Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 Fratura urbana.
 

“We are passing through a stage in a long progress towards interpenetration, simultaneity, and fusion, on which humanity has been engaged for thousands of years.”, Umberto Boccioni, 1913

 

A Cidade é uma combinação de estratos distintos e justapostos. Não existe um único conceito que estruture e descreva uma cidade que atravessa o tempo. Assistimos, antes a sucessivas interpenetrações, simultaneidades e fusões de conceitos estruturais que definem uma cidade. O presente e o passado coexistem e justificam-se simultaneamente. O conceito que estrutura a cidade do presente só é percetível em confronto com a cidade do passado - rutura ou continuidade?

Nuno Grande em ‘O Verdadeiro Mapa do Universo – Uma Leitura Diacrónica da Cidade Portuguesa’ (2002) identifica oito períodos históricos importantes na cidade de Lisboa:

1.Muralha: A cidade que se define através da muralha é de limite e de fronteira perfeitamente demarcada. As portas são a única transição para o exterior. No exterior desta cidade formam-se núcleos conventuais, funcionalmente completos e independentes.

2.Rossio: Assiste-se ao extravasar da muralha, constitui-se a cidade das aforas fundada através do Rossio. O Rossio é, assim, um espaço polivalente de transição do exterior para o espaço definido dentro das muralhas.

3.Objeto (a cidade ideal): A construção do Bairro Alto, no séc. XVII, em Lisboa inicia a formação de uma nova conceção de cidade: a Cidade Objeto, como conceito de cidade ideal e erudita.

4.Traçado (a engenharia militar): A fundação da cidade moderna, em Lisboa, faz-se por vontade de um cataclismo natural-Terramoto de 1755. Eugênio dos Santos propõe para a Baixa uma matriz totalmente desenhada, traçada, essencialmente, a partir do espaço público, onde o desempenho das infra-estruturas é importante como sistema fundador.
5.Infra-Estrutura: Esta cidade funda-se, no séc. XIX pela integração de novas infra-estruturas na cidade (caminho de ferro, actividades portuárias, etc.). Em Lisboa assiste-se à expansão a Norte pelo traçado da Avenidas Novas - é a cidade da nova burguesia que se afirma através de fachadas opacas e festivas, abrindo-se com grande transparência para o interior do quarteirão.

6.Obra Pública: É a cidade como prolongamento do poder do Estado Novo. Em Lisboa, define-se pelos equipamentos, pelas radiais, pela expansão a Oriente, pela introdução de um Parque Natural da cidade e por ações sociais de habitação.

7.Fratura (Tempo Moderno): Esta é a cidade, dos anos 50 e 60, que duvida da cidade integrada e tradicional e manifesta-se através da Carta de Atenas.

8.Vazio e Emergência: Esta cidade define-se pelo espaço residual entre volumes emergentes, pelo crescimento incontrolado da periferia, pelo abandono e degradação do construído histórico.

 

No contexto de ruptura e descontinuidade urbana insere-se o período Fratura, ilustrando e justificando em parte a atual conjuntura urbana a que assistimos.

 

“A modernidade é uma estrutura histórica de câmbio, de uma prática social e modo de vida articulado sobre a transformação, a inovação, mas também sobre a inquietação, a instabilidade...”, Jean Baudrillard
 

Modernidade incontestada: Os CIAM (Congresso Internacional da Arquitetura Moderna) constroem uma unidade urbana em ruptura total com o vocabulário do passado. A estrutura é rígida e aparece como resposta social aos problemas gerados pela cidade industrial (aumento demográfico, êxodo rural, condições insalubres e inumanas de vivência nos novos bairros ocupados por operários). A resposta eficaz e imediata para a cidade, de então, que se expande sem controlo situa-se na concretização de conceitos como: espaço, ar e luz para todos sem exceção; separação evidente entre trabalho, habitação, lazer e circulação; libertação urbana da complexidade da cidade consolidada.

Estamos perante um formulário urbano restrito e abstrato?

Estamos perante uma causa. Objetiva-se solucionar as necessidades de todos com recurso a tecnologias massificantes e standardizantes (o fenómeno industrialização, aqui é fundamental), sobretudo porque se acreditava que a arte, a arquitetura e a organização urbana deixariam de ser um reflexo da sociedade existente para se tornarem um dos instrumentos privilegiados de sua reconstrução (Anatole Kopp, 2002).

O Belo, no modernismo situa-se, somente, no domínio das preocupações utilitárias. A habitação social coletiva é o meio programático de experimentação ideal.

O formulário, porém manifesta-se restrito assim que, no período que se segue à Segunda Grande Guerra, se torna urgente reconstruir. As convicções ideológicas são substituídas por convicções pragmáticas e eficazes. A fratura instala-se, inevitavelmente, na cidade de então.

Modernidade questionada: O pragmatismo sem convicção, imposto à cidade Moderna do pós-guerra e as fraturas que gerou, justificou novas experiências urbanas. Essas experiências inserem-se no contexto Neo-Realista gerado no Sul da Europa e ‘onde se repegavam conceitos subalternizados pelo Movimento Moderno – lugar, continuidade tipológica, identidade cultural – a partir de análises e de modelos sociológicos assentes num conhecimento direto e empírico da realidade.’(Nuno Grande). Esta nova atitude permanecia coordenante com o Moderno na causa social que reivindicava e descrevia-se discordante na ruptura que evitava ao entender a cidade consolidada.

 

Ana Ruepp