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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

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    Minha Princesa de mim:

 

   Anda por aí muita gente em conversa encalorada sobre o "namoro" de João Paulo II com Anna-Teresa Timienieka. A mim que, como sabes, Princesa, sou católico dito "praticante" e fiel, não me incomoda minimamente. Compreendo a história que a correspondência revelada conta, e até a acho bonita. Na minha liberdade de pensarsentir  --  que tanto prezo, e pela qual tantas graças dou a Deus, que com ela nos criou  --  em silêncio medito na força e na fortaleza de um afecto humano, de todos os afectos humanos, desses que Nosso Senhor nos vai deixando ter para sustento nosso. Acho admirável esse passo de uma carta de Karol Wojtyla a Anna-Teresa: Certa vez  --  lembro-me exactamente de quando e onde  --  eu ouvi essas palavras "pertenço-te", e para mim, antes de mais, o presente de uma pessoa ressoava nelas. Eu temia esse presente, mas, desde logo, soube, e hoje sei, mais e melhor, que tinha de aceitar esse presente como um presente do céu. Entendo, Princesa, esta frase muito no fundo de mim. Comove-me. Comove-me, sobretudo, porque sei que já ligamos a ideia do amor ao anseio da posse exclusiva. Cedemos, quase sempre, a uma tentação totalitária, somos propensos ao domínio. Mas o amor, minha Princesa de mim, é o reino da liberdade: nada nele está, ou pode estar, legislado, pré-determinado. Nem o amor é possessível, a fidelidade é uma pertença da alma, não é o cumprimento de um código. O que aqui te digo nada tem de libertino, antes pelo contrário. Eu mesmo me sinto pertencente a muitas outras pessoas, não há relação humana possível sem qualquer entrega, e a verdade de cada entrega é a sua autenticidade em lugar próprio.

   A relação de Anna-Teresa e Karol pertence-lhes e a sua serena intimidade só a dignifica. Pensossinto que a libertação pública da correspondência entre ambos é um acto humilde de generosidade e demonstração de que não há, mesmo santo, quem, entre nós, não seja humano. Louvado seja Deus! Pela imperfeição, carentes, caminhamos. Dá-nos sempre força um amparo, saibamos aceitá-lo e agradecê-lo, não será essa dádiva que necessariamente nos afastará da nossa vocação. Pessoalmente, como sabes, sempre admirei muito a coragem humana de Karol Wojtyla, muitas vezes discordei de posições "doutrinárias" suas, tal como nunca me agradou essa precipitação clerical em canonizar papas e clérigos. Para mim, sempre fez mais sentido a aclamação popular que se revê nesses que crê santos... Seja como for, apontem-se estes ou outros exemplos, por bem tudo melhor se fará, sob a infinita misericórdia de Deus. Talvez, afinal, fosse melhor legiferar menos e escutar mais o Deus que fala no coração dos homens...

 

                                                                                    Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira