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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

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III - O DIREITO À PRÓPRIA LÍNGUA, À LÍNGUA APROPRIADA E A UMA LÍNGUA GLOBAL DE COMUNICAÇÃO INTERNACIONAL

 

1. Da inevitabilidade humana e fundamental da língua e do direito à língua, decorre o direito à própria língua, à língua apropriada e a uma língua global de comunicação internacional.

Tradicionalmente, o direito à língua esgotava-se no direito à própria língua, à língua identitária. Sobre a excelência e primazia identitária da língua portuguesa, fez Pessoa uma eloquente proclamação: “A minha Pátria é a língua portuguesa”. Sobre a sua relevância para a preservação da nossa identidade, fez Torga uma significativa declaração: “Lutei, luto e lutarei até ao derradeiro alento pela preservação dessa identidade, última razão de ser de qualquer indivíduo ou coletividade”. Vergílio Ferreira, por sua vez, escreveu: “Uma língua é o lugar donde se vê o mundo, e em que se tratam os limites do nosso pensar e sentir. Da minha língua vê-se o mar”. No dizer de José Mattoso, “(…) não existe nenhuma realidade étnica ou de âmbito da cultura popular com uma expressão propriamente nacional (isto é, que se verifique em todo o território português) senão a identidade da língua. Todos os outros são de âmbito regional”. Atualmente, com a evolução acelerada das modernas tecnologias de comunicação e informação, com a mundialização computorizada dos fluxos feitos de várias línguas, com a aceleração dos movimentos linguísticos e da interação de sistemas linguísticos e não linguísticos, com o intercâmbio de bens, capitais, serviços, ideias, pessoas, viagens, com a criação de espaços supranacionais onde a globalização assenta na cibernética, eletrónica, internet e telemática, o direito à língua, mais do que o direito dos falantes à sua própria língua, é também um direito à língua apropriada. Se inexequível o exercício do idioma próprio do falante, como materno, nacional, regional ou em geral menos usado, tem ele direito a uma língua sucedânea que, pelo menos, deve respeitar a igualdade de tratamento entre as línguas dos interlocutores respeitando, tanto quanto possível, a identidade e a matriz do idioma de cada um.

No caso do português, há um direito à própria língua na titularidade de cada um dos falantes dos países e povos lusófonos, direito extensivo a todos os falantes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e núcleo duro do mundo lusófono, como idioma comum e partilhado, sem exclusividades e em igualdade de circunstâncias. Assim como há o direito à apropriação da língua quando lusófonos se expressam noutro idioma que não o próprio se, de todo em todo e consoante o contexto, os interlocutores não falam português, bem como em instituições ou organizações internacionais em que a sua língua não é oficial ou de trabalho.

Todavia, ultrapassada a esfera estadual rumo a uma perspetiva global, além de se constatar a insuficiência da língua identitária da maioria dos falantes, verifica-se, na atualidade, que o inglês é a língua global de comunicação internacional por excelência e, ao mesmo tempo, uma língua apropriada. Tendo o inglês o estatuto atual de língua internacional predominante, isso não significa que seja sempre suficiente, dado que se responde melhor a algumas necessidades presentes, o mesmo não sucede em relação a outras, em particular no que se refere à nossa necessidade identitária.

Para o libanês Amin Maalouf, entre a língua identitária e a global há um espaço imenso que é necessário preencher, dada a sua insuficiência, dado que contentarmo-nos, em matéria de línguas, ao estritamente imprescindível, é contrário ao espírito do nosso tempo. Tendo a identitária como a primeira língua e a global como a terceira (hoje o inglês), opina pela necessidade de promover obrigatoriamente uma segunda língua, uma língua livremente escolhida, amada, adotiva, desposada, do coração.

Haveria “(…), ao lado dos “generalistas”, que conheceriam apenas a sua língua e o inglês, “especialistas” que possuiriam, além desta bagagem mínima, a sua língua privilegiada de comunicação, livremente escolhida de acordo com as suas próprias afinidades, e através da qual realizariam o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Será sempre uma desvantagem séria não conhecer o inglês, mas será também, e cada vez mais, uma séria desvantagem conhecer apenas o inglês”. (“As Identidades Assassinas”, Difel, 2.ª edição, p. 156). Preservar a própria língua (identitária), generalizar sem complexos o ensino do inglês e encorajar a diversidade linguística, eis a sua proposta, cujas situações também englobam um direito à língua apropriada, mesmo que livremente escolhida, sem prejuízo do direito (efetivo ou potencial) a uma língua global de comunicação internacional.

 

2. A Declaração Universal da UNESCO Sobre a Diversidade Cultural, de 2001, ao proclamar a diversidade cultural como património comum da humanidade (artigo 1.º) e que os direitos culturais são parte integrante dos humanos, sendo estes universais, indissociáveis e interdependentes (art.º 5.º) pretende, não só, preservar a identidade e os direitos dos países de acolhimento, como a sua harmonização com outras identidades alheias. A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos de Barcelona, de 1996, visa sobretudo acautelar os direitos das comunidades e grupos migrantes, tendo não só o direito mas ainda o dever de se integrarem, sendo recomendável que os que chegam sejam assimilados, desde que, mantendo os seus valores, essa assimilação não seja coagida (cf., artigos 3.º e 4.º). Também o art.º 27.º, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, estabelece que as minorias linguísticas em certo Estado não podem ser privadas do uso da sua própria língua. Na mesma esteira do art.º 14.º, n.º 2, alínea f), segundo o qual todo o acusado tem de ser assistido gratuitamente por um intérprete, se não compreender o idioma usado em tribunal.

O que vem corroborar a necessidade de uma língua identitária, de pertença, de um direito à própria língua, bem como de que podem falar-se, em simultâneo, várias línguas, desde a nativa, de acolhimento, nacional, regional, de um direito à língua apropriada, que pode coincidir, ou não, com o direito ao uso de uma língua global de comunicação internacional com incidência planetária, ultrapassando largamente as fronteiras do idioma e potenciando confluências de interesses, em redor das quais se fixam espaços de interesse geolinguístico, cimentadores de zonas estratégicas de influência geopolítica.

Abrangendo a língua portuguesa oito países em quatro continentes, é não só uma língua de comunicação internacional, mas também, por força da sua distribuição geográfica, uma língua transnacional, transcontinental, transoceânica e transcultural. Uma das línguas da globalização, uma língua global em crescimento demográfico e falada por países de potencial económico reconhecido, ainda que por desenvolver ou em desenvolvimento, cada vez mais com potencialidades de ser uma língua global de comunicação internacional, quando significativa e expressivamente usada por falantes de outros idiomas. O que implica uma política de língua no essencial não confidencial, para não falantes de português como língua nativa, que vá além do seu espaço geolinguístico, preferencialmente aceite pelo bloco lusófono. O que é valorizado pelo art.º 7.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, ao prescrever que “Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa”, em conjugação com o art.º 9.º, alínea f), ao consagrar ser tarefa fundamental do Estado “Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa”.

Uma língua global de comunicação internacional (e o seu direito), tem de deixar de ter tutelas de pertença exclusivas, sendo esse o preço a pagar pela sua permanência no longo prazo, ainda que com diferentes categorias de uso, como língua materna, identitária, segunda, estrangeira, em comunhão e simultaneidade de esforços com o direito à própria língua e à língua apropriada.

 

23 de Fevereiro de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício

 

Mario Benedetti

 

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Mario Orlando Hamlet Hardy Brenno Benedetti, escritor, ensaísta e poeta uruguaio, tem os seus livros traduzidos em mais de 20 línguas e é considerado um autor de primeiro plano da literatura latino-americana contemporânea. Faleceu aos 88 anos, no dia 17 de Maio de 2009 em Montevideu, depois de um intenso sofrimento pela morte de sua mulher por quem tanto se apaixonara, por quem sempre viveu e escreveu, por quem sempre sentiu a exclusividade da vida fazer sentido. Luz López ,sua mulher faleceu em 2006 vítima de Alzheimer e Mario sentiu-se ir morrendo com ela e escreve o que para ele significava a vida inigualável de ambos, já que até para ambos a intimidade era muito e apenas o sonharem e o lutarem juntos, e este apenas, tinha o tudo numa táctica e numa estratégia de alcançarem o entender dos sentires que nutriam um pelo outro.

 

Táctica y Estrategia

Mi táctica es mirarte 
aprender como sos 
quererte como sos 

Mi táctica es hablarte 
y escucharte 
construir con palabras 
un puente indestructible 

Mi táctica es quedarme 
en tu recuerdo 
no sé cómo ni sé 
con qué pretexto 
pero quedarme en vos 

Mi táctica es ser franco 
y saber que sos franca 
y que no nos vendamos 
simulacros 
para que entre los dos 
no haya telón ni abismos 

Mi estrategia es 
en cambio 
más profunda y más 
simple 

Mi estrategia es 
que un día cualquiera 
no sé cómo ni sé 
con qué pretexto 
por fin me necesites.

 

De Mario Benedetti li apenas os contos “ Despistes y franquezas” de 1989 e de 2003 “El porvenir de mi passado”, dos quais muito gostei, bem como os ensaios “La realidad y la Palabra” e um outro ensaio muito particular de análise sofrida e perplexa sobre a realidade, chamado “El ejercicio del critério” (1995).

É de Mario Benedetti a frase “yo no sé si Dios existe, sé que no le va a molestar mi duda”(…) e acrescenta “Eu não sei se sou uma pessoa triste com vocação pra ser alegre, ou vice e versa, ou do avesso. O que sei é que, sim, há sempre alguma tristeza nos meus momentos mais felizes, da mesma forma que há sempre um pouco de alegria nos meus piores dias.”

Muitíssimo galardoado não obstante ter sempre atravessado períodos financeiros muito difíceis, e defendendo sempre que os fracos realmente nunca se rendem, Mario viu na escrita a sua forma de expressar a vida, até nos Haikais a que se dedicou, tal como Borges. Creio que no trabalho dos Haikai, Mario Benedetti inclinou-se a um modelo mais livre embora não largasse a métrica tinham os seus haikais muito de um carácter existencialista inclinado a um modelo mais livre quanto ao tema.


cada crepúsculo
es tan solo um ensayo
del sueño eterno


el caracol
es el especialista
de la paciência


los personajes
se evaden de mis libros
y me interrogan

la más cercana
de todas las fronteras
es con mi prójimo

 

Honoris causa pelas universidades de Alicante e Valladolid; Prêmio Rainha Sofia de Poesia (1999); Prêmio Ibero-Americano José Martí; e o 19º Prêmio Internacional Menéndez Pelayo, enfim, constitui para mim uma honra aqui recordar Mario Benedetti.

 

Teresa Bracinha Vieira
2016