A FORÇA DO ATO CRIADOR
Centro Cultural de Belém – urbanidade e monumentalidade elementar.
O Centro Cultural de Belém (1988-1992) está implantado numa importante zona de Lisboa. É uma das maiores obras públicas, do final do século XX, promovidas pelo Estado Português, para acolher a 1ª Presidência Portuguesa da CEE, em 1992.
A encomenda resultou de um concurso internacional realizado em 1988, no qual o Risco participou integrado na equipa de Vittorio Gregotti (1927). A proposta de Gregotti/Risco foi escolhida pela capacidade de remate da Praça do Império, pela correta relação de escala com o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e com as malhas do Restelo e Bom Sucesso. É uma solução que manifesta uma preocupação de clareza, solidez e unidade. As outras propostas apresentavam leituras diversas. Gonçalo Byrne reforçava uma diagonal, ligando a Praça do Império à Torre de Belém. Manuel Tainha privilegiava a tangencia aos Jerónimos. Renzo Piano prolongava o jardim abandonando a ideia de Praça.
O Centro Cultural de Belém (CCB) concretiza a construção de um monumento, entendido como objeto não espontâneo e não quotidiano. Sintetiza valores coletivos. Para a sociedade se reconhecer no objeto arquitetónico projetado a ele associam-se características de grandeza e valor de excecionalidade – com dimensão, distinção, proporção, austeridade e ordem.
O CCB desenha cidade. Referencia-se a um conhecimento crítico das regras de implantação da cidade histórica, interpretando por analogia. Significa magnitude pela escolha de formas elementares, arquetípicas, estáveis e colossais. E assim o CCB constrói uma identidade e pertence a um lugar. Associa durabilidade construtiva à vida pública. Exigiu tempo para ser entendido e interpretado mas hoje existe como elemento que faz parte da história de Belém.
Vittorio Gregotti olha para a história como um instrumento e como um conhecimento indispensável, útil para aplicar diretamente sobre soluções reais porém anseia também pela contemporaneidade, cumprindo compromissos profissionais. Para Gregotti é o confronto entre arquitetura e o lugar, a sua história e estrutura, que constitui identidade. Arquitetura é feita de relações, numa paisagem saturada. Vittorio Gregotti afirma na sua obra um realismo concreto – pela necessidade de se resolverem problemas específicos e porque a grande preocupação do arquiteto não é, à partida, fazer uma obra de arte, mas resolver um problema específico que lhe é colocado. Arquitetura, para Gregotti é profissão de caráter científico, preciso, que substitui as técnicas artísticas pela construção de um método projetual e pela ideia de estrutura de um fenómeno. O projeto arquitetónico é assim dotado, em todos os níveis, de uma particular plenitude de quase objeto, com metodologia de controlo delimitada. Gregotti projeta para um contexto concreto e essa presença do contexto é a chave para o entendimento e para o desenvolvimento do raciocínio arquitetónico. A busca de uma síntese da forma e da clareza do conceito justificam assim uma certa austeridade.
‘O sujeito quer encontrar o mundo, a partir da singularidade do próprio desejo, à responsabilidade ideológica e política frente ao grupo. Arquitetura é modelo de indagação e conhecimento da realidade ... propriedade específica da realidade do mundo.’, Vittorio Gregotti, ‘Território da Arquitetura’
O conjunto do CCB desenha-se através de uma estrutura urbana compacta ortogonal que delimita o lado poente da Praça do Império. O volume compacto é rasgado por estreitos eixos/percursos perpendiculares ao rio, cosendo-se com a malha que desenha a encosta do Restelo.
O sistema urbano do CCB é constituído por cinco módulos dimensional e programaticamente diversos e hierarquizados. Para a Praça do Império, finalmente rematada a nascente, abre-se a entrada principal (origem do eixo que percorre transversal aos módulos). Os cinco módulos ao serem atravessados por ruas permitem a
permeabilidade e determinam constantes relações interior/exterior, contribuindo para o confronto da arquitetura com a escala urbana. Alternam-se zonas cheias e vazias. O conjunto construído permite uma relação mais próxima com o rio. Elevam-se plataformas de passagem entre os módulos. Desenham-se a sul sucessivos jardins e terraços suspensos, numa cota que transpõe visualmente a estrada e o comboio.
Ana Ruepp