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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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UMBERTO ECO - HUMANISTA TOTAL

 

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Conheci pessoalmente Umberto Eco e recordo esse momento que partilhei com Antonio Tabucchi, saudoso amigo e grande nome da cultura europeia.
Eco era uma personalidade fascinante. Sendo medievalista e semiólogo foi o que alguns classificaram apropriadamente como o «humanista total».
Quando lemos toda a sua obra, apercebemo-nos disso mesmo.
«O Nome da Rosa» é um dos grandes romances europeus de sempre - e constitui uma verdadeira parábola sobre a modernidade em diálogo com um tempo ainda muito desconhecido - que é a Idade Média. Eco era fascinado pela Idade Média, como um tempo de grande curiosidade e de diálogo entre culturas.
Um jornal italiano diz que ele era o homem que tudo sabia. Assim era no sentido de quem nunca deixou de perguntar. Até ao fim da vida foi alguém com uma curiosidade insaciável.
“O Pêndulo de Foucault”, “Apocalípticos e Integrados”, “Obra Aberta” são referências indispensáveis.

A grande lição de Umberto Eco é a da necessidade de um novo humanismo, capaz de ligar letras e ciências, educação e artes - em suma, a ambição de um saber complexo e integrado. Umberto Eco é um símbolo bom do nosso tempo!

 

                                                            Guilherme d’Oliveira Martins

 

Morreu a escritora Harper Lee

 

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Subiu ao descanso a dormir

Do sul vinha ainda aquele vento

Que lhe acudiu à chamada terna

Ninguém a encontrara

Parou sim, na mesma hora em que partira

Um barco pintado de mar

 

Teresa Bracinha Vieira

2016

 

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Morreu Harper Lee, a autora de Mataram a Cotovia

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Harper Lee vivia uma velhice discreta num lar de Monroeville, a sua terra natal, mas voltara à ribalta em 2015 com a descoberta e a publicação de Vai e Põe Uma Sentinela.

A romancista Harper Lee, autora de um livro que se tornaria quase instantaneamente um clássico da literatura americana, To Kill a Mockingbird (Mataram a Cotovia na mais recente edição da Relógio D’Água), publicado em 1960, morreu esta sexta-feira na sua terra natal, Monroeville, no Alabama, onde vivia num lar desde que sofrera, em 2007, um acidente vascular cerebral.

Extremamente reservada - as suas aparições públicas eram raras e não dava entrevistas desde os anos 60 -, Harper Lee voltara às páginas dos jornais em 2015 com a notícia de que fora descoberto o manuscrito de uma alegada sequela de Mataram a Cotovia, que viria a ser publicada nesse mesmo ano com o título Go Set a Watchman (Vai e Põe Uma Sentinela, na edição da Presença). Apresentado como uma continuação do romance de 1960, mas escrito antes, o livro retoma boa parte das personagens de Mataram a Cotovia, mas o enredo passa-se 20 anos depois.

Nem o acordo da autora quanto à publicação de Vai e Põe Uma Sentinela, nem o exato estatuto desse livro estão ainda cabalmente esclarecidos, mas parece provável que o manuscrito fosse apenas uma versão inicial de Mataram a Cotovia, e não um verdadeiro (e deveras tardio) segundo livro, que excluiria Harper Lee desse escasso número de escritores célebres que escreveram um único livro, entre os quais se contam a Emily Brontë de O Monte dos Vendavais ou a Margaret Mitchell de E Tudo o Vento Levou.

Nelle Harper Lee nasceu no dia 28 de Abril de 1926 em Monroeville, uma pequena cidade de 6.500 habitantes, onde se tornaria, na infância, a melhor amiga de um rapaz que para ali fora morar aos quatro anos, após o divórcio dos pais, e que o mundo viria a conhecer como Truman Capote. É Lee quem servirá de inspiração a Capote para a Idabel do seu romance de estreia, Outras Vozes, Outros Lugares. E Capote, por seu turno, transformar-se-á no pequeno Dill, o vizinho e amigo da protagonista de Mataram a Cotovia.

Nelle, nome que lhe foi dado pelo insólito motivo de ser o nome de uma avó, Ellen, escrito ao contrário, era a mais nova de quatro irmãs, filhas de um advogado, Amasa Coleman Lee, que no  início da sua carreira defendera dois negros acusados de terem morto um comerciante branco (acabariam ambos enforcados).

É tido como certo que Harper Lee se inspirou pelo menos parcialmente no seu pai para compor o Atticus Finch de Mataram a Cotovia, o advogado, viúvo, que mora numa pequena terra do Sul dos Estados Unidos, nos anos 30, e que ensina os seus dois filhos - a narradora do livro, Jean Louise, vulgo “Scout”, e o seu irmão Jem – a não se deixarem influenciar pelo preconceito, e que não hesitará em afrontar ele próprio o racismo dos amigos e vizinhos ao aceitar defender um jovem negro acusado de violar uma rapariga branca.

Um presente de Natal

Mataram a Cotovia, que ganhou o prémio Pulitzer em 1961, vendeu até hoje mais de 30 milhões de exemplares, está traduzido em mais de 40 línguas, e foi adaptado ao cinema logo em 1962, num excelente filme de Robert Mulligan, com Gregory Peck no papel do advogado, interpretação que lhe valeu um Óscar. A própria Lee dirá que achou o filme “uma das melhores adaptações de um livro alguma vez feitas”.

Harper Lee começara a interessar-se por literatura ainda no liceu de Monroe. Terminados os estudos liceais, frequentou durante vários anos a Universidade de Alabama, estudando Direito, mas, quando estava prestes a concluir a licenciatura, decidiu partir para Nova Iorque e tentar uma carreira literária. Arranjou emprego como escriturária, tratando de reservas em companhias de aviação, e ia escrevendo nos tempos livres.

Em 1959, a escritora acompanhou o seu amigo Truman Capote ao Kansas, como sua assistente na investigação que viria a dar origem a In Cold Blood (A Sangue Frio), o livro em que Capote relata o brutal homicídio de uma família, e que só viria a ser publicado em 1966, quando Harper Lee era já uma estrela literária, depois do sucesso instantâneo do seu romance de estreia. Esta fase do relacionamento entre ambos é descrita no filme Capote, de Bennett Miller, com Philip Seymour Hoffman no papel do romancista e Catherine Keener no de Harper Lee.

É ao seu amigo de infância que Lee deve o conhecimento do músico, escritor e produtor teatral Michael Brown e da mulher deste, Joy, que no final de 1956 lhe deram um extraordinário presente de Natal: o dinheiro correspondente a um ano de salários, com um bilhete que dizia: “Tens um ano livre para escreveres o que te apetecer. Feliz Natal”. Lee conta a história em 1961, mas o nome dos seus beneméritos só viria a ser revelado décadas mais tarde. Não há dúvida de que a autora usou bem o tempo que lhe foi concedido, escrevendo Mataram a Cotovia, ou talvez Vai e Põe Uma Sentinela, aceitando que se trata da primeira versão do romance.  

Brilho em cada linha

Em 1957, Lee entregou o manuscrito a várias editoras, incluindo a então J. B. Lippincott Company, que comprou os direitos. A editora da Lippincott que tratou do livro, Therese Hohoff, contará mais tarde que “a centelha do verdadeiro escritor brilhava em cada linha”, mas que o manuscrito era mais “um conjunto de episódios” do que “um romance plenamente estruturado”. Durante três anos, a autora escreverá versões sucessivas, até chegar ao livro que milhões de pessoas irão ler nas décadas seguintes.

Lee escrevia desde muito nova e já tinha publicado várias histórias em revistas quando saiu Mataram a Cotovia, mas a notoriedade que lhe trouxe o seu livro de estreia parece tê-la bloqueado. Em 1964, quando ainda dava entrevistas, garante que não esperou ter “qualquer tipo de sucesso” com Mataram a Cotovia e confessa que está a ter dificuldades em avançar com um segundo romance. Ainda escreveu alguns ensaios nos anos 60, mas o segundo livro, se como tal pode ser considerado, só surgiria 55 anos mais tarde, em 2015.

Terá havido, de facto, uma tentativa de segundo romance que ficou pelo caminho, e Lee trabalharia ainda num projeto ao estilo de A Sangue Frio, sobre um assassino em série do Alabama, que também acabou por pôr de lado.

Retirando-se da vida pública, acabará por regressar a Monroeville para tratar da sua irmã mais velha, Alice, que adoecera e que viria a morrer em 2014. Ela própria sofreria um acidente vascular cerebral em 2007, do qual terá conseguido recuperar razoavelmente, e vivia desde então num lar de idosos.

Em Novembro de 2007, o presidente George W. Bush atribuiu-lhe a Medalha da Liberdade, a mais alta distinção civil nos Estados Unidos, e em 2010 o seu sucessor, Barack Obama, deu-lhe a Medalha Nacional das Artes, destinada a assinalar “contribuições extraordinárias” no domínio das artes.

A controvérsia em torno da publicação de Vai e Põe Uma Sentinela trouxe para as páginas dos jornais muitas notícias contraditórias sobre o seu estado de saúde, com testemunhos de que estaria bem e lúcida a contrastarem com relatos de que estaria quase cega e surda e sofreria de demência. 

"Um farol de integridade"

As reações à morte de Harper Lee não se fizeram esperar. “O mundo perdeu uma mente brilhante e uma grande escritora”, disse, citada pela BBC, Spencer Madrie, proprietária da Ol' Curiosities and Book Shoppe, uma pequena livraria independente de Monroeville, destacando “as verdades que Harper Lee deu ao mundo, provavelmente antes de o mundo estar preparado para elas”. “Estamos agradecidos por termos tido uma ligação a uma autora que ofereceu tanto. Faltará sempre alguma coisa em Monroeville e no mundo em geral na ausência de Harper Lee.”

Em comunicado, o agente da autora, Andrew Nurnberg, escreveu que o mundo perdeu “um farol de integridade”. “Ter conhecido a Nelle nestes últimos anos não foi só um prazer absoluto, mas também um privilégio extraordinário”, acrescentou ainda, contando ter estado com Lee há seis semanas. “Estava cheia de vida”, recordou, destacando a mente e a inteligência afiada da escritora, que citou então Thomas Moore.

No Twitter, multiplicam-se as homenagens à escritora. “Descanse em paz, Harper Lee. A única coisa que não se submete à regra da maioria é a consciência de uma pessoa”, escreveu no Twitter o CEO da Apple, Tim Cook, citando uma conhecida frase da obra de Lee.

 

por Luís Miguel Queirós com Cláudia Carvalho, in Público | 19 de fevereiro de 2016
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

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A Casa de Chá de João Mendes Ribeiro.

 

Dentro da muralha do castelo de Montemor-o-Velho, no Paço das Infantas, João Mendes Ribeiro (1960) desenhou uma casa de chá transparente. A casa pretende-se leve e solta em relação às suas preexistências.

As paredes do castelo são expressivas em matéria e a criação do espaço abstrato da casa de chá, definido por dois planos horizontais unidos por uma caixa de madeira e uma superfície de vidro transparente, reforça essa expressão. É evidente a ambiguidade entre o interior e o exterior – as muralhas, que delimitam o Paço, criam já um espaço contido, íntimo e encerrado (embora exterior). Um equilíbrio estável estabelece-se entre a casa de chá e a muralha. As ruínas tornam-se de novo paredes que protegem a caixa de vidro que só tem teto e chão. São as ruínas que dão a terceira dimensão à casa de chá.

As muralhas do castelo atuam assim, como cenografia. Existe um profundo respeito pelo passado que permanece intocável e quase artificial. E essa ideia de artificialidade intangível é reforçada ainda pela introdução de uma escada metálica na muralha, de declive muito acentuado, para chegar a uma janela. A escada introduz a ideia da existência de um piso superior, possibilita a visualização superior da relação da casa de chá com a envolvente e sobretudo transforma o projeto num cenário que pode ser transformado a qualquer momento.

No interior, a caixa de madeira está simetricamente colocada junto à fachada tardoz, é encerrada e concentra as zonas de serviço: a cozinha e as instalações sanitárias. O volume do passa-pratos é saliente e permite a única abertura na caixa. Descentrada a caixa disponibiliza um espaço totalmente aberto para a zona de refeições que se prolonga para o exterior, como que flutuante originando a esplanada.

A efemeridade explorada em inúmeros projetos cenográficos de João Mendes Ribeiro, trás para a casa de chá a possibilidade do objeto desaparecer no meio da muralha, sem se tornar obsoleto ou envelhecido. A casa de chá é a negação do objeto novo em favor do objeto preexistente. O espaço definido na casa é principalmente uma realidade flexível e evolutiva que se define pela natureza e pela intensidade do seu uso – o movimento dos corpos no espaço e a disposição do mobiliário refletem a mutação do objeto construído. O espaço interior só é identificado quando existe mobiliário (mesas, cadeiras e carrinhos de chá). A maioria das fotografias publicadas não têm mobiliário o que torna o espaço ainda mais abstrato porque não há sinais identificadores de uso e de uma função – até mesmo o corpo de serviços está camuflado.

No âmbito deste projeto, é importante também mencionar a casa Farnsworth que Mies Van Der Rohe construiu entre 1945-51, em Plano, Illinois, pela transparência, pela abstração, pela tentativa de negação do objeto em relação à sua envolvente e pela afirmação da envolvente no interior do objeto. Igualmente dois planos distintos formam respetivamente a cobertura e o pavimento e comprimem um espaço aberto para viver. Mies aplicou igualmente o conceito de um espaço único, livre e flexível, encerrado por um vidro, concretizando a expressão de um volume imperturbável que flutua.

Na casa de chá, tal como na casa Farnsworth, todo o vocabulário tradicional que define um objeto arquitetónico – divisões, paredes, portas, janelas e mobiliário – é virtualmente eliminado numa visão puritana de simplificação, de existência transcendental e de enfatização contextual. A ideia é antes refinada e desenvolvida através de uma escolha aturada de cores, detalhes e materiais – no caso da casa de chá madeira, vidro, aço e cobre.

Sendo assim, é a relação Espaço – Corpo – Arquitetura que caracteriza o trabalho de João Mendes Ribeiro, sobretudo através da construção de cenários/objetos arquitetónicos dinâmicos e multifuncionais, com possibilidades de mutação de acordo com as ações dos intérpretes/utilizadores.

 

Ana Ruepp