JAPÃO: UM ITINERÁRIO DE MUITOS OLHARES
PREFÁCIO
Em 2010, à volta da preparação da viagem do Centro Nacional de Cultura ao Japão, fui convidado a participar em charlas várias e a proferir algumas palestras, mesmo fora do CNC, de que destaco as realizadas no Museu do Oriente, no Grémio Literário, no Real Club Tauromáquico Português. E, sobretudo depois de feita a peregrinação ao Japão da nossa história, muitas vezes me pediram que participasse em almoços e jantares particulares, para falar do Império do Sol Nascente, sobretudo a grupos de amigos que planeavam, por sua conta e vez, uma viagem até lá. Entretanto, também fui contando memórias e outros, vários, pensares e sentires, designadamente em crónicas publicadas no blogue do CNC, algumas das quais recentemente coligidas em livro editado pela VERBO / BABEL. Esta edição valeu-me um recorrer de entrevistas e contactos, sobretudo novas solicitações de dicas e pistas para visitar o Japão. Entre elas, uma da Associação de Amigos do Museu do Oriente, para que fizesse uma exposição oral de cerca de sessenta minutos, naquele museu, por ocasião do seu 8º aniversário, em 8 de Maio de 2016. Dá-se aqui uma coincidência de 8´s, número fasto chinês. Sobretudo pela preocupação de evitar repetir-me, reproduzindo o que já dissera ou escrevera no livro, em crónicas, em palestras e entrevistas, decidi redigir previamente a minha próxima exposição. Eis a razão dos textos que se seguem. Antes de os apresentar, quero, contudo, lembrar o que escrevi para a apresentação pública, no Círculo Eça de Queiroz, a 4 de Fevereiro deste ano, do Fomos em Busca do Japão, e que, aliás se encontra registado, e pode ser consultado, no tal blogue do CNC, com data de 31 de Janeiro. Ali realço que a visita feita em 2010 se inseria no ciclo de peregrinações promovido pelo CNC sob a designação Os Portugueses ao Encontro da sua História, e sublinho que desde logo me foi proposto um tema, que não só me instruía um propósito, como também me antepunha o esboço de um itinerário: eu teria de conduzir uma visita a uma espécie de Japão luso-nipónico, e não propriamente apenas àquele que eu conhecia e gostaria de apresentar. Aceitei esse desafio, que aliás se revelou muito gratificante, porque, para além de me dar uma nova oportunidade de pôr o coração na nossa história, foi a ocasião de falar, com portugueses, dum Japão que fugia a retratos feitos e a circuitos turísticos comerciais, na minha tentativa de "recriar" a gente, a terra e a cultura que os nossos compatriotas quinhentistas tinham procurado e vindo a encontrar. A proposta de projeto ou itinerário de viagem que os textos seguintes encerram corresponde ao que eu gostaria também de fazer com amigos meus ou, melhor, a um largo trecho desse percurso do desejo, que corresponde a um trepar pela história cultural do Japão, desde a introdução da escrita, no século VI, até à Restauração Meiji, no XIX. Se tivéssemos mais tempo, percorreríamos ainda sítios e testemunhos da construção, crescimento, expansão, exorbitação e queda do Dai Nippon, o grande Japão Imperial, desde 1868 a 1945, tal como da atual democracia social-nipónico-capitalista (qualquer dia terei de explicar este conceito), tecnológica, científica, exportadora e fervilhante de modas e modelos de novas culturas. Iríamos também ao encontro dos abrigos e segredos escondidos, desde aqueles retiros repousantes perdidos nas montanhas, onde saboreamos o prazer inolvidável de uma imersão em águas termais bem caldas, num tanque cavado na rocha, contemplando, ao ar livre, a circundante paisagem de neve, saboreando depois uma refeição japonesa, de peixe daqueles riachos, raízes, tubérculos e legumes colhidos nas serranias... até às demarcações dos muitos territórios sagrados de kami shintoístas, aos ritos animistas praticados nas aldeias e nos arrozais, aos templos budistas rodeados de montanhoso silêncio, ao habitat dos kakure kirishitan. E, em contraste com tudo isso, experimentaríamos a agitação disciplinada das grandes metrópoles, os grandes centros de comércio eletrónico como Akihabara, as tasquinhas de petiscos, cerveja e sake de várias procedências, os bares de karaoke, os excelentes -- e caros -- restaurantes japoneses de kaiseki ryori, com soberbos arranjos das porcelanas e lacas ao serviço de paladares delicados... e do culto das estações da natureza!
Há sempre um Japão secreto, muito íntimo, que nos pede namoro e é como o fruto do Paraíso: depois de provado, deixa-nos a boca cheia de inesquecível sabor. De saudade, talvez. O silencioso amor dos japoneses pelo fado -- a mesma íntima escuta que senti quando, logo depois do terrível terramoto de Kobe, em 1995, lá levei o Coro Gregoriano de Lisboa -- tem certamente a ver com essa lembrança irreparável do leite materno, que a palavra amae tão bem traduz. Saudade e amae chamam-nos à origem de nós, a esse ponto de interrogação que nos habita e em que, confusos, nos misturamos com Deus.
Camilo Martins de Oliveira