a relação entre a liberdade e a segurança não é questionável, sim é equacionável no mapa funcional da resposta às ameaças – numa cultura de paz.

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 Os atentados d’além Channel quase obnubilam outro importantíssimo dossier eurodoméstico. RH David Cameron esteve na Chatham House a apresentar objetivos e etapas com que, até 2017, realizará as negociações e o referendo sobre a Brexit. O PM apresenta um caso no fio da navalha. A par do robustecimento da competitividade e da fairness entre os estados in & out da Eurozone, uma das dimensões enfatizadas pelo líder do UK carece ainda de devida atenção por parte dos parceiros continentais: “the forthcoming EU referendum is not about Britain’s economic security but also its national security.” A insistência de Downing Street no controlo das fronteiras é já, quer se queira ou se não queira, com France em estado de guerra e o demais West sob alerta vermelho, mais uma questão de prudência que de soberania. — Hmm! We live by information, not by sight. As well we exist by faith in others.

 

St James, 16th November
Very sincerely yours,
V.

A VIDA DOS LIVROS

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De 16 a 22 de novembro de 2015

Assinada em Faro há dez anos, a Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na Sociedade Contemporânea merece uma especial atenção, exigindo-se um esforço especial de cooperação entre instituições académicas e científicas, da sociedade e da economia, públicas e privadas, de modo a preservar o legado das gerações que nos antecederam e a transmiti-lo de modo fiel e enriquecido a quem nos suceder.

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LEMBRAR A CONVENÇÃO DE FARO
Na comemoração dos dez anos da Convenção de Faro, a Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre o valor do Património Cultural na sociedade contemporânea, que teve lugar no Teatro das Figuras, na cidade de Faro, a 27 de outubro, foi possível, com o Município da capital algarvia e a Universidade do Algarve, pôr a tónica na defesa e salvaguarda da memória histórica e cultural, encarada como realidade dinâmica, como ponte entre o que recebemos das gerações passadas e o que construímos hoje no sentido de valorizar e proteger tal acervo. Lídia Jorge assinalou a grande importância da salvaguarda do património cultural como fator de paz e de reconhecimento da terra – referindo os casos da destruição de bens patrimoniais que prolongam o sacrifício bárbaro de vidas humanas, como tem acontecido no Iraque e na Síria… Palmira, como antes a ponte de Mostar, são exemplos do triunfo da barbárie perante a indiferença de muitos. A verdade é que o serviço e a proteção do património cultural são responsabilidades da cultura, da cidadania, do respeito e da paz – o que obriga a que haja uma visão de conjunto, complementaridades e autêntica cooperação. Infelizmente, aquilo a que assistimos não tem a ver com essas ideias, mas com indiferença e com leviandade. Todos puxam para seu lado, sem preocupação de criar catalisadores suscetíveis de proteger o património construído e imaterial, que temos o dever de legar nas melhores condições às gerações futuras.


EXEMPLOS DA NATUREZA
Há exemplos que nos são dados pela natureza e que constituem motivo sério de reflexão sobre as noções de património e de memória. As borboletas-monarca são alvo de atenções especiais dos cientistas, em virtude das misteriosas migrações que protagonizam de muitos milhares de quilómetros e há milhões de anos, no Atlântico e no Pacífico, especialmente nas Américas. Tendo uma vida curta, de 2 a 7 meses, esse tempo não permite a estas borboletas realizarem mais do que uma viagem em vida e num só sentido – demonstrando que a memória genética pode ser mais importante do que a aprendizagem. Um segundo exemplo tem a ver com as nossas observações do firmamento. Verificamos que muitos dos corpos celestes que ainda vislumbramos, há muito que estão extintos e no entanto ainda parecem ser nossos contemporâneos, em virtude da «lentidão» da velocidade da luz. Vemo-los, mas já não existem… O terceiro caso relaciona-se com os belos jacarandás que temos em Portugal e que têm uma fugaz floração, quase impercetível no outono europeu, uma vez que prevalece a lembrança genética da primavera brasileira. Afinal, as árvores têm memória. As três referências levam-nos a dar uma especial atenção às nossas responsabilidades ligadas ao tempo e ao que dele recebemos. No fundo, temos o dever de estar atentos ao valor dinâmico do que recebemos e do que legamos – seja memória genética, seja perceção virtual do passado, seja reminiscência histórica… Quando falamos de património cultural é de atualização criadora que cuidamos – pelo que não é apenas o passado que importa, mas sim uma responsabilidade presente que renova e atualiza a fidelidade à herança recebida. Quantas épocas diferentes, quantos estilos, quantas intervenções compõem o mosteiro dos Jerónimos? O mesmo se diga das grandes catedrais europeias, que foram sendo construídas em diversos momentos e em camadas arqueológicas e arquitetónicas múltiplas. Na catedral de Salamanca, entre os elementos decorativos foi acrescentada no século XX a representação de um pequeno astronauta, que não choca quem o descobre e que apenas demonstra que a História não se detém. Também no património imaterial, assistimos a atualizações, desde a gastronomia aos hábitos e costumes, não esquecendo a língua…


DIVERSIDADE DE CULTURAS E PERTENÇAS
A diversidade cultural e a pluralidade de pertenças obrigam, deste modo, a recusar as identidades fechadas, uma vez que estas só ganham pleno sentido quando abertas e disponíveis para dar e receber, e para assegurarem um permanente diálogo entre a tradição e a modernidade. Tradição significa transmissão, dádiva, entrega, gratuitidade. Modernidade representa o que em cada momento acrescentamos à herança recebida, como fator de liberdade e de emancipação, de autonomia e de criação. A novidade resulta sempre desse diálogo entre o que recebemos e o que criamos. E a cultura situa-se no ponto de encontro e de saída – não em confronto com a natureza, mas de complemento relativamente a ela. A terra, as casas, os lugares, as regiões, os povos, as nações têm um espírito, sempre feito de diferenças e de interdependência. Eis por que se tornou importante, em nome da dignidade da pessoa humana e da procura de um “património ou herança comum”, considerar, em ligação com o reconhecimento de um “código genético cultural”, os valores que o homem intui na sua experiência individual e social e que, depois, reelabora racionalmente, com ideias de proporção e de ordem, com vista à realização do bem comum, segundo o que exigem os valores da pessoa e a conservação e desenvolvimento da cultura. A Convenção de Faro insere-se na coerência do Conselho da Europa expressa nas Convenções de Granada de 1985, sobre o património arquitetónico, de La Valetta de 1992, sobre o património arqueológico, e de Florença de 2000, sobre a paisagem. Trata-se do culminar de uma reflexão levada a cabo desde os anos 70, em matéria de “conservação integrada” dos bens culturais. Sem retornar a mecanismos de proteção cobertos pelas Convenções precedentes, o texto de 2005 insiste nas funções e no papel do património: trata-se de passar do “como preservar o património e segundo que procedimento”, à questão do “porquê e para quem dar-lhe valor”. Se é importante preservar e saber como fazê-lo, tornou-se indispensável introduzir o elemento teleológico – por que razão e com que finalidade procedemos à preservação e à conservação, longe de uma perspetiva de antiquário ou de “bric-à-brac”, mas dando um valor social e histórico aos bens do património material e imaterial. Por outro lado, a noção de património comum (de várias culturas) está na encruzilhada e no ponto de encontro de várias pertenças. E, indo mais longe do que outros instrumentos e convenções, o texto visa prevenir os riscos do uso abusivo do património, desde a mera deterioração a uma má interpretação enquanto “fonte duvidosa de conflito”. Um mesmo bem patrimonial pode estar ligado a tradições diferentes ou conflituais e haverá a tendência para valorizar apenas a conceção dominante atual. Caberá à sociedade encontrar o denominador comum, que permita evitar ser fonte de conflito.


Guilherme d'Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

 

CONTOS BREVES

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18.  INÊS DE DEUS

 

Diz-se que o nome de Inês (Agnes) significa, em língua grega, Pura. Quiçá seja mais pelo simbolismo da virgindade como entrega a Deus, ou sacrifício, isto é, feito sagrado o próprio corpo, até ao martírio. Terá este ocorrido em meados do século III, e os registos cristãos, desde a Depositio Martyrum, de 354, situam-no num 21 de Janeiro, dia em que, hoje ainda, se celebra a festa de Santa Inês. É no século IV que ela surge louvada na literatura cristã, designadamente na exortação De virginibus, que Sto. Ambrósio lhe dedicou, nesse aniversário, em 376. Provavelmente será do mesmo autor o hino Agnes beatae virginis, mas muitos outros doutores da Igreja a referem e louvam em escritos e sermões, incluindo S. Jerónimo e Sto. Agostinho, popularizando-se, aliás, o seu culto pela Itália, África e Palestina. Já no século XIII, Tiago Voragino escreve na sua Legenda Aurea: Inês, virgem muito sage, no testemunho de Ambrósio, que redigiu a sua Paixão, tinha treze anos de idade, quando perdeu a morte e ganhou a vida. Esta expressão traduz bem a conta em que a cristandade, mesmo depois das perseguições de que fora hostia (vítima) tinha o martírio, sacrifício supremo, como o do Redentor Cordeiro de Deus. É interessante  --  e explica muito do culto teológico e popular a Santa Inês  --  olhar para a etimologia que o Voragino apresenta do nome próprio: O nome de Inês (Agnes) vem de agna, «anhela», porque ela foi doce e humilde como uma «anhela». Ou então, vem o nome do grego agnos, que significa piedoso, porque ela foi piedosa e misericordiosa. Ou virá de agnoscere, «conhecer», porque ela conheceu a via da verdade. Ora, segundo Agostinho, a verdade opõe-se à vaidade, à falsidade e à duplicidade, três vícios que ela repeliu pela verdade que manifestou. No relato do autor da Lenda de Oiro, a história da paixão de Inês começa quando, certo dia, ao regressar da escola, foi vista pelo filho do governador, que logo dela se apaixonou e a quem prometeu inúmeras joias e riquezas, se aceitasse desposá-lo. A menina recusa, pois já pertence a Cristo. Ouvindo isso, o jovem foi tomado de loucura, teve de acamar-se e, pelos seus profundos suspiros, os médicos descobriram que ele estava doente de amor... Tal doença  --  todos devemos sabê-lo  --  consta que é tão velhinha como a humanidade, e já na antiguidade se diagnosticava. O paciente desta morreu, mas foi ressuscitado pela oração da Santa e começou a pregar o cristianismo. Assim enfureceu os sacerdotes e algozes pagãos que, finalmente, a sacrificaram. Num seu Praefatio, escreve Sto. Ambrósio: Santa Inês, desprezando as seduções da nobreza, mereceu a glória celeste, desdenhando os desejos da sociedade humana, associou-se a um rei: sofrendo uma morte preciosa para confessar Cristo, a Ele simultaneamente se tornou conforme. 

Mais de meio milénio depois, Paul Claudel dirá que Inês teve o privilégio da neve, e o Cordeiro como prémio:

 

          Mais Agnès a ce privilège,

                     la neige,

          Agnès a reçu ce cadeau,

                    l´Agneau

 

A neve é branca e pura. Como o alvo velo do anho, do Cordeiro.

E a minha neta Inês dirá: Avô, é tão bonito e bom ver as palavras dançar e cantar! Dizem mais do que logo julgamos perceber, não é, Avô? E o tal Avô  --  que, nestas ocasiões, é um velho mais velho e relho do que eu  --  com aquele carinho tão especial que nos dá a vivência da despedida próxima, rende-se ao sorriso e à vida: Os símbolos, netinha, são faróis e espelhos; as lendas e histórias que no-los contam são lições e desafios. Há jactos de luz que nos mostram caminhos possíveis, mas só no tempo e no modo de cada um de nós nos reconheceremos, nesse esforço de achar o caminho certo. Nenhuma verdade se ensina em qualquer escola. A verdade das nossas vidas é esse esforço de comunhão com o espírito, fiel e misericordioso, de bem querer. A essa disponibilidade eu chamo virgem.

 

Camilo Martins de Oliveira

13 de Novembro de 2015

 

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Aos inocentes, o que lhes pertence: a inocência, a paz, a solidariedade, a liberdade, o amor, a ausência de dor, a raiz da dimensão humana, um novo tempo, uma nova consciência que salgue definitivamente quem os não respeita.

Et c’est déjà beaucoup de n’employer que des pierres authentiques

 

M.Y.., notes «Memoires d’Hadrien»

     
Teresa Bracinha Vieira

 

 

A FORÇA DO ATO CRIADOR


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A magia do cubismo e o espaço construtivista.


No texto ‘From Cubism to Construtivism’, Herbert Read sugere que o cubismo surgiu da confluência de duas fontes: das pinturas de Cézanne e da escultura tribal africana. Apesar de não ser claro qual dos dois – Picasso ou Braque – ter sido o primeiro a exercer essa fusão, Read avança com a hipótese de ter sido Picasso a trazer a influência da escultura negra (já tão presente em ‘Les Demoiselles d’Avignon’) e Braque a transportar a arte de Cézanne. ‘Cubo’ é uma palavra que indica a existência de uma tridimensionalidade. Ao serem combinados vários pontos de vista, com o cubismo, cria-se a síntese necessária e dinâmica para produzir o volume em todas as suas dimensões e assim poder representar a realidade tal qual é. Na verdade, a melhor maneira para representar os seus diversos pontos de vista é através do uso de planos sucessivos, reforçando assim a impressão de uma estrutura sólida. Ora, a partir de 1913, Picasso e Braque conseguiram através da Assemblage enfatizar a textura da superfície da pintura – objectos variados combinam-se sobre a tela (papel, linóleo, peças de madeira, cordas). Partindo destas assemblagens Picasso criou a primeira peça de escultura – Glas of Absinthe (1914) – feita através de objetos ready made.

Este novo tipo de escultura/pintura assemelha-se às construções construtivistas russas. Mas, os construtivistas (como Tatlin, Gabo e Rodchenko) procuravam sobretudo produzir objectos impessoais cujas relações espaciais são tão abstractas como fórmulas matemáticas – em alguns casos aproximam-se até, desinteressadamente, de modelos visuais construídos por cientistas para ilustrar fórmulas algébricas.

Já as esculturas (assemblagens de Picasso), têm atributos emocionais específicos – são sinistras, misteriosas ou irónicas. Segundo Read, estas possuem um tipo de magia relacionada com cultos animistas primitivos. E magia aqui é entendida, não como uma força irracional que pertence ao passado (e às primeiras civilizações), mas como uma actividade construtiva com uma função social específica. Read escreve: ‘According to anthropologists like Malinowski and Levi-Strauss and to a philosopher like Collingwood, the aim of magical objects and magical rites is to arouse emotion in the group and to make such roused emotions effective agents in the practical life of the community.’

A atividade mágica é, deste modo, um mecanismo dinâmico da vida prática que contem uma corrente emocional que a conduz. Para Read, a escultura mágica cria objectos que cristalizam emoções (que não são gerais, nem particulares) e que se afirmam na sociedade (não como representações do mundo externo, nem como mera expressão de um sentimento pessoal) como incentivadores de uma consciência colectiva. A força vital presente, por exemplo nas esculturas de Picasso, segundo Read, é a alma que se projecta sobre todas as coisas (animadas ou inanimadas), é o impulso universal que flui através de tudo o que existe e sobre o qual o artista trabalha e transmite para as suas criações (que por sua vez se estende à pessoa que frui). E esta vitalidade é, na opinião de Herbert Read, o principal desejo e objectivo do escultor moderno. Desde as primeiras esculturas, Picasso anseia criar uma compensação espiritual pela alienação do homem causada pela máquina e assim conceber uma arte inconsciente.

Porém os construtivistas, desde 1914, a partir de Moscovo tentavam aplicar técnicas de engenharia à produção de objectos, que chamavam de construções. O promotor pioneiro era Vladimir Tatlin (1885-1953), que começou por criar esculturas semelhantes às primeiras esculturas cubistas de Picasso, mas sem o motivo representativo e sem o objectivo de criar uma extensão tridimensional das experiências feitas em pintura. Tatlin deseja construções completamente abstractas – e aspira mesmo por um novo tipo de escultura, que utiliza materiais no seu estado mais original e objetos ready made, arranjados num espaço real sem intenção representativa (Corner Relief, 1915). Os materiais diversos (madeira, ferro e vidro) formam o objecto com materiais reais no espaço real. Também Naum Gabo (1890-1977), tal como Tatlin, deseja caminhar para abstracção pura e assim criar uma nova realidade espacial através da aplicação de novos materiais: ‘Art formerly reproductive has become creative’. Gabo nega o volume como expressão única do espaço. A massa física é também rejeitada e afirma-se, acima de tudo, o ritmo dinâmico como base. É verdade que Naum Gabo pretende criar estruturas que sejam a imagem vital do tempo e do espaço. Mas tem igualmente em conta que o artista ao criar não pode escapar da sua personalidade, porque mesmo antes de qualquer concepção espacial ou temporal existe a sensibilidade humana. A presença humana existe até na mais pequena observação empírica.

‘Abstract is not the core of the Constructive idea I profess. The Idea means more to me. It involves the whole complex of human relation to life. It is a mode of thinking, acting, perceiving and living... Anything or action that enhances life, propels it and adds to it something in the direction of growth, expansion and development is Constructive.’. Naum Gabo, 1944.

E por isso, as imagens do cubista e do construtivista são concretas e ambas acabam por ser construções materiais que projectam uma imagem pessoal mental e que criam ícones de significado universal.  

Ana Ruepp

 

CONTOS BREVES

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  17. O CARACOL TREPADOR

 

          L´ESCARGOT ALPINISTE

 

          L´escargot à l´escalade

          sac au dos s´est mis en campagne.

          L´escargot à l´escalade

          va digérer la montagne.

 

          ou seja:

 

          De mochila às costas, trepador,

          o caracol se esforça, sem dor,

          só com barriga e manha,

          por engolir a montanha...

 

Assim liberrimamente traduzo um poemeto de Paul Claudel, o último dos Petits Poèmes Japonais, publicado na Revue de Paris, em Novembro de 1936. Faço-o, escutando a sonatina para dois violinos do Arthur Honegger. É certo que o poeta e o compositor  nos deram, juntos, a Jeanne au Bûcher, mas só pela minha cabeça terá passado a associação desta sonatina H. 29 com o caracol alpinista. Aconteceu lembrar-me da trepadeira da música de Honegger, ao deparar com a quadra de Claudel quando percorria a sua obra poética, para ir identificando os vários versos que foi dedicando a Sainte Agnès, padroeira onomástica da minha neta Inês. A curiosidade motora de tal percurso desaguará noutro texto de memórias. Hoje, silenciosa em fim de tarde chuvosa de domingo, ocorre-me, retém-me e sobrepõe-se, outra lembrança, esta já registada em fotografias para a galeria de retratos da nossa família: a do meu neto Sebastião dando o braço, enluvado a preceito, ao Elvis, um mocho bufo quase maior do que ele; e a minha, sorrindo e pedindo beijo a uma águia chamada Virgínia... Momentos de um passeio à Tapada de Mafra, no ambiente tão amigo do Real Club Tauromáquico Português. Olho para retratos simultâneos de neto e avô que sessenta e seis anos cronologicamente separam... Eis como me detenho e quedo neste pensarsentir a família, na sucessão das suas gerações, como um caracol trepador que vai engolindo, mais do que montanhas, o rio indizível do tempo que corre. E, como noutros contos breves já confessei, ao Sebastião devo a atenção especial, quase metafísica, à persistente valentia dos caracóis.

 

Camilo Martins de Oliveira

 

 

AIR MAIL

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Aqui entre estes e outros tempos

Levantados

A lembrança deixou meio queimadas

As heras que afinal restavam

Despojadas

De uma morte rigorosa: e aqui

Uma voz por entre as pedras

Responde-me:

«Aqui fui eu a cidade tão formosa, aquela

Que deu um nó à outra que o pastor trouxera

À boca e ao peito numa paz de amor desfeito que muito afagou

Para não viver morrendo.»

Então, pátria minha de sentires em danos que me fazes

Do modo que sabes te agradeço,

Não mereço mais que o mal com que me satisfazes

E de ti padeço, em mundo vivo

Mas te não privo do entendimento com que te quero

E de meu parto te livro

E de meu peito te não ninho

Aqui entre estes e outros tempos

E a quanto é temporal chamar eterno,

Ou negar verdades em suspeitas ausências

És soberana, sempre e tanto

Que volto a pegar na pena

E te escrevo

Numa esperança que se me aleixa,

Ou não saiba eu que tudo isto

É teima,

Acordo de credores,

Jurando que me dás tudo

O que já tens dado

Amor,

Usando espada e sem que nenhum de nós queixoso

Se difame
 

Teresa Bracinha Vieira
Outubro 2015