A FORÇA DO ATO CRIADOR
A Casa das Artes de Eduardo Souto Moura
A Casa das Artes (1981-85/1988-91) é resultado de um concurso público cujo 1º lugar foi atribuído a Eduardo Souto Moura (1952). Está situada no Porto e é considerada projecto manifesto no processo de trabalho de Souto Moura. Além de introduzir uma nova linguagem tornou-se objecto exemplar para outros arquitectos de diversas gerações. Marca o início de um sistema, de um processo de trabalho facilmente perceptível e repetível.
A Casa das Artes parte da ideia de desdobrar, dar espessura e importância a um muro existente no jardim da propriedade de uma casa projectada por Marques da Silva, no Campo Alegre. O objecto deseja ser anónimo e passar despercebido. A Casa das Artes assume uma neutralidade formal quase como que se de um não-edifício se tratasse. É a negação da forma e da arquitectura. Quase imperceptível através do exterior, Souto Moura recorre ao uso de planos de pedra e de espelhos que escondem o volume. A redução linguística permite com rigor omitir, raspar, depurar não interferindo com o jardim existente.
O projecto do Centro Cultural toma como ponto de partida o jardim e aí Souto Moura descobre elementos que aparentemente secundários reforçam o equilíbrio do lugar – a intervenção torna-se assim sólida e necessária.
O programa do Centro Cultural é contido e está encaixado na periferia do jardim, sendo continuação da base da torre de nove de pisos, pré-existente, que lhe é contígua.
Dois muros desfasados, um em betão e outro em pedra aparelhada estruturam o programa dividido em três sectores: Auditório, Sala de Exposições e Cinemateca. A pedra, o betão, o tijolo e a madeira são utilizados em planos sucessivos.
O projecto da Casa das Artes assume um claro distanciamento da cultura pós-modernista que enche as cidades com exageros decorativas e que se vai afirmando pelos anos 80. O uso explícito de uma iconografia histórica, local ou popular é pouco importante para Souto Moura que antes adopta uma atitude de rigor formal e técnico. A redução linguística proposta por Souto Moura reafirma o projecto como actividade artística – na importância dada ao detalhe, à ortogonalidade, ao ângulo recto. A modificação ambiental, que Souto Moura propõe ao construir, faz-se agora através do recurso a poucos e secundários elementos que transformam e acrescentam valor.
Souto Moura ao servir-se de uma não linguagem transforma a arquitectura. A redescoberta e a reintrodução da regularidade, da redução e da essencialidade da linguagem não aparece só pela via da recuperação das vanguardas europeias do primeiro Movimento Moderno – trazendo Mies e De Stijl – mas também pela via da escultura minimalista e ambiental norte-americana.
O exemplo de Mies Van Der Rohe possibilita a Souto Moura a procura da verdade, da poética e da ciência (ou técnica, utilizada em favor da padronização formal e serial) que converge para uma racionalidade cada vez mais abstracta e compositiva. Mies conjuga realidade e abstracção. Com muitas afinidades neo-plásticas prefere trabalhar com elementos verticais, horizontais e o plano.
Souto Moura procura através do grupo De Stijl afirmar a racionalidade como comando das transformações da vida, nos diversos campos da actividade humana. De Stijl estabelece-se uma ordem nova, onde todo o acto construtivo é estético. A arquitectura pretende construir-se para a vida, eliminando implicações ideológicas – a forma resulta da elementar acção de construção e a geometria não é usada como símbolo, mas antes como elemento facilmente reconhecível, à medida do Homem.
A redução linguística que Souto Moura propõe aparece também através da escultura minimalista e ambiental americana. A ideia de arquitectura é a espinha dorsal do movimento minimalista americano, sobretudo no seu objectivo de transformação ambiental – em contraposição aos valores consumistas e sinaléticos do Pop e ao poder das tecnologias. Anseia-se modificar o ambiente através da introdução de objectos com limites determinados e com geometrias fixas – Robert Morris, Donald Judd, Sol Lewitt, Os objectos deslocam-se da galeria para o território e para um contexto histórico e cultural tornando-se ‘environmental art’, ‘earth works’, ‘land art’.
Souto Moura procura por um acto de concepção que evita a subjectividade da execução de obras integralmente fixadas à priori. Pretende antes revelar as características primárias do lugar – muitas vezes recorrendo à repetição, à analogia e à colagem – mudando o significado do contexto, subtraindo, deslocando, dividindo espaços e matérias. Os sinais morfológicos e topográficos secundários podem ser determinantes nesta nova ordem conceptual – como acontece no projecto da Casa das Artes ao reafirmar-se o muro.
Projecto, para Souto Moura, é um instrumento que, através de uma economia de gestos, traz qualidade a fragmentos do território que se tornam excepcionais. Transforma-se o sítio criando novos limites – a importância do muro como limite, como interrupção, como que marcando a diferença entre materiais – atrás do muro de granito estão contidos os auditórios que enterrados não deixam parecer que é de um edifício que se trata. Reduzem-se os elementos arquitectónicos (pavimento, cobertura plana, paredes), os planos livres são constituídos em materiais diversos e a planta é esquemática.
Ao utilizar-se a estrutura mínima a concretização exacta, no sentido de criar uma paisagem precisa, Souto Moura abre a possibilidade a um maior número de interpretações. O natural opõe-se ao artificial. As técnicas tradicionais são usadas juntamente com técnicas inovadoras – é a porta de vidro espelhado prolonga a parede de granito.
Ana Ruepp