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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

O Estádio Municipal de Braga de Eduardo Souto de Moura.
 

Implantado numa das encostas do Monte Castro, em Braga, aproveitando uma antiga pedreira desactivada, o Estádio Municipal (2000-2004) foi desenhado por Eduardo Souto de Moura para o campeonato europeu de futebol que se realizou em Portugal, em 2004.

É uma obra de excepção no contexto particular da produção projectual de Souto de Moura, mas também no universo tipológico adoptado na construção de um estádio. A escala dos elementos construídos, em relação directa com a geografia, revela-se inconvencional, com apenas duas bancadas laterais.

A ausência das bancadas de topo permite o desvio à regra, facilitando o diálogo com a paisagem. Souto de Moura trabalha esta obra, ampliando a uma escala máxima os elementos mínimos que constituem um estádio – como as bancadas, a cobertura e o espaço debaixo do relvado. As bancadas, que só são laterais estão partidas em dois níveis e estão ligadas por uma passagem inferior. Sob o relvado abre-se um enorme open space pontuado por inúmeros pilares. A cobertura que liga as duas bancadas lembra, intencionalmente, as pontes Incas do Perú.

O contexto físico é simultaneamente matéria e material de projecto. O perfil da montanha é estádio. É a partir da escala da rocha envolvente que se desenvolve a construção e se confirma uma nova dimensão de trabalho para Eduardo Souto de Moura.

O exacto local de implantação fez parte das escolhas de projecto. Eduardo Souto de Moura deslocou o estádio em relação à localização proposta pela autarquia, que o colocaria dentro do parque desportivo a norte da cidade mesmo junto a uma linha de água sujeito ao perigo de cheias. Assim a nova localização, sugerida pelo arquitecto, permitiu uma relação directa com o monte, servindo também de âncora para reorganizar o território e determinar a expansão da cidade a norte.

As entradas para o estádio foram assinaladas através de duas praças. A praça de nível inferior está alinhada com outros equipamentos desportivos, parques de estacionamento e novas áreas residenciais. A segunda praça, quarenta metros acima da anterior, abre-se para um panorâmico terraço e subindo outros quarenta metros chega-se ao centro da cidade.

Presentemente, Eduardo Souto de Moura trabalha com a ideia de heterónimos. Os seus projectos mais recentes não se unificam numa só concepção linear mas múltipla, misturando formas e referências, aceitando os condicionamentos e as circunstâncias de um sítio. Souto de Moura recorre ao uso de um bloco de notas, onde escreve e desenha frases e formas de outros autores, numa espécie de estímulo teórico, que o ajuda a ultrapassar impasses. As citações são livres e muitas vezes contraditórias. Souto de Moura apodera-se assim do axioma de Fernando Távora – ‘em arquitectura o contrário também é verdadeiro’ – para incentivar a sua produção, numa tentativa de criar algo que vá além da criação de uma linguagem coerente e de autor.

A produção mais recente de Souto de Moura, assume um trabalho gerado não pela extrema redução geométrica mas antes pela utilização de morfologias bem mais complexas, algumas até de natureza antropomórfica ou zoomórfica. A esta nova fase produtiva, o arquitecto designa-a por ‘inquietação’.

Obras como a Casa do Cinema Manoel de Oliveira (1998-2002), o Projecto do Museu do Surrealismo (2000) e as duas casas em Ponte de Lima (2001-2002) revelam essa maior disponibilidade em correr riscos, fazendo esquecer a procura por uma linguagem zero.

O seu trabalho mais recente é assim marcado pelo regresso ao trabalho de Álvaro Siza, mas também o recorrer a referências como Aldo Rossi e Jacques Herzog.

O interesse pelo trabalho de Siza concretiza-se em Souto de Moura através da resolução dos projectos caso a caso, cujas soluções formais diferem umas das outras porque dependem da especificidade do sítio, das referências do momento, da materialidade e da técnica construtiva.

Em Aldo Rossi, Souto de Moura descobre a possibilidade da manipulação poética da realidade através de uma racionalidade subjectiva que recorre à repetição, à colagem, à analogia, à prevalência da forma sobre a função e à história como material de projecto.

E a influência do trabalho de Jacques Herzog trouxe a necessidade de Souto de Moura conduzir cada projecto de arquitectura como se de uma experiência se tratasse – a base da procura projectual passou a estar na sistematização de diferentes soluções materiais e formais, testadas em sucessivos desenhos e maquetes.

Sendo assim o Estádio Municipal de Braga corresponde a uma nova fase no contexto da produção de Eduardo Souto de Moura em que a linguagem se multiplica e se misturam diversas referências e factores como:

  • A solução formal, a linguagem adoptada e a abordagem ao programa advêm de uma realidade concreta, circunstancial e condicionante – o Monte Castro;
  • As referências formais são históricas – Souto de Moura constrói o conceito do estádio a partir da referência do anfiteatro clássico (do qual o Coliseu é um exemplo) mas também a partir de algumas obras da Grécia clássica que já estabeleciam uma clara relação com a paisagem, nomeadamente o Teatro de Epidauros. A simetria é assim utilizada para enfatizar a relação directa entre o construído e a geografia, em que o panorama do vale fica valorizado.
  • Eduardo Souto de Moura trabalha o estádio através de uma nova e monumental escala: ‘… já não acredito em soluções estereotipadas… Eu prefiro uma linguagem mais essencial, a linguagem da grande infra-estrutura urbana e dos contentores.’. Por isso, também a alusão à arquitectura moderna ainda está muito presente, nesta obra, que tem como modelo a obra de Mies Van Der Rohe, revelando um interesse pela concretização exacta em que todas as operações de projecto são muito importantes para a definição da forma – construção, estrutura, infra-estrutura e acabamentos.

 Ana Ruepp