ATORES, ENCENADORES - LXV
OS ELENCOS DA INAUGURAÇÃO DO TEATRO D. MARIA II
Tal como temos aqui referido, o Teatro Nacional de D. Maria II celebra em 13 de abril próximo os 270 anos de inauguração. A seu tempo novamente evocaremos esse evento, tão significativo, há que dizê-lo, para a história do teatro e do espetáculo português.
Mas hoje referiremos a escolha e a “classificação artística” correspondente da primeira companhia selecionada para a inauguração do D. Maria II com a peça “Álvaro Gonçalves, O Magriço, Ou os Doze de Inglaterra” de Jacinto de Aguiar Loureiro. A criação do teatro inscreve-se na reforma estrutural que Garrett definiu e executou, a partir de uma Portaria redigida pelo próprio Garrett e assinada pelo então Ministro Passos Manuel, datada de 28 de Setembro de 1836: nela se referem aliás, num autoelogio, os “distintos talentos, literatura e patriotismo” do autor da reforma, consagrada em Relatório de 12 de Novembro de 1836 e transformada em nova Portaria referendada por D. Maria II em 15 de Novembro seguinte.
Garrett seria nomeado diretor do Teatro, e nessa função e cargo se manteve até 16 de Julho de 1842, data em que foi exonerado num governo de Costa Cabral: e não é pois de estranhar a ligação direta do TNDMII aos sucessivos poderes públicos, tal como aliás durante dezenas de anos, se concretizou com a empresa Rey Colaço-Robles Monteiro, aliás em si mesma de indiscutível qualidade global.
Mas o que aqui nos interessa hoje é a evocação do elenco de atores que iriam constituir a primeira companhia residente, como posteriormente se diria, do Teatro D. Maria II. E é interessante evocar toda esta política de criação e início de atividade do teatro à luz do que posteriormente ocorreu. Seguimos a “História do Teatro Nacional D. Maria II” de Gustavo de Matos Sequeira, 2 volumes publicados em 1955 por iniciativa de Luís Pastor de Macedo, Comissário do Governo no TNDMII de 1943 a 1946.
Aí se referem, com efeito, as “classes”, como então se dizia, dos atores que constituíram e elenco inicial do teatro, de acordo com uma Portaria datada de 19 de Fevereiro de 1846. Essas classes eram três, e a Portaria descriminava a função dramática de cada ator (o “emploi”, como então de dizia), os anos de carreira, e por vezes a origem imediata no plano das companhias teatrais.
Assim, temos “da classe das primeiras partes” 11 atores, sendo o primeiro o então bem conhecido “Epifânio Aniceto Gonçalves; primeiro centro absoluto: sócio, diretor e ensaiador do Condes. Ator há 14 anos”. Publicamos aqui uma gravura.
E seguiam-se nomes quase todos bem prestigiados na época: Joaquim José Tasso “1º amoroso ou galã de ponta de cena”, assim mesmo, José Anastácio Rosa “galã central” Teodorico Baptista da Cruz, “centro cómico”, Vitorino Ciríaco da Silva “pai-nobre ou centro”, Crispiniano Pantaleão da Cunha Sargedas “primeiro cómico absoluto”, Manuel Baptista Lisboa “centro cómico, característico”, Inácio Caetano dos Reis “baixo-cómico” , todos com os anos de carreira , e todos oriundos do Condes, exceto o ultimo citado que vinha do Teatro do Salitre.
E três atrizes, todas elas vindas também do Condes: Emília das Neves “primeira-dama absoluta”, Carlota Talassi da Silva “primeira-dama” e Delfina Rosa do Espírito Santo “velha cómica ou meio carater”. E esta, mesmo especializada em papéis de velha, por ser de longe a mais nova, é a única que ostenta a idade. “Tem 27anos. Há quatro que é atriz”.
E seguem-se, nesta tabela garrettiana de 1846, mais duas categorias de atores: os “da classe dos comprimários” com oito atores masculinos e sete femininos, sendo que destas chegou até nós com prestigio o nome da Joseffa Soller, na altura “2º dama (a qual) foi bailarina. Pertence ao Salitre. Tem 26 anos”.
E segue-se finalmente uma ambígua “classe dos que devem ser preferidos em futuros contratos”, com oito atores e cinco atrizes, dos quais o único nome que hoje ainda surge citado será o do ator Romão António Martins. E o ator José dos Santos Mata é referido com uma insólita designação: “O Mata Castelhanos”…!
Mas é interessante que esta categoria de atrizes e atores traz algumas especificações denotando a maior fragilidade das carreiras e dos contratos; “aluno(s) premiado(s)” ou “elogiado(a)” do Conservatório, “ator de vários teatros”, “tem andado por companhias ambulantes” ou mesmo “ está em Elvas numa companhia ambulante” , o que não deixa de ter significado do meio teatral da época: aliás, outro “tem sido ator no Salitre e no S. João do Porto. Está em Beja”. Cita-se mesmo um caso de precocidade: “Maria Cândida de Mendonça (filha do ator Bernardo Vítor de Mendonça). Tem 18 anos e é atriz há 5”.
Alguns destes atores e atrizes são referidos como não tendo “escritura”, o que denota uma atenção ao carater profissional da companhia: o que aliás é coerente com o profissionalismo da obra de Almeida Garrett!...
Duarte Ivo Cruz