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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LONDON LETTERS

Mr Franklin and The Duncaniana, 1766-2016

RH Iain Duncan Smith demite-se do HM Government. A shock resignation abre rombo no galeão conservador e fere o 2nd Lord of Exchequer no path to power. A saída é justificada com corte do Treasury no apoio a pessoas com necessidades especiais, "a compromise too far." Reage o Prime Minister com prontidão, zunindo antes o abandono derivar do referendo europeu e do posicionamento do Work and Pensions Secretary na ala rebelde do Leave.

A refrega é tamanha que a mim conduz, sim, às sequências bélicas no épico Master and Commander. — Chérie. Mars venteux et Avril pluvieux font le Mai gai et le Juin gracieux. O Chancellor RH George Osborne apresenta o Budget 2016 na House of Commons. Aplaudido pelo PM, a Osbo’s taxation afronta tempestade mediática, mostra as fendas nos fortins do Tory Party e desagua na cessão do par. Se os ventos sopram o beware The IDS, a Loyal Opposition pede a sua cabeça. O 18 March marca até a 250.ª vela no Declaratory Act, após o londrino acidental Mr Benjamin Franklin persuadir o Parliament da iniquidade do Stamp Act, os MPs rejeitarem o imposto mas canonizarem o direito pátrio de taxar as colónias, tudo depois redundando na American Revolution. — Hmm! When the birds are away, Galapagos tortoises can play. Brussels e Ankara acordam comum gestão dos refugiados, a expensas de cofres e intenções. A Economist Intelligence Unit classifica a alta elegibilidade de Mr Donald Trump na White House Race como a major geopolitical threat, acima do Jhiadismo, do petróleo ou da Brexit. Com a violência a escalar na campanha, o milionário is still winning. O US President Barack Obama faz história em Havana e nomeia o Hon Judge Merrick Garland para o Supreme Court, sob bloqueio republicano em Capitol Hill. Os Princes Willam e Harry planeiam a Memorial Garden para Diana of Wales em Kensington Palace.

Good-looking early springtime em London. Também politicamente vulcânico, quiçá louvor às navegações equatoriais de ilustre antepassado do protagonista do momento e a trovão idêntico à renúncia de Sir Geoffrey Howe que, em 1990, vulnerabiliza a Premier RH Margaret Thatcher. Que alguém quis lançar alguém aos lobos, parece líquido, restando saber quem o fez a quem. Da lava, cinzas e enxofre que resultarão da saída de Right Honourable IDS, declarará o futuro. Para já, além do choque de um PM que se diz "puzzled and disappointed," há a remodelação no Cabinet e a promoção do Welsh Secretary RH Stephen Crabb (MP por Preseli Pembrokeshire). Os Ids of March têm profuso passado. O território onde, em 1766, "Franklin, of Philadelphia" testemunha face ao Parliament sobre a atitude dos atlantes face aos tributos do King George III. O diálogo no Hansard é limpído. “Question: Do the Americans pay any considerable taxes among themselves? Answer: Certainly many, and very heavy taxes.” O Bostonian esclarece que os frontier counties estão depauperados e inabilitados de pagar novas rendas. “Q. Are not the colonies, from their circumstances, very able to pay the stamp duty? A. In my opinion there is not gold and silver enough in the colonies to pay the stamp duty for one year. | Q. Don’t you know that the money arising from the stamps was all to be laid out in America? A. I know it is appropriated by the act to the American service; but it will be spent in the conquered colonies, where the soldiers are, not in the colonies that pay it... | Q. Do you think the people of America would submit to pay the stamp duty, if it was moderated? A. No, never, unless compelled by force of arms... | Q. Why may it not? A. Suppose a military force sent into America (…). They will not find a rebellion; they may indeed make one.” Com idêntica clareza diz agora o líder do Labour Party, RH Jeremy “Lucky” Corbyn, dos disability cuts: "Simply not fair, not right."
O antanho tem também grave ilustração nas paredes do gabinete do agora ex Tory Minister. Este era o espaço de trabalho de quem equaciona o trade sem diáfanos mantos: “Politics is war without the death.” Em torno de IDS havia óleos e afins de seabattles, WS Churchill e familiar herói da Battle of Camperdown em 1797: Adam Duncan, 1st Viscount Duncan (1731–804).

Sobre o valor do homem basta notar que dá nome à também conhecida como Galapagos Island, por onde deambula Mr Charles Darwin durante a viagem no HMS Beagle e cujas reflexões, observações e coleções locais assistem à poderosa theory of evolution by natural selection. A jornada oceânica possui magistral relato no seu "Journal and Remarks, 1832-35" e ainda na "Narrative of the Surveying Voyages of His Majesty's Ships Adventure and Beagle", sob liderança do então Captain e logo Vice-Admiral Robert Fitzroy. A Duncan Island tem o seu quê de mítico. Cedo por lá andam portugueses e espanhóis na passagem dos hemisférios, em plena era das descobertas. Está nas The Encantadas de Mr Herman Melville, o criador do lendário Moby Dick (1851/854). Já a courage of the few que vence as Napoleonic Wars ecoa ultimamente em Master and Commander: The Far Side of the World, de Peter Weir (2003), épico protagonizado por Mr Russell Crowe — enquanto Capt. Jack Aubrey e contracenando com Mr Paul Bettany como Dr. Stephen Maturin e Mr Max Pirkis como Lord Blakeney. O trio retine tanto o biólogo no Equator quanto o jovem Lord Horatio Nelson e o seu mentor na Royal Navy: o Commander Duncan, protótipo de carismático líder forte, duro e justo. Uma inspiração, decerto, também para quem, nos nossos dias, maneja o machado no Welfare State e fica agora solto para hastear a bandeira da Brexit na batalha europeia; no caso: contra os Bremainers Osborne MP e PM Cameron. Pro memoria ficam palavras da passagem do Scotch pelo leme dos Conservatives entre 2001-03: "Do not underestimate the determination of the quiet man.” No mais do voto de 23rd June: Only 93 days to go…

Westminster debate agora o desbaratado Budget 2016, o qual se emprega em melhor de igual. Na estreita maioria no Parliament, porém, muitos MPs antes apostam na queda do Tory Crown Prince do No. 11. O Prime Minister faz hoje a statement na House of Commons e constitui como objetivo “a big Remain victory,” a fim de restabelecer a autoridade nas hostes mas ainda sem exibir un lieu de l´avenir para a ideia da indispensable Atlantic Europe. Com um défice da ordem dos £8b e o compromisso de, até 2019-20, mais do que equilibrar as finanças públicas, inscrever raro excedente nas contas, já o Chancellor tem sombras na guiding supreme ambition de aceder ao 10 Downing Street. O flanco hostil dos eurocéticos alarga com uma fatia crescente dos backbenchers insatisfeita com a Osbo’s Economic basic formula: cortes nos apoios sociais + créditos fiscais aos afluentes. Tudo somado vem excêntrica equação das rivalidades políticas: (1) a distribuição social do fardo da austeridade; (2) a sucessão no Conservative Party; e (3) o voto no EU Referendum. — Hmm! Keep in mind Master Will at “Much Ado About Nothing:” Friendship is constant in all things / Save in the office and affairs of love.

St James, 21st March
Very sincerely yours,
V.

A VIDA DOS LIVROS


De 21 a 27 de março de 2016.

«Uma Menina está Perdida no seu Século à Procura do Pai» (Porto Editora, 2014) de Gonçalo M. Tavares acaba de ser traduzida em Espanha e motiva a capa de um importante periódico do país vizinho.


El Pais – Babelia.


O ESCRITOR QUE SE ESCONDE

«O que é o passado? Isto: tempo que cada vez ocupa / menos espaço, e tal facto é visível na mala de Bloom. / O presente – agora, este momento -, pelo contrário, ocupa todo o espaço que nos rodeia (…) / Séculos inteiros guardam-se agora em gavetas medíocres» («Uma Viagem à Índia», Canto VIII). Aqui se encontra porventura uma curiosa chave para tentarmos compreender o caráter multifacetado de uma obra cheia de caminhos e lugares, de viagens interiores e exteriores… Há dias, Gonçalo M. Tavares foi capa em «Babelia», o suplemento semanal de «El Pais» dedicado aos livros e às artes. A fotografia foi tirada em Cartagena da Índias, durante o Festival Hay da Colômbia, e o escritor está como que escondido numa das aberturas da antiga muralha. «O Escritor que sabe esconder-se do século XXI». E há um caráter metafórico nessa representação, que quase passa despercebido: o escritor gosta de citar o pensador dinamarquês e de seguir um seu conselho: «Kierkegaard dizia que quem não tivesse um bom esconderijo não teria boa vida». Gonçalo gosta, de facto, de jogar às escondidas com o mundo e a vida. Este destaque é um sinal importante e vale exatamente pelo reconhecimento de um talento especial do escritor a lidar com o tempo. Já referimos o presente, devemos ainda lembrar que faz sentido «o homem ser dotado dessa faculdade de ouvir e ver para trás que se chama memória» (Id. Canto II). O tempo é a matéria-prima que o autor procura descobrir e revelar… E, se virmos bem, em toda a sua obra há um permanente lidar com os diversos tempos que somos levados a compreender. «Um caminho é como uma casa: é necessário abrir a janela, de vez em quando, para que o ar circule. Precisa de ser arejado, o caminho, e os homens que o percorrem são os que executam este ofício. São os homens e as mercadorias que conservam a estrada» (Id. Canto V). E assim viajar tem a ver não apenas com as pessoas mas também com os percursos…

SERES ENIGMÁTICOS…
Alberto Manguel escreve sobre o português e diz que o seu deus tutelar é o Gato Cheshire de Alice no País das Maravilhas: «seres enigmáticos parecem surgir de lado nenhum» e há oscilações entre a razão e a lógica fantástica. Manguel fala da tradução espanhola de «Uma Menina está Perdida no seu Século à Procura do Pai» de Rosa Martinez-Alfaro, na Seix Barral, e diz: «podemos ler as aventuras (ou desventuras) de Hanna como o retrato poético de uma pessoa com trissomia 21. Ou lê-lo como um conto de fadas com um fundo enigmático, os seus prodígios e seus terrores, a sua atmosfera de lúcido pesadelo, a sua rica ambiguidade, a sua memorável epifania». As obras de Gonçalo M. Tavares alimentam esta ambiguidade frutífera – são contos de fadas e muito mais. E no caso da obra a que Manguel se refere dir-se-ia que na célebre viagem à Índia, que é fundamentalmente uma peregrinação mental, já se fala das «palavras que se dizem à menina que se perdeu dos pais» (Canto III) para marcar a distinção das diferentes identidades definidas por fronteiras… Na entrevista que concede ao jornal, a Berna González Harbour, o nosso autor diz-nos que «o fácil é perigoso» e fala-nos do seu processo criativo, em que se detém longamente no ato de depurar o texto, para se ficar pelo essencial. «Para mim a ordem interna é importante no meio do caos» e lembra o exemplo do pai engenheiro na escolha criteriosa dos materiais para a construção. Preocupa-o, porém, essencialmente o mistério do ato criador em ligação com a vida – há «um microsegundo decisivo em que cada um joga como se fosse o sprint dos cem metros». Boa parte da criação começa quando o leitor levanta a cabeça, e começa a imaginar, a associar. E isso deve-se a uma especial intensidade da palavra que se constitui num detonador. «A força da frase depende de concentrar o essencial». Daí a necessidade da depuração e da recusa da adjetivação e da facilidade. E Jorge Luís Borges é chamado a confirmar essa ideia, dizendo que o excesso de adjetivos e de juízos de valor é contraproducente – a parcimónia é essencial.

LER A HUMANIDADE
Preocupado com o essencial, Gonçalo M. Tavares procura ler a humanidade. «As revoluções que pretendem mudar o homem, como o estalinismo, são perigosas e disparatadas porque o homem é um animal muito antigo. Podemos mudar os artefactos técnicos que o rodeiam, mas não o desejo, a violência, a excitação, o organismo, a bondade, o instinto. Uma revolução que quer mudar a vida é outra coisa: mudar as relações, o dinheiro, os aspetos materiais, os objetos». E no decurso do livro «Uma Menina está Perdida…» encontramos a figuração do estranho século XX, nas suas manifestações mais perigosas, como no momento em que os protagonistas são conduzidos a uma cidade de Berlim alegórica na qual o nazismo está representado por um hotel, onde há uma quase total escuridão, sendo a única luz a que ilumina os nomes dos quartos – com a toponímia dos campos de extermínio. Estão perdidos e quando encontram o quarto sentem alívio. A primeira luz parece ser a salvação, mas de facto é a terrível lembrança de Auschwitz. E é preciso haver lucidez, para distinguir o que é terrível. «Muito do que aconteceu no século XX tem a ver com isso. A obscuridade pode ser o desemprego, prolongado, a guerra, a pobreza. Mas não se deve permitir que se prolongue a obscuridade porque pode aparecer uma luz ainda pior». Esse alerta para que haja especial atenção relativamente ao risco do predomínio da barbárie está muito presente em «Uma Viagem à Índia». O Senhor Bloom «quer alcançar a Índia e a sabedoria ao mesmo tempo. E tão longe está desses dois destinos» (Canto I). E Shankra, o homem que encontra na Índia, «parado, não deixava de subir lentamente – como um carvalho que soubesse astronomia e crescesse direcionado para uma estrela particular». Mas Bloom é vulnerável, frágil, precisa de se proteger. «Só a ligeira melancolia permite a existência de sítios recatados». E assim a sua proteção deve-se à «tristeza que havia trazido da Europa – de Lisboa mais precisamente. Sem a ingenuidade trôpega dos felizes, o seu pensamento movia-se» (Canto VIII). Mas, se «procurou o Espírito na viagem à Índia, / encontrou a matéria que já conhecia» (Canto X). Gonçalo M. Tavares tem na sua obra vária diversos exemplos de pôr a tónica na interrogação universalista sobre o nosso sentido de viagem, enquanto partida e chegada – e Eduardo Lourenço compreende-o, melhor que ninguém: «a nossa fabulosa aventura foi sempre sem sujeito como os gregos já sabiam. Mas agora navegamos pela primeira vez e a sério no mar do nosso sublime, ou apenas trivial e universal, anonimato»…

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

Minha Princesa de mim:
 

Os Parisienses distinguem-se entre os povos da Cristandade pela agudeza dos seus intelectos, a precisão do seu entendimento, e a imersão dos seus espíritos em assuntos profundos... não são prisioneiros da tradição, mas gostam sempre de conhecer a origem das coisas e as provas delas. Mesmo a gente comum sabe ler e escrever, e entram como as outras em assuntos importantes, cada homem consoante a sua capacidade... Está na natureza dos Franceses serem curiosos e entusiasmarem-se mcom o que é novidade, e  gostam da mudança e alteração das coisas, principalmente quanto a vestidos... Mudança e capricho também estão na natureza deles: passarão imediatamente da alegria à tristeza ou da seriedade à brincadeira, ou vice versa, de tal modo que num só dia um homem fará toda a maneira  de coisas contraditórias. Mas tudo isso no que toca a miudezas; nas coisas grandes, as suas visões da política não mudam; cada homem permanece com as suas crenças e opiniões... Estão mais próximos da falta de misericórdia do que da generosidade... Negam os milagres, e crêem que não é possível infringir leis naturais, e que as religiões se fizeram para apontar boas obras aos homens... mas entre as horríveis crenças deles está essa de que o intelecto e virtude dos seus homens sábios são maiores do que a inteligência dos profetas... Aqui tens, Princesa, um trecho dum relatório que Rifa´a al-Tahtawi, enviado a Paris, em missão de investigação da educação francesa, pelo 1º khediva do Egipto, Maomé Ali, remeteu ao seu soberano. É muito interessante, por curto que seja, a vários títulos: antes de mais, por ser coevo das missões que o Japão da restauração Meiji também enviava à Europa, com similares objectivos, o que diz muito do prestígio e da emulação que o "Ocidente" criara junto de outros povos, do médio e extremo oriente; depois, porque é cautelosamente lúcido na percepção das "luzes" ou espírito crítico e livre pensamento como factores de progresso; e, adiante, por não lhe escaparem os gostos e as frivolidades que os ventos ditos de progresso sempre trazem; finalmente, pelo receio instintivo de um muçulmano perante essa liberdade de pensamento e atitude que, se já parece contestar normas ou práticas religiosas cristãs, poderá significar outra revolução no seio da ortodoxia sunita... Pelo nosso lado, notemos apenas que, na cristandade europeia, ao tempo, também um clericalismo bacoco  -  de que Pio IX ficou símbolo - se aterrorizava e condenava o modernismo... Mas, na presente carta, quero tão só falar-te do Médio Oriente, nesse período em que o império otomano se desmembrava e as potências europeias, rivalizando entre si, rapidamente e em força tentaram ocupar e ocupar-se dos territórios órfãos de império. Simplificando o relato histórico, o império otomano afirma-se no princípio do século XIV e, no seu apogeu, que se pode situar entre a conquista de Constantinopla (1453) e o levantar do cerco de Viena (1683), ocupava a margem sul do Mediterrâneo, do Magreb ao Egipto, Palestina, Líbano, Síria, Iraque, Irão, Chipre e Creta, a Anatólia, Turquia europeia, Grécia, Macedónia e Balcãs, a própria Hungria e Europa oriental, a sul do Dniepre e até à Crimeia... O fracasso do cerco de Viena (que tanto assustou a cristandade!) marca o início de dois séculos e meio de derrotas e recuos, sobretudo a partir de finais do século XVIII, em que é uma referência a invasão do Egipto pelo exército de Napoleão, em 1798. Aliás, não vejo claramente quais as razões dessa campanha napoleónica, ainda que sempre me tenha perseguido a impressão de que, a exemplo dos antigos generais romanos - que, em vitórias e conquistas longínquas, procuravam a glória que os alcandorasse ao poder em Roma - o estratega corso nas margens do fértil Nilo buscasse o prestígio histórico que trouxesse brilho e fama à sua ambição, numa França embebida de admirativas referências da Antiguidade Clássica... Mas poderei perguntar, com o historiador britânico Donald Quataert: Seguiria Napoleão na senda da Índia britânica ou pretendia simplesmente bloquear o acesso da Inglaterra à sua futura jóia da coroa? Ou, tal como a incursão gorada sobre o norte da Palestina parece sugerir, procuraria ele substituir o império otomano pelo seu próprio império? Fosse o que fosse, não é essa história que me traz até ti, nem tampouco a dos afrontamentos, por ali, entre potências europeias (França, Reino Unido e Reich alemão), antes e durante a 1ª Grande Guerra, sobretudo por via da sublevação de populações locais e de alianças várias, e variáveis, levando-lhes a concomitante instrução em técnicas de guerrilha, sabotagem e terrorismo. Tudo isso que levou, primeiro, ao desmantelamento do poder otomano na região e, pouco depois, à sua derrota, aliada à Alemanha, nessa guerra, a que sucederia a implantação da República Turca, em 1923. Entretanto, assistia-se à instalação de protectorados franceses e britânicos, à ocupação colonial, por ambos, do norte africano e do oriente médio - a que, entre as duas Grandes Guerras, se juntaria a italiana, na Líbia - e, finalmente, à constituição do estado sionista de Israel e ao desenho das fronteiras de todos os outros que para ali estão em ameaças e conflitos permanentes. A lembrança que quero trazer-te antes tem que ver com o surto de instituições de educação, ensino e investigação, de que beneficiaram, sobretudo, populações e elites egípcias (Cairo) e libanesas (Beirute). Penso que já te terei falado de algumas delas. Mesmo ainda durante o império otomano, o desejo de tentar concorrer com a Europa levou governos reformistas a criar escolas destinadas à formação do necessário pessoal militar e administrativo, bem como engenheiros e médicos, designadamente em Istambul, no Cairo e em Túnis. Mas com a emancipação, do poder otomano, de cidades e províncias do império, e a concomitante presença e influência de culturas europeias, cresceram elites locais e generalizou-se, de Marrocos à Síria, o ensino das línguas francesa e inglesa, sobretudo da primeira, que com elas veiculavam saberes e técnicas diferentes e novos, além de outros modos de olhar e estar no mundo e na vida... Se algumas dessas escolas eram de iniciativa autóctone, outras chegavam do exterior ou surgiam da combinação de projectos indígenas com oportunidades estrangeiras, como no caso de comunidades árabes cristãs, por exemplo as de maronitas libaneses. No Líbano, além das missões católicas francesas que vieram em apoio das igrejas católicas maronitas, até com financiamento republicano francês, já em 1875 os jesuítas fundavam a Universidade de São José, em Beirute, a que se juntaria uma faculdade de medicina em 1883. Antes ainda, em 1866, americanos haviam fundado o Colégio Protestante Sírio, donde mais tarde nasceria a Universidade Americana de Beirute. Curiosamente, bem cedo famílias muçulmanas preferiram colocar as suas filhas em colégios de freiras, onde, além de falar francês e outras prendas, as meninas aprendiam a conduzir-se como tais e a ter modos... Sucessivamente iam afluindo, além das católicas, mais francesas, missões protestantes, inglesas e americanas, tal como ortodoxas russas, todas, claro está, fomentadas pelos respectivos governos. A própria França esteve por detrás de uma Aliança Judia que, de Marrocos ao Iraque foi implantando escolas hebraicas para as crianças dessas comunidades. E, em consequência disso tudo, foram aparecendo reflexões, receios, condenações e propostas, reacções várias à crescente e muito presente influência ocidental. Respigo dois textos, da autoria de respeitados intelectuais islâmicos, atentos aos sinais dos tempos: Este de Khayr al-Din (+1889), um dos que tentaram reformar o governo da Tunísia, antes da ocupação francesa: Antes de mais, é urgente incitar zelosos e resolutos homens de estado e religião a adoptarem, tanto quanto puderem, tudo o que conduza ao bem estar da comunidade Islâmica, e ao desenvolvimento da sua civilização, tal como a expansão dos limites da ciência e aprendizagem e à preparação dos caminhos que conduzem à riqueza...sendo a base de tudo isso um bom governo. Depois, censurar todos esses que não se incomodam com a persistência, da generalidade dos Muçulmanos, em fechar os olhos ao que é digno de louvor, e se conforma com a nossa própria lei religiosa, na prática de fiéis doutras religiões, só porque meteram na cabeça que devem ser evitados todos os actos e instituições daqueles que não são Muçulmanos. Mais este de Maomé Abdu (1849-1905), um egípcio muito e longamente influente no pensamento islâmico: Quero libertar o pensamento das algemas da imitação, e entender a religião como ela era entendida pela comunidade antes de aparecer a dissensão. Quero regressar, na aquisição de sabedoria religiosa, às suas primeiras fontes, e ponderá-las à escala da razão humana, que Deus criou para prevenir excessos na adulteração da religião, e assim se cumprir a sabedoria de Deus e preservar a ordem do mundo humano. E para provar que, vista a esta luz, a religião deve ser contada como amiga da ciência, empurrando o homem a investigar os segredos da existência, intimando-o a respeitar as verdades estabelecidas e a delas depender na sua vida moral e conduta. Em ambos estes autores encontro afinidades com o pensamento do enorme Ibn Khaldun - esse sábio do século XIV, de raiz andaluza, acerca do qual, no passado, Princesa de mim, já escrevi - quando na sua Introdução ao Livro dos Exemplos, a chamada Muqaddima, VI, XVIII (Das ciências racionais) escreve sobre persas e rum (nome que refere os bizantinos ou, conjuntamente, gregos e romanos) : De todos os povos cuja história conhecemos, aqueles que mais cultivaram essas ciências, são as duas grandes nações pré-islâmicas dos Persas e dos Rum. Segundo as informações que chegaram até nós, as ciências tinham nelas lugar de honra, porque elas tinham uma civilização florescente, e eram elas que governavam o mundo antes do Islão e quando ele surgiu. Nas suas diferentes regiões e cidades, as ciências eram muito prósperas. E, depois de percorrer a história das ciências nas civilizações persa , grega e romana, nomeando com rigor filósofos e outros sábios, Ibn Khaldun escreve: Depois da destruição do poderio grego, o poder passou para os imperadores romanos, que adoptaram a religião cristã e abandonaram as ciências racionais, tal como exigiam as religiões e as leis religiosas. Mas essas ciências puderam ser conservadas graças às colecções em que ficaram consignadas, e essas foram preservadas nas suas bibliotecas. Mais tarde, os imperadores romanos apoderaram-se da Síria, e essas obras científicas continuaram a ser preservadas. Depois, Deus trouxe o Islão. Os muçulmanos tiveram uma incomparável vitória, e os Rum estavam entre as nações a que eles retiraram o poder. Ao princípio, os muçulmanos guardaram a sua simplicidade e mostraram pouco interesse pelas artes. Mas em breve se desenvolveram o seu poder e o seu Estado. Tiveram uma civilização urbana mais próspera do que a de qualquer outra nação, cultivaram uma grande variedade de artes e de ciências, e desejaram conhecer essas ciências filosóficas. Com efeito, tinham tido ecos delas pelos bispos e padres cristãos que faziam parte dos seus súbditos. Além disso foram impelidos a pesquisá-las, em razão da natural aspiração do pensamento humano a esse género de ciências. Abu Jafar al-Mansur pediu ao imperador bizantino que lhe enviasse traduções de obras de matemática. O imperador fez-lhe chegar o Livro de Euclides e algumas obras de física. Os muçulmanos estudaram-nas e inteiraram-se do seu conteúdo. Então, quiseram ainda mais ardentemente conhecer o resto dessas ciências. Mais tarde, veio al-Mamun. Cultivando ele mesmo as ciências, tinha grande desejo de aprender. Entusiasmou-se por essas matérias e enviou embaixadores aos imperadores de Bizâncio, para procurarem ciências gregas e traduzi-las em árabe. Para o efeito, também mandou tradutores. Assim se pôde escolher e recolher todas essas ciências... Este mesmo sábio, muçulmano sunita, ou seja, seguidor fiel da tradição ou suna dos ditos (hadith) do Profeta (ou a este atribuídos), também escreveu que o homem é ignorante por essência e torna-se sábio por aquisição. Ou, ainda: o ensino das ciências é uma arte. A ele voltarei, Princesa de mim, em próximas cartas. Nalguma te contarei o paralelo que descobri entre trechos do seu pensamento e outros - que longamente citei, creio que por volta do Natal de 2012, em escritos meus para o Centro Nacional de Cultura  - do frei Tiago Voragino, o, seu quase coevo, autor da Legenda Aurea.


Camilo Maria
 

Camilo Martins de Oliveira

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

O Estádio Municipal de Braga de Eduardo Souto de Moura.
 

Implantado numa das encostas do Monte Castro, em Braga, aproveitando uma antiga pedreira desactivada, o Estádio Municipal (2000-2004) foi desenhado por Eduardo Souto de Moura para o campeonato europeu de futebol que se realizou em Portugal, em 2004.

É uma obra de excepção no contexto particular da produção projectual de Souto de Moura, mas também no universo tipológico adoptado na construção de um estádio. A escala dos elementos construídos, em relação directa com a geografia, revela-se inconvencional, com apenas duas bancadas laterais.

A ausência das bancadas de topo permite o desvio à regra, facilitando o diálogo com a paisagem. Souto de Moura trabalha esta obra, ampliando a uma escala máxima os elementos mínimos que constituem um estádio – como as bancadas, a cobertura e o espaço debaixo do relvado. As bancadas, que só são laterais estão partidas em dois níveis e estão ligadas por uma passagem inferior. Sob o relvado abre-se um enorme open space pontuado por inúmeros pilares. A cobertura que liga as duas bancadas lembra, intencionalmente, as pontes Incas do Perú.

O contexto físico é simultaneamente matéria e material de projecto. O perfil da montanha é estádio. É a partir da escala da rocha envolvente que se desenvolve a construção e se confirma uma nova dimensão de trabalho para Eduardo Souto de Moura.

O exacto local de implantação fez parte das escolhas de projecto. Eduardo Souto de Moura deslocou o estádio em relação à localização proposta pela autarquia, que o colocaria dentro do parque desportivo a norte da cidade mesmo junto a uma linha de água sujeito ao perigo de cheias. Assim a nova localização, sugerida pelo arquitecto, permitiu uma relação directa com o monte, servindo também de âncora para reorganizar o território e determinar a expansão da cidade a norte.

As entradas para o estádio foram assinaladas através de duas praças. A praça de nível inferior está alinhada com outros equipamentos desportivos, parques de estacionamento e novas áreas residenciais. A segunda praça, quarenta metros acima da anterior, abre-se para um panorâmico terraço e subindo outros quarenta metros chega-se ao centro da cidade.

Presentemente, Eduardo Souto de Moura trabalha com a ideia de heterónimos. Os seus projectos mais recentes não se unificam numa só concepção linear mas múltipla, misturando formas e referências, aceitando os condicionamentos e as circunstâncias de um sítio. Souto de Moura recorre ao uso de um bloco de notas, onde escreve e desenha frases e formas de outros autores, numa espécie de estímulo teórico, que o ajuda a ultrapassar impasses. As citações são livres e muitas vezes contraditórias. Souto de Moura apodera-se assim do axioma de Fernando Távora – ‘em arquitectura o contrário também é verdadeiro’ – para incentivar a sua produção, numa tentativa de criar algo que vá além da criação de uma linguagem coerente e de autor.

A produção mais recente de Souto de Moura, assume um trabalho gerado não pela extrema redução geométrica mas antes pela utilização de morfologias bem mais complexas, algumas até de natureza antropomórfica ou zoomórfica. A esta nova fase produtiva, o arquitecto designa-a por ‘inquietação’.

Obras como a Casa do Cinema Manoel de Oliveira (1998-2002), o Projecto do Museu do Surrealismo (2000) e as duas casas em Ponte de Lima (2001-2002) revelam essa maior disponibilidade em correr riscos, fazendo esquecer a procura por uma linguagem zero.

O seu trabalho mais recente é assim marcado pelo regresso ao trabalho de Álvaro Siza, mas também o recorrer a referências como Aldo Rossi e Jacques Herzog.

O interesse pelo trabalho de Siza concretiza-se em Souto de Moura através da resolução dos projectos caso a caso, cujas soluções formais diferem umas das outras porque dependem da especificidade do sítio, das referências do momento, da materialidade e da técnica construtiva.

Em Aldo Rossi, Souto de Moura descobre a possibilidade da manipulação poética da realidade através de uma racionalidade subjectiva que recorre à repetição, à colagem, à analogia, à prevalência da forma sobre a função e à história como material de projecto.

E a influência do trabalho de Jacques Herzog trouxe a necessidade de Souto de Moura conduzir cada projecto de arquitectura como se de uma experiência se tratasse – a base da procura projectual passou a estar na sistematização de diferentes soluções materiais e formais, testadas em sucessivos desenhos e maquetes.

Sendo assim o Estádio Municipal de Braga corresponde a uma nova fase no contexto da produção de Eduardo Souto de Moura em que a linguagem se multiplica e se misturam diversas referências e factores como:

  • A solução formal, a linguagem adoptada e a abordagem ao programa advêm de uma realidade concreta, circunstancial e condicionante – o Monte Castro;
  • As referências formais são históricas – Souto de Moura constrói o conceito do estádio a partir da referência do anfiteatro clássico (do qual o Coliseu é um exemplo) mas também a partir de algumas obras da Grécia clássica que já estabeleciam uma clara relação com a paisagem, nomeadamente o Teatro de Epidauros. A simetria é assim utilizada para enfatizar a relação directa entre o construído e a geografia, em que o panorama do vale fica valorizado.
  • Eduardo Souto de Moura trabalha o estádio através de uma nova e monumental escala: ‘… já não acredito em soluções estereotipadas… Eu prefiro uma linguagem mais essencial, a linguagem da grande infra-estrutura urbana e dos contentores.’. Por isso, também a alusão à arquitectura moderna ainda está muito presente, nesta obra, que tem como modelo a obra de Mies Van Der Rohe, revelando um interesse pela concretização exacta em que todas as operações de projecto são muito importantes para a definição da forma – construção, estrutura, infra-estrutura e acabamentos.

 Ana Ruepp

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA


D. João I, de Boa Memória 


Minha Princesa de mim:
 

Posto que vemos que toda a cidade é uma comunidade e que toda a comunidade se forma com vista a um bem (todos os homens, com efeito, fazem todas as coisas com vista ao que têm por bem) é evidente que todas as comunidades visam um bem. Mas tal é sobretudo o caso, e dizendo respeito ao bem soberano entre todos, da comunidade soberana entre todas e que compreende todas as outras: aquela que se chama "cidade", a "comunidade cívica". Assim começa Aristóteles a escrever a sua Politica. O que aqui se traduz por cidade é, no original grego, polis, conceito que não é propriamente sinónimo do que hoje designamos por Estado. Citando Auguste Francotte, na sua Notice para a edição da Pléiade: Uma tradição de dois séculos,  geralmente respeitada, leva-nos a chamar Política a uma obra que os Antigos soíam designar sob o título de Politika, palavra plural do género neutro significando Livros respeitantes à Cidade, ou Coisas relativas à Cidade. Recorde-se que, no sentido da Grécia clássica, a cidade é uma comunidade humana tendo por centro uma cidade ou simples burgo e governando-se, pelo menos teoricamente, segundo as suas próprias regras e de modo soberano. Traduzo agora um passo dum comentário de Nicole Oresme (1320-1382) na sua tradução daquela mesma obra do estagirita grego, feita por ordem de Carlos V de França: Todos os Franceses são da mesma linhagem, pois não têm em comum qualquer semelhança ou afinidade ou proximidade natural...  ...pelo que o rei, que é pai de seus súbditos,... ...deve ter unidade ou conveniência de linhagem, como foi dito. Daí se segue que é inconveniente ou coisa desnatural ou não natural que um homem seja rei dum reino e que seja de um país estranho, principalmente doutra gente, doutra nação, doutra linhagem. Interessante é observar como, anterior à nossa ideia de Estado, enquanto organização política e administrativa de populações num mesmo território, surge aqui o forte sentimento de pertença mútua a uma comunidade. Jacques Krynen, no seu L´Empire du roi, escreve, que o Songe du vergier, composto e traduzido de latim para francês por ordens do mesmo Carlos V de França, na mesma linha de pensamento, responde a uma dupla e constante preocupação: demonstrar a absoluta independência da realeza francesa face às potências exteriores, o papado e o império, mas também a plenitude do poder do monarca no interior do reino. Deste modo se vai constituindo a cidade ou comunidade cívica enquanto nação unida e independente. E, com a afirmação do poder real, nesses tempos, também se impôs a regra soberana da convocação de assembleias representativas, que em Portugal se chamavam cortes, inspirada no principio do direito romano quod omnes tangit ab omnibus approbari debet... O que a todos toca por todos deve ser aprovado.  Foi uma dessas cortes que, à época, fez, do Mestre de Aviz, o Senhor Dom João I, rei de Portugal. De Boa Memória. Só a justiça, esse dever de se atribuir a cada um o seu direito (jus suum cuique tribuendi, dizia Ulpiano) pode ser factor de união, pois não se cimenta uma comunidade na desordem da indiferença, da exclusão ou do favoritismo. Qualquer projecto social, qualquer comunidade cívica é, necessariamente, uma obra comum visando o bem de todos. Este, todavia, não é uma uniformidade... vive, sim, da alegria da diversidade partilhada: todos somos mais ou menos jeitosos, engenhosos, poetas, pelintras, sortudos, azarentos ou preguiçosos, o que se queira ou nos foi dado ter...mas, em comunidade, todos precisamos dessa confiança na certeza de que a nossa reunião se faz na medida em que, para o bem de todos, a cada um é reconhecido o seu direito. Muitos, e pesados, esforços e sacrifícios foram pedidos aos portugueses - até para que portugueses se fizessem  -  pelo rei de Boa Memória. Mas não se propôs fazer a riqueza de uns sobre a pobreza de outros. De tudo isso, rei, povo, esforço, sacrifício, ficou sobretudo essa boa memória da alegria de nos termos feito comunidade cívica, independente e justa. Como uma grande família.

Há coisas assim, Princesa de mim, que, sendo de todos nós, permanecem em cada um como lembranças e desejos íntimos. Nesse sentido, com força de alma, abraçando ainda os refugiados que connosco se acolhem, iremos cumprindo Portugal.
 

Camilo Maria
 

Camilo Martins de Oliveira

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

 

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IV - ESTRATÉGIAS E ORIENTAÇÕES LINGUÍSTICAS


1. As línguas de disseminação com incidência planetária, como a inglesa, a francesa, a espanhola e a portuguesa, ou regionalmente delimitadas em termos geográficos, como a árabe, a russa, a chinesa, a japonesa, a alemã e italiana, tendem a gerar, em maior ou menor grau, interesses convergentes que ultrapassam as fronteiras do idioma e potenciam blocos ou espaços de interesse geolinguístico e geopolítico. Se é consensual que a necessidade de substituir antigos laços coloniais fez surgir realidades pertencentes a uma comunidade linguística, como a anglofonia, a francofonia, a hispanofonia e a lusofonia, o fim da segunda guerra mundial foi, no essencial, em termos linguísticos, a vitória da língua inglesa e dos aliados anglófonos. O que foi reforçado, nos anos de pós-guerra, com a queda do muro de Berlim e do então bloco de países do leste.

Do poder da herança colonial inglesa emergiu, como seu descendente e sucessor, o poder económico, cultural e militar dos Estados Unidos da América, veiculando a língua inglesa, a língua dos vencedores, a língua do espaço comunicacional das empresas multinacionais, através da sua imposição como língua económica, política e cultural. A que acresce uma conjunção de fatores que potenciaram a sua ascensão e reconhecimento como língua global de comunicação internacional dominante, com a penetração e expansão do cinema, música e literaturas da cultura anglo-saxónica, aproveitamento e reconhecimento das novas tecnologias de matriz anglófona das décadas mais recentes, recurso crescente a publicações em inglês, quer a nível científico ou de investigação, nomeadamente por académicos, mais do que a traduções, dada a sua indisponibilidade em tempo útil para estudo e investigações. Uma língua é mais necessária quando nela se estabelece a comunicação internacional predominante no mundo dos negócios, da ciência, da tecnologia, da diplomacia, da difusão audiovisual e cultural de massas, o que traduz a capacidade de impor a sua vontade a países menos desenvolvidos, acabando por aumentar o número de falantes não nativos que a têm como uma língua útil. Daí não surpreender ser superior o número de falantes de inglês como idioma não materno que o dos seus falantes maternos.

Este facto consumado da posição dominante do inglês, também é tido como um poder proeminente e monolingue sobre a diversidade, como um retrocesso a um imperialismo linguístico, contrário à doutrina da UNESCO e aos Direitos Humanos Linguísticos e Culturais, no sentido de que todas as línguas, na sua essência, têm a mesma dignidade, merecimento e valor, sendo uma janela do pensamento humano aberta ao mundo e sobre um mundo muito especial, pelo que a extinção de uma delas, seja qual for, é uma perda irreparável. Uma língua aceite e consagrada como dominante pode ser vista como um perigo real que tende a menorizar e a excluir as línguas dominadas, deserdando e retirando identidade aos seus falantes, optando por ignorar a cultura e a língua dos outros. Servindo-se da sua hegemonia e poder, os falantes que têm o inglês como língua nativa estão em vantagem argumentativa, de compreensão e de agilidade mental em relação aos falantes de outras línguas que com eles falam e negoceiam, dado que estes fazem-no num idioma que não o seu, sem acesso linguístico às subtilezas e estratégias dissertativas, sem a astúcia e a eficiência mental de quem fala e pensa na sua própria língua e no quadro cultural em que nasceu e aprendeu. Segundo alguns, trata-se de arrogância, imperialismo e racismo linguístico. Mas temos de reconhecer que o desconhecimento de outras línguas, que não a sua, pelos falantes de inglês, limita o seu conhecimento de outras culturas e leva-os a assumir, mesmo que inconscientemente, uma pretensa superioridade cultural do inglês, promovendo uma fraca apetência para a aprendizagem de línguas estrangeiras. O que é corroborado quando a presença da língua inglesa é favorecida em países que têm uma fraca imagem de si próprios, associando uma carga negativa à sua própria língua, em que o que é “estrangeiro” é que é bom, a imitar, sinónimo de desenvolvimento e prestígio.

2. Se é certo que o passado colonial inglês foi decisivo na formação de um amplo e disperso espaço geolinguístico e geopolítico estratégico, essa constatação é comum a outros países que deram causa a uma dispersão geográfica e demográfica dos atuais quatro idiomas europeus e ocidentais mais faladas: o inglês, o espanhol (castelhano), o português e o francês. Se bem que o português, o castelhano e o francês beneficiassem da primeira fase da globalização iniciada pelos portugueses, duas dessas línguas viriam a manter maior influência mundial, primeiro o francês, como língua da diplomacia e das relações internacionais, ultrapassado e substituído pelo inglês em tempos mais recentes e na atualidade. Esta hegemonia linguística também teve como causa a preparação mais adequada e antecipada aos novos tempos, por ingleses e franceses, de elites e quadros coloniais que vieram a ser os interlocutores, em francês e inglês, para a independência das respetivas colónias e a sua exuberância quantitativa como novos países com projeção nos fora internacionais, criando nas suas populações a ideia de prestígio e de uma necessidade vital. O francês é a segunda língua oficial mais representativa a seguir ao inglês, apesar de menos falada que o português, desde logo por ter gerado quatro vezes mais países que Portugal, tendo o nosso império optado pela unidade dos seus territórios, respeitando tão só a sua descontinuidade geográfica. Também em Portugal, por exemplo, o processo foi mais tardio e com menos recursos, sendo o último dos colonizadores europeus a negociar a independência das suas colónias, com exceção do Brasil, onde deixou a sua língua, de modo seguro, à semelhança de Espanha com as independências do continente americano, apesar de ter perdido mais cedo a maioria do seu império colonial.

Todavia, a francofonia embora alerte para a necessidade duma união de esforços contra a ameaça que é o inglês, como língua glotofágica, olha de um modo ambicioso para os espaços de outras línguas românicas e latinas de expansão global, estando atenta aos défices da lusofonia intervindo, em termos estratégicos, em países menos desenvolvidos e que tem como um prolongamento da área de influência francófona, como Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe e a Guiné-Bissau.

Como uma língua da globalização, cabe ao português ter presente que é a sexta língua mais falada mundialmente, a terceira mais falada do Ocidente, a terceira de origem europeia mais falada no mundo, a terceira de África e das Américas, uma língua da Ásia, a mais falada do Hemisfério Sul, internacional, intercontinental, interoceânica, a crescer demograficamente, na internet, uma língua de futuro, que se impõe por si mesma em termos demográficos e geopolíticos, que tem de ter como estratégia estar associada a uma língua de exportação, da ciência e da tecnologia, da cultura, da modernidade, do desenvolvimento e da prosperidade económica, firme e segura do seu valor e potencial geoestratégico, sem necessidade de adotar a agressividade e a intransigência em que apostam certos promotores do francês, o que não tem impedido o seu declínio. Mesmo sabendo-se que a língua portuguesa sofre de algum défice, tendo como referência a economia que é, por agora, o fator mais decisivo em termos de mais valia de uma língua no plano internacional.    

 

14 de Março de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício

 

NICOLAU BREYNER

Também muito explicou o teu olhar

A doçura dos tempos agrestes

Que também viveste.

Por eles disseste num suspiro

Que o importante

Na vida foi a descoberta do amor

Puro e pronto agora na idade

Até onde se eleva a alma

Oferenda generosa

Que foi a tua vida

A todos nós

 

Teresa Bracinha Vieira

2016

ATORES, ENCENADORES - LXVII

 

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NOVA REFERÊNCIA A DAVID MOURÃO-FERREIRA ATOR

No ano passado publiquei nesta série uma primeira evocação de David Mourão- Ferreira ator, no quadro específico de juventude e sobretudo de experimentalismo na atividade cénica. E desde logo evoquei a sua tábua dramatúrgica, com destaque para as peças então conhecidas, mesmo que não publicadas ou representadas: “Isolda” (1948), “Contrabando” (1956) e “O Irmão” (1955-1988).

Nessa análise que em parte se retoma e completa, procurei definir um critério de seletividade que claramente se aplica à crónica presente: pois por um lado temos aqui evocações e referência a atores e encenadores “profissionais” no sentido do exercício constante e dominante da atividade; e por outro lado, evocações e referências a personalidades destacadas do meio artístico, literária e até político, que marcaram também, na obra e no talento, a vida cultural-teatral e do espetáculo.

Refiro pois, a propósito, um livro muito recente, que analisa com larguíssimo detalhe (mais de 800 paginas) a vida e a obra de David Mourão- Ferreira, no 20º aniversário da sua morte, dando o devido destaque à criação dramatúrgica, no sentido amplo do termo, mas também à sua atuação como diretor e como ator. “Clave de Sol – Chave de Sombra – Memória e Inquietude de David Mourão Ferreira”, assim se intitula o livro, da autoria de Teresa Martins Marques (Âncora Ed. 2016). Estudo exaustivo sobre a vida e a obra, de que ainda não terminei a leitura e ao qual voltaremos: mas, desde já se diga, estudo de grande qualidade, analisa a criação dramatúrgica mas também as intervenções como ator e animador de iniciativas teatrais.

 De facto, como já vimos, David Mourão Ferreira é um exemplo flagrante de talentos multiformes. Escritor inconfundível e ímpar na obra, em extensão, variedade e qualidade, deixou escritos memoriais onde evoca a sua participação direta, como ator e como dirigente de iniciativas que marcaram a renovação cultural do teatro- espetáculo ao longo dos anos 50-60. Isto, repita-se, conciliado com a escrita e a produção das peças de notabilíssima qualidade, no ponto de vista poético-literário e no ponto de vista técnico-dramatúrgico.

Citei nessa área especifica da criação teatral “Isolda”, estreado em 1948 no Teatro Estúdio do Salitre, grupo percursor da renovação modernizante do teatro português, como já aqui se evocou, peça nunca publicada, mas à qual se se seguiu “Contrabando”, (1956) e “O Irmão”, esta escrita originalmente em 1955 e sucessivamente ampliada e alterada, com sucessivos nomes, até à versão e edição definitiva em 1988.

O livro de Teresa Martins Marques analisa estas peças e refere ainda os seguintes títulos, além de esboços e intenções: “O(s) Amor(es)  de Carlos”, possivelmente esboçada a partir de 1936, o que é notável de precocidade,  “O Intrujão”, referenciada  postumamente, “Cada Qual tem os seus Dramas” (1945), escrita para a rádio em coautoria com José Rabaça, “O Sétimo Dia da Criação”(1948), e “O Crime” (1965). E acrescem esboços, traduções, diálogos e adaptações diversas à cena e ao cinema.

Esta dramaturgia concilia aspetos estruturais da obra vasta e variada de David, no teatro, na poesia, na ficção e no ensaio e docência: designadamente encontramos, nos contextos dramáticos contemporâneos, uma referência permanente a padrões e paráfrases que percorrem desde a tragédia grega ao realismo social, num termo de modernidade e qualidade ímpar da escrita: e não por acaso a vida e a obra surgem, como já referi, diretamente ligadas a versões cinematográficas e/ou televisivas da sua ficção e mesmo intervenções diretas, área que poderá ser desenvolvida.

 Já aqui vimos que em 1997, a revista Colóquio/ Letras da FCG publicou um vasto memorial sobre David Mourão Ferreira, em que colaborarei, e que abre com uma extensa entrevista de vida e obra concedida por David à escritora Graziana Somai. A edição inclui em destaque a reprodução fac-similada do manuscrito não datado mas claramente dos primeiros anos do autor, então assinando David Ferreira, de uma pequena peça intitulada “O Intrujão - peça em dois atos” (8 páginas) com a seguinte anotação: “esta peça é dedicada à Exma. Sr.ª Professora D. Carmen”.

E novamente assinalo que este escritor de obra imensa e variada, foi ator em várias temporadas e em vários palcos, a partir do Teatro Estúdio do Salitre em 1949 e anos seguintes. E não se reduz a mera aventura amadorística esta companhia dirigida, já o vimos, por Gino Saviotti. Teresa Martins Marques identifica o elenco que, juntamente com David, integrou os espetáculos do TES em 1949: Ruy de Carvalho, Armando Cortez, Rogério Paulo, Cecília Guimarães, Ricardo Alberty, Luís Horta – nada menos! E foi ainda ator esporádico em outras produções e em outros espetáculos.

E surge também como ator em versões e encenações das suas próprias obras. Cito especialmente a “auto-interpretação” do seu próprio personagem na minissérie produzida pela RTP em 1991, a partir do romance de David “O Amor Feliz” (1986). Mas já agora se diga que a sua regular intervenção televisiva, durante décadas, em sucessivos programas de análise cultural e literária, revelam a capacidade de comunicação cénica e televisiva absolutamente excecional.   

Ouçamos então novamente, a esse respeito as suas recordações na entrevista citada:

“Comecei por participar num grupo de teatro da própria Faculdade (…) Depois, em 1948, tinha vinte e um anos, comecei a representar (…) num grupo de teatro que teve grande importância nesses anos em Portugal, e que tem muito a ver com a Itália porque tinha a sede no Instituto Italiano de Cultura. Tratava-se do Teatro-Estúdio do Salitre dirigido por Gino Saviotti, também diretor do Instituto e que era uma figura muito interessante (…). O repertório de peças que nós representávamos era basicamente italiano e português mas levaram-se à cena autores portugueses que nunca tinham sido representados, alguns muito jovens como era o meu caso; representaram-se duas pequeninas peças minhas (…) Isolda e Contrabando. Entrei como ator em peças da Commedia dell Arte e dum autor do século XVII. (…) No começo dos anos 50 ainda tive uma certa atividade como ator”….

No artigo que publiquei na revista Colóquio citada, identifiquei pelo menos duas intervenções de David Mourão-Ferreira no TES: “Florina” de Angelo Beolco, e “O Rei Veado” de Carlo Gozzi.

  Recordo que David Mourão- Ferreira me referiu a intenção de escrever uma peça inspirada na vida e obra de Garrett. Ora, já tive ensejo de assinalar que há afinidades entre estas duas grandes figuras da cultura portuguesa – cada um na sua época, no seu estilo, na sua biografia pública, literária pessoal e até politica: ambos foram grandes escritores, ambos foram inovadores, ambos serviram o Estado e o público, ambos integraram governos, ambos marcaram a cultura e a sociedade – há realmente paralelismos e convergências.

E já agora: ambos foram veementes na controvérsia acerca das obras respetivas… E nesse sentido, transcrevo aqui a “critica à crítica” com que David Mourão- Ferreira, escrevendo aliás a seu respeito na terceira pessoa, incluiu nas “Notas do Autor” com que encerra a 2ª edição da peça “O Irmão” (Guimarães Editores -1988)

“Não se lhe afigura (a ele, DMF) sequer admissível, no caso pouco provável de poderá esta peça ir a suscitar a atenção de qualquer encenador, que sobre ela se exerçam aquelas hoje em dia habituais violências e atrocidades que, sob a pomposa designação de «trabalho dramatúrgico» muitas vezes não correspondem mais (existem exceções) que a vingativas formas de impotência criadora ou ao simples propósito de parasitariamente se meter o bedelho onde não se é chamado.”…! 

 

Duarte Ivo Cruz

 

 

LONDON LETTERS

 

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The Sun and A Royal Brexit, 2016

 

Splash! A manchete do Sun "Queen backs Brexit" acompanha a fotografia oficial da monarca. O subtítulo reforça a tese e atribui a Elizabeth II a ideia de a EU viajar ”in the wrong direction." Lida a

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estória, contudo, tudo é resumível a apimentado diz que disse. No caso, segundo duas anónimas fontes, Her Majesty terá afirmado o desencanto europeu ao antigo Deputy PM, durante uma audiência do Privy Council, em 2011, no Windsor Castle. Logo RH Nick Clegg rotula a narrativa em torno da soberana no Twitter como “nonsense.” O Buckingham Palace também protesta: afirma a political neutrality da Crown e apresenta queixa ao regulador. — Chérie. Il faut prêcher d’exemple. O Prime Minister disputará as eleições de 2020 como MP por Witney (Oxfordshire). RH David Cameron segue assim os passos de PMs como RH David Lloyd George ou RH Winston S Churchill. Já o Chancellor RH George Osborne anuncia novos cortes na despesa pública, com regra inscrita no Budget 2016 para reduzir o equivalente a 50p em cada £100. O Archbishop of Canterbury emite holy orders sobre temida emigração. — Hmm! Always practise what you preach. Turkey dá passos decisivos para entrar na European Union ao apostar na gestão dos refugiados, enquanto o terror ataca na capital Ankara. A campanha presidencial norteamericana desce à espiral da violência; Mr Donald J Trump quebra a barreira dos 50% in the national support. A CDU da Bundeskanzlerin Angela Merkel perde dois em três estados nas eleições regionais deste domingo, a favor do xenófabo Alternative für Deutschland.

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Low temperatures within sunny intervals and light clouds em London. Do estado do tempo no continente após a derrota de Frau Merkel em Deustchland diz Le Figaro ao radiografar o eixo Paris-Berlin: "Dans la crise grecque, le Français a joué la mouche du coche, et dans celle des migrants, l’Allemande a fait cavalier seul." Woaw! Portugal salva a honra ibérica do convento na gravata azul do Presidente Marcelo, de faith and hope. Do lado de cá do Channel, igual: manobras, mais manobras e… planos de manobras. Da eurohostilidade da honourable Press, para quem o desconheça, basta notar que a técnica militar do cerco denomina-se poliorcética em tributo ao flamengo Dr Justus Lipsius (1547-1606) e ao seu Poliorceticon sive de machinis. Assim: Os Tories demoram-se em doce catalogar do inimigo na batalha referendária, com as mémoires do RH David Laws em fundo. O livro 22 Days in May: The Birth of the Lib Dem-Conservative Coalition revela o ambiente do anterior governo, no olhar do seu antigo ministro. A fragância do bouquet é intensa no caso dos Big Brexitters. Segundo as conversas em família, o atual PM pensa que o outrora key-ally Mayor of London RH Boris Johnson "is after my job" (com este ocupadissimo a percorrer o reino num autocarro da persuasão Vote Leave campaign) e que o seu ainda Justice Secretary RH Michael Gove é “a Maoist who’s gone a bit nuts” (depois dele, no Weekly Ministers’ Meeting, avaliar o duelo de RH David Cameron em Brussels como "a barmy decision"). Os afetos que perpassam explicam muito do furore na campanha In/Out do UK na European Union. No mais do voto de 23rd June: Only 100 days to go…

Já os Labourites engendram as mil e uma maneiras de reenviar “the Genie of Islington North back in his backbench bottle,” como coloridamente escreve Mr Tom Peck no Independent. Clarões na fluída Her Majesty's Loyal Opposition são uma cara nova e um incidente retrógrado. O nome é o de Dan Javis, MP por Barnsley 

Sem Título 4.jpgCentral (South Yorkshire) e um herói militar que se posiciona para desafiar a liderança de RH Jeremy Corbyn. Dele ouvir-se-á no pós-eleições de London a Scotland, North Ireland e Wales, em Ides of May. Já o episódio foca inquietante entrevista na BBC One. Se, por todo o West, os far right groups agitam contra a islamização, os far left groups antes se movem por uma coisa assaz lazarenta: “A Jewish Question.” Esta tem acidental debate no programa de Mr Andrew Neil! A memória recupera até negra tela dos 20s/30s! O aspeto do senhor em escrutínio é banal, mas o rosto azoa e o seu discurso horroriza. Mr Gerry Downing vai ao Daily Politics porque expulso do Labour Party again. As ideias deste revolutionary socialist separam-no quando o Blairism ocupa o Number 10, para regressar na vaga de adesões gerada pelo Corbynism. Trabalha na sede e aparece ao lado do Shadow Chancellor RH John McDonnell (sim, o tal do Mao's Red Book). Ganha agora visibilidade quando, na House of Commons, o Prime Minister aponta o acolhimento dado no Lab a alguém que fala e que escreve em defesa do Isis e dos terroristas do 9/11. "The ambition to overthrow capitalism is a very legitimate political ambition," defende. Aponta ainda os sindicatos como alfaias da revolução. A antítese vem de Mr Philip Collins, igualmente presente em estúdio. O speechwriter do PM Tony Blair é seco: "I’m a member of the Labour Party and I’m absolutely delighted you’re not..., because there's absolutely no place in the Labour Party for those views." Quem queira saber da cartilha, visione o diálogo. E, please, ao detalhe, anote a crítica do leftist a Israel, a sionistas e aos ricos. Compare-a, depois, com os old themes do anti-semitismo Nazi. Hmm! Remember Master Will in “Julius Caesar:” And some that smile have in their hearts, I fear, millions of mischiefs.

 

St James, 14th March
Very sincerely yours,
V.

 

A VIDA DOS LIVROS


De 14 a 20 de março de 2016

«O Mistério da Estrada de Sintra – Cartas ao Diário de Notícias» de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão (INCM, 2015) acaba de ser dado à estampa no âmbito da Edição Crítica das Obras de Eça de Queirós, sob a coordenação de Carlos Reis. O presente volume é organizado por Ana Luísa Vilela e apresenta importantes contributos para um melhor conhecimento desta obra de 1870.

UM FOLHETIM A QUATRO MÃOS
Tratando-se de um conjunto de textos escritos a quatro mãos para publicação num jornal diário de grande circulação, como era o «Diário de Notícias», fundado seis anos antes (1864), compreende-se a dificuldade sentida pela organizadora da edição, uma vez que que entre os textos vindos a lume no jornal e a primeira edição em livro (1884-85) há uma distância significativa, já que os autores optaram por introduzir supressões e alterações, que de algum modo reduziram parte da força que o folhetim tinha, especialmente quando publicado num periódico, mercê de um curioso jogo publicitário, em que de início não se diz se realmente se trata de ficção, já que há cartas misteriosas que aparecem e que se anunciam, não se revelando a identidade verdadeira dos seus autores. A direção do jornal, em especial Eduardo Coelho, e os dois autores procuraram, assim, dar um tom de expectativa ao tema da investigação de um caso de polícia – ligando a ficção à realidade. Sob a influência de autores como Dickens, Edgar A. Poe, Conan Doyle, Baudelaire, Collins e Gaboriau – não estamos perante um verdadeiro romance, mas uma narrativa policial em construção, adaptada à natureza de um jornal moderno, que substituíra a lógica da imprensa tradicional, que era essencialmente política, pelo primado noticioso. Basta lembrar-nos da diferente natureza do «Revolução de Setembro», de Rodrigues Sampaio (onde, aliás, foram publicados os primeiros poemas de Fradique Mendes, em 1869). Refira-se, entretanto, que o ano de 1870 era especialmente propício a uma obra destas pela proliferação de acontecimentos e notícias retumbantes da mais variada índole. Estamos no ano da guerra franco-prussiana, da Batalha de Sedan, do início da queda de Napoleão III, da ocupação de Roma pelos italianos, e em Portugal da «Saldanhada», último dos golpes do velho militar e político Marechal Saldanha, desta feita votado ao relativo fracasso, uma vez que o governo perdeu as eleições a seguir realizadas, o que foi exceção no longo período regenerador. O grande tema do momento entre nós era o escândalo ligado ao caso Vieira de Castro, figura bem conhecida e bem relacionada, que matara a sua mulher sob a justificação de adultério. Os condimentos necessários estavam presentes para alimentar a curiosidade dos leitores perante um intrincado caso policial. E Sampaio Bruno elogiou o folhetim, qualificando-o como «uma das mais ousadas provocações que a nossa história já conheceu». Daí o seu aplauso, considerando «o arranque, o ímpeto da improvisação, o seu ar descabelado e maluco». No fundo, era «uma fantasia doida, maravilhosa na execução formal». Pode, assim, dizer-se com rigor que, com a presente edição crítica, o leitor passa a dispor de todos os elementos para conhecer a versão original, que mereceu o elogio de Sampaio Bruno e favores do público, comparando-a com a edição em livro. É certo que os autores ao empreenderem a edição da obra confessaram estarem insatisfeitos com a prosa inserida nas páginas do jornal. Procuraram, por isso, aperfeiçoá-la e apará-la, até pelas discrepâncias dado tratar-se de um escrito a meias. No entanto, por vezes cortaram de mais com sacrifício do ritmo e da originalidade…

UMA EDIÇÃO EM LIVRO, COM RETICÊNCIAS
Recorde-se, porém, a confissão de Ramalho e Eça sobre o texto de 1870: «Há catorze anos, numa noite de verão no Passeio Público, em frente de duas chávenas de café, penetrados pela tristeza da grande cidade que em torno de nós cabeceava de sono ao som de um soluçante pot-pourri de Dois Foscaris, deliberámos reagir sobre nós mesmos e acordar tudo aquilo a berros, num romance tremendo, buzinado na baixa das alturas do Diário de Notícias. (…) Nós enfim éramos novos. O que pensamos hoje do romance que escrevemos há catorze anos ?... Pensamos simplesmente – louvores a Deus! – que ele é execrável; e nenhum de nós, quer como romancista, quer como crítico, deseja, nem ao seu maior inimigo, um livro igual. Porque nele há um pouco de tudo quanto um romancista lhe não deveria pôr e quase tudo quanto um crítico lhe deveria tirar»… Compreende-se, sobretudo para Eça (mas também para Ramalho, olhando a sua sombra no tapete), como era difícil assumir, sem tirar nem pôr, uma prosa híbrida e estilisticamente insuficientemente marcada, sobretudo quando as ambições naturalistas e realistas se foram tornando mais evidentes. Falam, por isso, de uma obra «sem plano, sem método, sem escola, sem documentos, sem estilo, recolhidos à simples torre de cristal da Imaginação (…) um em Leiria, outro em Lisboa, cada um (…) com uma resma de papel, a sua alegria e a sua audácia»… Lembremo-nos da teorização de Eça sobre o realismo na conferência que lhe coube no Casino Lisbonense. No «Mistério» há claramente dois registos de escola – um mais romântico (a caminho de uma saída) em Ramalho, outro mais realista em Eça. E Sampaio Bruno tem especial razão quando fala nas «mais ousadas provocações que a nossa história já conheceu». De facto, essa ousadia é indubitavelmente marca de uma nova atitude cultural e literária – enriquecida pela parceria entre dois amigos, com ideias diferentes, mas cuja complementaridade viria a tornar-se real. Não é de mais recordar que na Arca de Água (Porto) Antero de Quental se bateu à espada com Ramalho Ortigão, uma vez que este terçava armas nessa altura pelas hostes de Castilho, alvo dos jovens de Coimbra na polémica do «Bom Sendo e do Bom Gosto».

OS INGREDIENTES DO FOLHETIM
Neste misterioso policial consta uma das primeiras referências a Carlos Fradique Mendes, mais tarde imortalizado como símbolo da geração e do seu tempo. É uma recordação da Condessa… «Ao pé de mim, sentado num sofá com um abandono asiático, estava um homem verdadeiramente original e superior, um nome conhecido – Carlos Fradique Mendes. Passava por ser um excêntrico, mas era realmente um grande espírito. Eu estimava-o, pelo seu caráter impecável, e pela feição violenta, quase cruel, do seu talento. Fora amigo de Carlos Baudelaire e tinha como ele o olhar frio, felino, magnético, inquisitorial. Como Baudelaire, usava a cara toda rapada: e a sua maneira de vestir de uma frescura e de uma graça singular, era como a do poeta seu amigo, quase uma obra de arte, ao mesmo tempo exótica e correta». A identificação é bem conhecida: «E voltando-me para Rytmel: - O sr. Carlos Fradique – disse eu – antigo pirata. Os dois homens apertaram a mão. – A senhora condessa lisonjeia-me extremamente. Eu fui apenas corsário – disse Carlos»… Aí estava o mito! Os ingredientes da narrativa são conhecidos, não é preciso recordá-los. Há um assassinato, uns mascarados que conduzem dois amigos em passeio pacato nos subúrbios de Sintra, ao antro onde está um morto, enganando-os, porque falam de uma mulher que vai dar à luz. O «mascarado alto» singulariza-se na história… Depois de muitas dúvidas, suspeitas e acusações, saber-se-á que o cadáver é do Captain Rytmel e a causa da morte o ciúme. Há suspeitas, mas a Condessa W. é a verdadeira autora do crime. Casada, conhecera o capitão numa viagem para Gibraltar. Tornara-se sua amante, em confronto com uma espanhola, Carmen, que fora sua concubina desde o dia em que a salvara das garras de um tigre na Índia. Mas o surgimento de uma nova pretendente, irlandesa, leva a Condessa a adormecer o capitão, para poder vasculhar à vontade os segredos que esconde nos bolsos. Um pouco de ópio a mais e Rytmel é morto… E tudo termina num pacto de silêncio perante a confissão da Condessa, que abandona o marido e vai para longe do mundo num velho convento carmelita…

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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