A FORÇA DO ATO CRIADOR
A Escola Superior de Artes Decorativas de Vítor Figueiredo.
Nas Caldas da Rainha, Vítor Figueiredo (1929-2004) desenhou a Escola Superior de Artes Decorativas (1992-98) numa clareira do pinhal junto ao antigo edifício do Hospital de Santo Isidro.
O conjunto branco adivinha-se por entre o pinhal como se de uma estrutura crua, pura e basilar se tratasse.
Na Escola Superior de Artes Decorativas, a arquitectura reduz-se aos seus elementos físicos primários – laje, pilar, viga, caixilho da janela e vidro. Estão expostos os elementos que compõem a arquitectura. Quase nada determina o desenho dos espaços – talvez só a ordem, a regularidade depurada, a geometria desornamentada. O pinhal é a referência dimensional do conjunto e participa no seu interior, filtrando a entrada da luz do sol.
Dois corpos estendem-se longos e brancos, marcadamente horizontais, ligados superiormente por uma fina e frágil passagem. Um terceiro corpo, mais pequeno, contém o auditório. A racionalidade é clara, funcional e justa. Uma única malha reguladora estrutura o programa – as salas, as fachadas, o corredor (que acontece ora entre salas, ora junto à fachada curva do lado interior).
É visível o gosto pelo gesto e pela forma – determinada, marcante e imediata. A ideia é tão forte que permite definir todo o processo e desenvolvimento da forma. A ideia é tão indestrutível que determina vida, espaços e luz.
Afirma-se simetria em tensão. É constante a interacção entre as massas, os espaços, as superfícies e os volumes. A extrema ortogonalidade é interrompida pela curva. O volume curvo, descola-se do solo à medida que se aproxima do pinhal e passa a assentar em pesados pilares, deixando a partir daquele ponto, intacta a topografia.
Vítor Figueiredo transforma a matéria com sentido, com densidade, com objectividade. Através da síntese, apura sucessivamente um discurso directo e contrasta com um tempo em que a criação de espaços tem de ser muito rica visualmente.
Os seus primeiros projectos foram dedicados à habitação colectiva de custos controlados e Vítor Figueiredo sempre apostou numa afirmação social antagónica à criação de formas com sentido e importância exaltado e rico, que recorre muitas vezes à citação livre, irónica e heterogénea de referências históricas. Vítor Figueiredo sempre refutou a ideia de propor um modo de viver artificial e teatral que acredita numa sociedade cuja posição social e o poder político são determinantes. Vítor Figueiredo sempre contestou a eliminação de problemas de segregação social, de falta de condições de vida (desemprego e pobreza) com o poder das formas, puramente visuais, que exaltam o estatuto do Homem e criam uma suposta elite.
Vítor Figueiredo recorre à herança do movimento moderno – num quadro muito mais amplo e aberto que um funcionalismo reduzido à resolução de um programa. Afirma antes um funcionalismo fundado em dados culturais, sociológicos e antropológicos. Para Vítor Figueiredo os lugares e as circunstâncias estão sempre em mudança. Não existe, em toda a sua obra, um modo único de operar através de normas, através de uma linguagem, através de um estilo. Rejeita o extremo racionalismo e abstracção geométrica, a favor de trabalhos mais participativos, sensíveis, dialogantes com o contexto e que têm de ser vividos, experimentados. Pretende escapar à banalidade da produção em massa acentuando a verdade dos recursos, das condições, do lugar e do tempo. O sucessivo apuramento não deixa produzir objectos catalogáveis no quadro de uma qualquer tendência ou moda. As construções são quase como que anónimas.
Vítor Figueiredo actua de modo a questionar os lugares, o tempo, os programas, as circunstâncias, de maneira a atribuir valor a um espaço. Não existem fórmulas, nem vontade para definir um estilo.
Ana Ruepp