Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

  

O Hotel do Mar
 

O Hotel do Mar (1958-1964), desenhado por Francisco Conceição Silva, situa-se em Sesimbra, numa encosta de forte declive, exposta a sudoeste. Entre o mar e o castelo, o hotel abrange uma admirável vista sobre a baía e o velho casario.

O Hotel do Mar faz parte das novidades que surgiram a partir dos anos cinquenta nos programas hoteleiros. A existência de hábitos novos no que respeita a férias de sol e de mar; a viragem para sul; a descoberta do Algarve; e o anúncio da construção da ponte sobre o Tejo (cujo contrato de construção foi assinado em 1957, vindo a inaugurar em 1966); fizeram de Sesimbra, antiga vila de pescadores próxima de Lisboa, um dos primeiros pólos de atração deste turismo.

Nos anos cinquenta, a par da produção de grande qualidade e em pequeno número e a par da continuação do programa das pousadas de promoção oficial, tende a iniciar-se o boom turístico dos anos sessenta, protagonizado pelo setor privado.

Inaugurado em 1963, o Hotel do Mar foi um dos primeiros a contrariar a tendência dos grandes hotéis que utilizam o modelo do paralelepípedo perfeito – como o Grande Hotel da Figueira da Foz (inaugurado a 1953), construído paralelo ao mar, ou como o Hotel Ritz (1952-59), edificado no cimo do Parque Eduardo VII, em Lisboa. Ao invés, o Hotel do Mar integra-se organicamente num aglomerado urbano caracterizado pela tradição e pela vida em torno do mar. Francisco Conceição Silva optou por fragmentar o volume, de modo a adaptar o conjunto naturalmente à encosta. O hotel pretendia ser uma presença discreta, tentando manter a vista a quem circula pelo arruamento que se desenvolve a norte. Conceição Silva caracterizou duas zonas importantes do hotel – o corpo dos quartos e a sala de convívio.

O corpo dos quartos, pela sua orientação, permite um contato direto com o mar e com o sol. Setenta quartos estão distribuídos por 4 pisos. Desenvolve-se uma ideia de dentro para fora. O quarto é o elemento principal do hotel e por isso a relação entre o espaço interior e exterior, a sua intimidade e utilização, foram cuidadosamente estudados de modo a garantir uma vida independente das zonas comuns do hotel. O corte do conjunto, em degraus, permite que o espaço exterior, privativo de cada quarto, seja utilizado como um seu prolongamento, mantendo a necessária intimidade. A varanda descreve o módulo do quarto. Entre o interior do quarto e a varanda, Conceição Silva criou uma janela com bancos fixos, tal como se encontra na arquitetura popular portuguesa. E estas referências à arquitetura popular são muito importantes para a formalização do hotel porque cada quarto é como que uma unidade branca que existe no meio do casario branco, nas encostas de uma povoação piscatória.

A sala de convívio, por sua vez, destaca-se de todo o conjunto. Constitui-se como uma torre vigilante aberta ao horizonte, referenciada a um passado militar de Sesimbra. As quatro galerias dos quartos convergem para esse ponto, permitindo uma independência de acessos ao centro de reunião de maior interesse na vida comum do hotel.

Todo o conjunto adota a utilização de materiais construtivos correntes na região (espessos muros rebocados e caiados, a cerâmica e a madeira), valorizado ainda pela aplicação de elementos cerâmicos da autoria de Querubim Lapa.

A dimensão e a qualidade do hotel do Mar consolidaram e promoveram o atelier de Conceição Silva até então inexistente. O autor, desde início dos anos cinquenta, desenvolvia inovadoras obras de interior, nomeadamente em projetos comerciais – por exemplo o projeto da Loja da Rampa (hoje infelizmente destruída), de 1955, experimentava uma renovadora liberdade de criação ao manipular escultoricamente a rampa helicoidal como sendo o centro do espaço. Foi João Alcobia, decorador e proprietário da casa Jalco (que promoveu, em 1952, uma exposição de mobiliário da autoria de Francisco Conceição Silva), que encomendou o projeto do hotel em Sesimbra.

O Hotel do Mar marca, para Conceição Silva, o começo de uma longa série dedicada a esse tipo de férias, mas também o princípio de uma produção arquitetónica ligada a grandes operações imobiliárias e a novos grupos económicos emergentes. O atelier Conceição Silva constituiu um facto singular no panorama português e conseguiu transformar-se numa grande empresa que integrava todas as valências do projeto. No atelier colaboraram, entre outros, os arquitetos Maurício de Vasconcelos, Tomás Taveira, Manuel Vicente, José Daniel Santa Rita, Bartolomeu Costa Cabral, Arsénio Cordeiro e Pedro Vieira de Almeida e, também por exemplo os artistas plásticos Sá Nogueira, Jorge Vieira e Querubim Lapa. Obteve a sua expressão máxima no empreendimento turístico de Tróia (1970-74) e revelou a nova força das atividades terciárias na cidade de Lisboa com o edifício Castil, na Rua Castilho.

Ora, com o Hotel do Mar, o arquiteto criou um projeto de crescimento turístico para Sesimbra. Conceição Silva propôs por isso, que a ocupação turística se desenvolvesse para poente, de modo a preservar a vila histórica e a sua relação com a envolvente natural. Nos dias de hoje, o hotel é diferente daquele que o arquiteto inicialmente planeou. Um ano depois da sua inauguração, em 1964, surgiu uma piscina a céu aberto, sobre a qual foi construído um segundo conjunto de quartos. E em 1989, houve uma terceira fase de construção, já não da autoria de Conceição Silva mas do seu antigo associado Maurício Vasconcelos, que introduziu novas construções na encosta.
 

Ana Ruepp