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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LONDON LETTERS

  

A Burkean duty, 2016-18

A inquirição é simplesmente deliciosa. Frente a frente no Treasury Committee estão o chair RH Andrew Tyrie ladeado de 10 MPs face ao depoente RH Boris Johnson. O Mayor of London presta oral evidence sobre “The economic and financial costs and benefits of UK membership of the EU.” Desde logo surpreende a etiqueta parlamentar: Chair ‒ "I do not know whether to call you Boris or Mr Johnson. (...) I suppose I could call you Mayor." / BJ ‒ "Boris is fine, Mr Tyrie."

Depois ressoa a persistência nas sondagens: ‒ “You are not keeping an eye on the opinion polls?” Por fim seduz o posicionamento da estrela dos Brexiters: ‒ “No, we have a Burkean duty.” — Chérie. Bonne volonté est réputeé pour le fait. Ainda mal refeitos do choque pelos atentados em Paris e novos bombistas suicidas cravam a morte no coração europeu. Brussels chora hoje os seus mortos, tal como ontem New York, Madrid ou London, enquanto o resto da European Union interpela os power games em torno da emigração e das fronteiras. — Hmm! Accidents will happen. O exército sírio reconquista Palmyra ao Isis e os arqueólogos avalizam que a gesta destruidora dos jihadistas na Hadrian city é reversível. Mr Donald Trump e Mrs Hillary Clinton somam e seguem na White House Race. O candidato republicano com terras em Scotland diz que o UK prepara a Brexit e declara reino e continente como "not safe places." O US President Barack Obama dança ousado tango em Buenos Aires; os Rolling Stones dão concerto histórico em Havana. O Thames recebe as 2016 Boat Races.

 Still stormy weather em London. A tempestade Katie comparece com high winds nas festas pascais e semeia danos, dificuldades e afazeres extra para as counties’ fire brigades. Os céus entram já em acalmia, mas o mau tempo traz drama adicional quer ao Molenbeek Problem em Belgium, quer à Oxbridge rivalry no Thames que por cá tematizam as conversas. As tradicionais boat races atraem todas as atenções nas margens ribeirinhas, este Sunday, desde as pontes de Putney e Hammersmith às de Barnes e Chiswick. A emoção cedo vai ao rubro. O batel feminino da Cambridge University mete tanta água que mobiliza meios de socorro para o circuito rápido de Middlesex. Assim garante comentários jocosos e o triunfo das Oxford girls. Os remos equilibram depois, até com dispensa de intervenção do Honest John ao longo do curso das quatro milhas, dada a vitória desafogada dos Cam boys

Águas rápidas também em Whitehall. Os Tories permanecem ocupados com a gestão de danos pela surpreendente demissão de RH Iain Duncan Smith do HM Government. Um subproduto é a latente insurreição em matéria do euroreferendo, do grupo parlamentar às local grassroots, com os 140 MPs do Leave EU a posaram para a posteridade junto às Houses of Parliament. Para não destoar, igualmente o Labour e o UKIP revelam sinais de fragmentação às portas das 5th May elections. Se a direção partidária de RH Nigel Farage suspende Mrs Suzanne Evans, tão só a autora do programa eleitoral e potencial candidata dos Ukippers à London Assembly, por razões procedimentais menores, o Lab antes se embrulha numa mal explicada “loyalty list” dos seus backbenchers, arrumados por mão obscura segundo categorias de neutrais a hostis à orientação de RH Jeremy Corbyn. Resume o Prime Minister: “I thought I had problems!”

Na House of Commons, todavia, multiplicam-se as preocupações para a maioria conservadora. A incomodidade gerada pelo 2016 Budget marca presença dentro e fora da câmara, com os protestos e a agitação sindical a regressarem a Westminster City. O Premier deita água e algum bicabornato na fervura. Em pleno Parliament, após um longuíssimo e turbulento fim de semana de duros ataques e contra ataques mediáticos entre apoiantes de um e outro, Sir David Cameron acaba a elogiar o contributo político do seu ex ministro e agora arquirival RH IDS. O atual e anterior líder dos Tories têm confrontos agendados para as semanas da campanha referendária, mas o fogo inicial da resignação é debelado quando já chamuscava um rapidamente discreto Chancellor of The Exchequer. Ora, missing in action durante os dias mais quentes do debate, RH George Osborne introduz quer polémicas pautas fiscais no reino, quer novel jogo em Whitehall: “Where is Ozzie?”

Bem humorada é ainda a intervenção na Lower House de outro dos tenores dos Conservatives. O Chair do Committee qualifica mesmo a audição de “busking, humorous approach,” aliás, em contraste com a pose que Mr Tyrie doa “to a very serious question for the United Kingdom.” Pois das muitas horas do testemunho prestado por RH Boris Johnson MP retêm-se dois factos. O Mayor de London é um natural candidato à sucessão do PM no partido e em Downing Street. No capítulo dos Eurosceptics at war avulta o entendimento por ele verbalizado de a European Union viver “the intensification of the dominance of Germany.” À reação imediata explorando discrepâncias escutadas na Thatcher Room, logo decorre polifonia de punctos contra puntum. O Johnsonian verb encontra contravapor mediato no Bank of England e no alerta de perigo maior que a eventual Brexit acarreta para a estabilidade financeira nacional. Caso tal não baste em torrente de fear, doom and gloom, a Education Secretary RH Nicky Morgan aponta entretanto para o risco de a "lost generation" caso Britain vote a saída da EU. No mais do voto de 23rd June: Only 86 days to go…

Perante o agitado perfil das elites políticas domésticas, nem sempre por melódicas razões, nota final para o Pope Francis. Uma mega sondagem da WIN/Gallup International indica o Holy Father como “more popular than any political world leader.” A opinião mais altamente favorável ao líder de Rome é recolhida entre católicos e judeus, sendo estes secundados por mais de metade dos protestantes e quase outro tanto dos ateus e agnósticos. Hmm! Think about what Master Will says in “The Life and Death of King John:” Strong reasons make strong actions: let us go: / If you say ay, the king will not say no.

St James, 28th March                  

Very sincerely yours,

V.

ATORES, ENCENADORES (LXIX)

  

HENRIQUE LOPES DE MENDONÇA ORIENTADOR DA CENA E DA INTERPRETAÇÃO

A preparação de uma edição de Teatro Escolhido de Henrique Lopes de Mendonça leva-me a questionar a potencialidade de espetáculo dos textos de teatro e a maior ou menor intervenção e orientação do próprio dramaturgo na respetiva realização cénica. Apetece então lembrar a fundação do teatro-espetáculo português, quando, em 7 de junho der 1502, um “pastor” penetra “aos arrepelões” e “à punhada” na Câmara onde a Infanta D. Maria, mulher de D. Manuel I dera á luz o futuro D. João III.

Sabemos que o “pastor” era Gil Vicente “trovador e mestre da balança” e o “Auto da Visitação” ou “Monólogo do Vaqueiro” formaliza um fundação do teatro português, peses embora os antecedentes já então concretizados por exemplo por Henrique da Mota, hoje esquecido. Isto, para dizer que qualquer texto de teatro tem necessariamente o potencial da sua realização de espetáculo, ou então não é teatro, é prosa ou poesia dialogada... Só que há dramaturgos que melhor ou pior alcançam e potenciam essa dimensão de espetáculo.

Vem tudo isto a propósito de um estudo que efetuei sobre o teatro de Henrique Lopes de Mendonça, autor da letra do Hino Nacional A Portuguesa. Oficial de Marinha escreveu mais de 30 textos dramáticos. E o que aqui nos prende agora a atenção é precisamente o sentido de espetáculo e a encenação potencial que muitos ou quase todos esses textos expressamente contêm.

Digamos que é habitual os autores completarem as falas de cada personagem com indicações, maiores ou menores, de cena, orientando assim, de certo modo, a potencialidade de cada interpretação/encenação. Como também é comum a descrição de cenários e ambientes cenográficos, muitas e muitas vezes introduzidos pelo dramaturgo, geralmente no início de cada ato. Mas em Lopes de Mendonça estamos perante textos de verdadeira orientação cénica correspondentes a cada personagem, a cada situação dramática. E é interessante, repita-se, encontra-los num dramaturgo que, pela sua formação (Oficial da Armada) e pela sua biografia, não era propriamente um homem de teatro-espetáculo

Essa formação e atividade profissional surge porem, não raro, subjacente e até evidente nas descrições de cena. Assim por exemplo, na descrição da nau Flor da Rosa da peça “Afonso de Albuquerque”:                                    
“Trecho da tolda da nau Flor de la Rosa em viagem, vista quase longitudinalmente de estibordo, supondo-se o eixo do navio com a obliquidade de cerca de uns 30º sobre a linha do proscénio. À esquerda levanta-se o chapitéu, cuja parede anterior fecha a cena por esse lado. Sobre o chapitéu, varanda corrida, com escada aos dois bordos para a tolda, e mastro da mezena, cuja vela triangular se vê em parte, cortada pelas bambolinas”(…)

Mas agora compare-se esta descrição com a nota de cena do Ato I da peça “O Azebre”, esta passada em “Lisboa atualidade” (1909), onde se descreve a habitação e a vida miserável de um velho músico:

“Um sótão. Ao F. porta de entrada comunicando com a escada da qual se entrevê a grade do corrimão. À D. janela de água-furtada. À E. porta para a cozinha. Cómoda à E., abaixo da porta, tendo em cima um grande numero de musicas e alguns livros. Mesa um pouco à D. quase em frente da janela. Cama de ferro ao F., em desalinho, entre a porta e a E. da cena. Junto dela, um mocho alto com uma palmatória de folha e um livro. Quatro ou cinco cadeiras espalhadas pela cena. Toda a mobília ordinária e em mau estado”…

Este ambiente irá contrastar com o segundo ato, numa “sala de receção comunicando com um ou mais arcos com a sala de música ao F. Vê-se nesta um grande piano de cauda e uma harpa encapada. – Portas laterais. Uma janela à E. A. Mobília de aparato. – Lustres e candeeiros acesos”.

E o mesmo detalhe acompanha muitas vezes as próprias cenas e as intervenções dos personagens, em didascálias que traduzem um sentido de orientação de espetáculo e de interpretações. Importa aliás referir que “O Azebre” foi recusado pelo Teatro D. Amélia e Pelo Teatro D. Maria II por ser considerado “obsceno”. E só subiria á cena em 1909, no então Teatro do Príncipe Real, com atores que, mesmo na época, nem todos eram de primeiro plano: mas que tinham no elenco também grandes nomes: desde logo Ferreira da Silva no protagonista, mas também, nos papéis principais, Teodoro Santos, Luciano de Castro, Amélia Ramos, Zulmira Ramos, Maria Falcão, Adélia Pereira. (cfr. “Teatro Naturalista” de Luís Francisco Rebello, INCM 2013).   

Mas outras peças de Henrique Lopes de Mendonça merecem atenção no ponto de vista do espetáculo. Veja-se, como mais um mero exemplo, esta nota de cena ´da peça “O Salto Mortal”, envolvendo as duas protagonistas, Luísa e Doroteia: “Luiza tem ido buscar os objetos pedidos. Apenas volta com eles, Doroteia começa a fazer a cama sobre a arca, podo primeiro a esteira em guisa de enxerga, e por cima o cobertor e o colchão. Tudo é feito durante as falas seguintes, conforme se vai deduzindo do diálogo”. É uma verdadeira orientação de dramaturgo-encenador!

Ora bem: este sentido do espetáculo marca profundamente o teatro de Henrique Lopes de Mendonça. E torna mais evidentes as opções cénicas e interpretativas, da parte de atores e encenadores, como da parte de cenógrafos e técnicos de espetáculo que, de uma forma ou de outra, o interpretam e fazem-no atual. Pois, como escreveu, e bem, Luciana Stegagno Pichio, que aliás põe algumas reservas a esta dramaturgia, as suas peças refletem “rigor documental na pintura dos ambientes e costumes“ e “preocupação de verosimilhança que denuncia a influência da nova estética verista” (in “História do Teatro Português” -  trad. port.- pag.279).

E esse sentido de espetáculo justifica a referência, pelo conteúdo dramático dos textos, mas também pela orientação que expressamente consagra relativamente aos atores e aos encenadores: e os exemplos podem multiplicar-se, na vasta obra “ teórica e prática” de Henrique Lopes de Mendonça!


DUARTE IVO CRUZ