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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

 

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V - MONOLINGUISMO, DIVERSIDADE E NEUTRALIDADE LINGUÍSTICA

 

1. A hegemonia do inglês é vista de várias formas. Para os fatalistas e mais pessimistas, mesmo que se esteja perante uma inevitabilidade, é sempre uma ameaça à diversidade linguística. Para os otimistas, uma benesse e um benefício, uma dádiva bem aceite e recebida. Para outros, nomeadamente franceses, mesmo entre aqueles que defendem que a boa diversidade é a que fala francês, a língua inglesa, dada a sua apetência glotofágica, é um idioma de destruição linguística. Seja qual for a perspetiva, o monolinguismo veicular duma língua tem sempre subjacente a ideia de que uma herança linguística diversa é um obstáculo para a homogeneização do mercado, não coincidindo com as necessidades de unicidade do mercado global, dado que a globalização pressupõe e impõe a unicidade, entrando em confronto com várias zonas linguísticas que comportam a existência de vários mercados. A ideia que prevalece é a de que quem tem o poder impõe a língua. E um dos argumentos mais comuns para se usar o inglês e não usar outras línguas é o mesmo: os custos. Usar o inglês é mais barato, permitir o uso de outras línguas é dispendioso e nocivo.

2. Segundo outros, é salutar preservar e manter a diversidade linguística, pois que cada língua tem um tipo especial de relação com a realidade, um depósito de raízes e opções históricas, uma atitude de perceção e de conformação com o ambiente e meio em que nos inserimos e nos rodeia, na sequência de se ter como saudável que é a diversidade de perspetivas que pode proporcionar melhores soluções. Sendo a liberdade cultural parte vital do desenvolvimento humano, defende-se o respeito pela diversidade e a criação de sociedades mais inclusivas, promovendo políticas que reconheçam diferenças culturais, entre estas a diversidade linguística. A UNESCO, organização internacional e plurinacional com maior responsabilidade quanto ao estatuto e futuro das línguas, tem como linha oficial que todas as línguas planetárias têm, no essencial, o mesmo valor e a mesma dignidade quanto à sua proteção legal, pelo que a preservação da diversidade cultural e linguística é condição prévia para uma convivência internacional e civilizacional saudável e pacífica. Pertencendo à esfera do conhecimento, a língua é um valor difícil de quantificar, daí a sua heterogeneidade por confronto com uma homogeneidade global.

3. Numa tentativa de suprir o conflito dos idiomas, afastando o perigo do monolinguismo restrito ou veicular duma língua materna e oficial já existente, de um clube linguístico de línguas dominantes, de um regime de plurilinguismo restrito e geral, de uma permanente discriminação e tensão entre línguas dominantes e dominadas, consoante os respetivos contextos e circunstâncias, surgiram cenários alternativos. Aí se assumindo uma posição estratégica e programática a favor da neutralidade linguística, via criação de uma língua neutra, obrigando a optar entre uma língua-mãe e uma língua planeada interétnica, salvaguardando o princípio da igualdade das línguas, funcionando equidistante em relação a todas as línguas estaduais, querendo reduzir-se custos, permitir poupanças e eliminar desconfianças. Conseguir-se-ia a unidade preservando-se a diversidade das línguas e das culturas, pela sua natureza e isenção. Tomando como referência a Europa e a sua densa disseminação linguística num espaço proporcionalmente pequeno, as propostas vão desde a adoção de um idioma europeu com poucos falantes e pouco peso político, até à ressurreição duma língua-mãe, maioritariamente o latim, em detrimento do grego clássico, sem esquecer o esperanto, que nunca vingaram. A favor da neutralidade linguística, tem-se como fundamento sociológico que o ser humano, como ser social, não está, em termos identitários, restrito ao Estado-nação, identificando-se, simultaneamente, com comunidades territoriais que se sobrepõem em várias escalas (aldeia, vila, cidade, distrito, província, região) e com outros grupos (família, amigos, colegas, clubes, ideologia, religião), tendo como axioma que uma nova identidade não contraria outras identidades, por maioria de razão numa entidade supranacional (como o pretende ser a União Europeia), dado que para ter e manter identidade, tem de ter uma língua de identidade. Entende-se que uma língua não neutral não pode servir de língua identitária para uma entidade supranacional.

4. Entre as soluções propostas, a tida como reunindo melhores condições para servir de interlíngua foi o esperanto, uma língua neutra, internacional e racionalmente planeada. Segundo especialistas, goza da vantagem de ter uma gramática otimizada, de aprendizagem dezenas de vezes mais fácil e rápida que o latim, sendo um latim europeizado e modernizado, com concessões aos ramos românico, germânico e eslavo. Quantificando, o léxico do esperanto é integrado por 92,92% de lexemas prontamente compreensíveis por falantes de línguas românicas (por exemplo, português), em 89,82% de lexemas de imediato reconhecíveis por falantes de língua germânica e por 42,62% de lexemas imediatamente compreensíveis por falantes de línguas eslavas. Também não vingou, apesar do tratamento especial e lisonjeiro que lhe é dado, entre outros, por Umberto Eco e pelo prémio Nobel da Economia de 1994, Reinhard Selton.

Fernando Pessoa, após admitir ser bem possível que o esperanto seja aprendido num quinto do tempo que qualquer pessoa normal leva a aprender inglês, escreve: ”É melhor aprender catalão do que Esperanto, pois se conhecer o catalão poderá sentir-se em casa na Catalunha, mas se aprender Esperanto, em parte nenhuma se sentirá em casa porque o Esperanto não tem pátria. Ao aprender qualquer forma de Esperanto terá perdido, não uma oportunidade, mas todas as oportunidades que existem no mundo”. E acrescenta: “Se tivermos de ter uma língua universal, essa língua será o inglês e servirá tanto como língua cultural que como língua natural. Se tivermos de ter uma língua artificial universal, essa, teria ainda de ser inventada e deveria ser o mais completa possível, e não o mais fácil possível” (“A Língua Portuguesa”, Assírio & Alvim, edição Luísa Medeiros, 1997, pp. 117/8). Sendo uma língua artificial, nunca foi naturalmente aceite, nem internacional nem universalmente, por que uma língua não natural, apátrida, qual quimera idealizada.

5. A língua veicula poder e é ferramenta de comunicação, dominar a língua é dominar o mercado, pelo que o atual sucesso do inglês, como língua dominante, nasce da conjunção da expansão e força do Império Britânico com a hegemonia do poder militar e tecnológico dos Estados Unidos, surgindo como uma língua híperglobal ou “hipercentral language” numa galáxia linguística global, em concorrência e conjugação de intentos com um conjunto restrito de outras línguas, as superglobais ou “supercentral languages”, onde se inclui o português, o espanhol e o francês, todas elas línguas globais e internacionais. Podendo as línguas ser vistas como um organismo que sobrevive através de um processo de expansão dos seus falantes combinado com o seu desenvolvimento económico, sustentando os falantes nativos e o aparecimento de falantes não nativos, se nenhum destes elementos se verificar a língua entra em declínio, razão pela qual a ideia que prevalece é a de que os que detêm o poder impõem a língua, sem prejuízo duma opção da unidade com diversidade, em antinomia com a diversidade sem unidade e unidade sem diversidade.

 

28 de Março de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício