Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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4. A revelação de outro mundo: os nambam e o século cristão
Tudo o que se tem vindo a contar do Japão, penso, ajudará a perceber o ambiente social, político e cultural que os missionários jesuítas e os mercadores portugueses vieram encontrar em meados do século XVI. Em Portugal, melhor dizendo, cá entre portugueses, concentramo-nos muito, demasiadamente, numa elegia elogiosa, encomiástica, saudosa e fadista, do nosso passado histórico, de encontros pioneiros, dos mundos que demos ao mundo, etc... etc... Reagimos, com indisfarçado ressentimento, ao que pensamos ser um apagão dos nossos pretéritos feitos na literatura e celebrações da Europa sobre a herança comum, de cada vez que alguém não os glorifica. Todavia, nem sempre nos interrogamos sobre o porquê de tanta, e tão boa, investigação historiográfica dos descobrimentos ultramarinos se dever a estrangeiros... Lembro, pensando no Extremo Oriente e no Japão, Charles Boxer e Michael Cooper, ambos súbditos de Sua Majestade Britânica, além de muitos outros exemplos. Já hoje, as coisas vão mudando, os nossos historiadores vão saindo do nosso acanhamento, até consultamos outras fontes, as do lado de lá, para percebermos que ideia, afinal, outras gentes tinham de nós. Como sentiram os japoneses de quinhentos/seiscentos essa inesperada chegada de homens de pele branca, indumentária estranha, armas de fogo, portadores de mercadorias, animais, costumes desconhecidos, acompanhados de criados e escravos de cor escura, todos, em fila, formando procissões em que capitão-general, oficiais, clérigos, mercadores e servos ocupavam posições atribuídas, desempenhavam funções determinadas, caminhavam com ordem?
O primeiro registo de uma reação aos recém chegados portugueses encontra-se na crónica japonesa Yaita-ki, que reporta um comentário dum intérprete chinês, que se prestou a essa função, aquando da primeira reunião de portugueses com gente de Tanegashima: Estes homens são mercadores de Seinanban [barbária do sudoeste]. Entendem, até certo ponto, a diferença entre Superior e Inferior, mas não sei se eles têm propriamente um sistema de etiqueta cerimonial. Comem com os dedos, em vez de pauzinhos, como nós fazemos. Mostram os seus sentimentos sem qualquer autocontrolo. Não conhecem o significado dos caracteres escritos. São gente que passa a vida a deambular por aqui e ali. Não têm morada certa e trocam as coisas que têm pelas que não têm, mas com tudo isso são gente inofensiva. Esta observação é mais compreensível se atendermos ao facto de que os primeiros portugueses a arribar em Tanegashima não eram fidalgos nem missionários, mas simplesmente mercadores ambulantes e aventureiros, que iam fazendo pela vida, em busca de fortuna por longínquas paragens. Além disso, no Japão coevo, vingava o regime de uma ordem social rígida, inspirada pelo confucianismo, com regras protocolares rigorosas, tudo, ainda por cima, apoiado pelo desejo de paz ordeira e segura, depois de muitos anos de guerras feudais. Na consciência moral nipónica, como explico alhures, as obrigações ou deveres sociais, como, por exemplo, a solidariedade, o respeito e a obediência aos superiores, constituem aquilo a que chamam giri, e o comentário do intérprete chino tem a ver com isso. Por isso mesmo, quando chegaram capitães generais e oficiais, fidalgos portugueses, e os missionários jesuítas, todos tiveram grande cuidado com as aparências e prestígio do seu vestuário e comportamento, o que lhes granjeou admiração e reverência dos japoneses.
Mas o contacto com os portugueses também se celebrou pelo lado ninjo da consciência japonesa, impulsionador de afetos como de criação artística, chamemos-lhe o reino do coração: por dentro de um samurai, com suas armas, ou dum daimyo, com o seu leque símbolo de poder, encontravam-se seres humanos acolhedores e simpáticos, que gostavam de convidar os estrangeiros para suas casas, a comerem, beberem e dormirem, e ainda se pelavam por ser convidados para os navios portugueses, para mais uns ágapes. Espicaçados pela curiosidade, até escravos negros, que serviam os portugueses, eles chegavam a convidar, para melhor os conhecerem. E pareciam felizes com tudo isso, a julgar pela facilidade com que começaram a imitar os nanban no traje, na alimentação e até nas rezas... Ou pela rapidez com que dezenas de milhares de japoneses se iam convertendo ao cristianismo. Claro que a prosperidade trazida pelo comércio externo que os portugueses asseguravam ajudou à festa e ao desejo de terem com eles as melhores relações. No meu Fomos em Busca do Japão encontram-se algumas páginas com muito interessantes, e divertidas, descrições de cenas que ilustram este relacionamento. Lembro ainda que ali falo também de questões relacionadas com a inculturação do cristianismo, os problemas que suscitou, o destino que teve, bem como da introdução da medicina ocidental, designadamente por obra do jesuíta Luís de Almeida, cristão novo, dos biombos namban e de um pequeno museu, pertencente à família Kitamura, em Osaka, onde, além de memorabilia cristãs, se encontram alguns dos mais interessantes byobu do género. Local a visitar.
Mas há mais: o momento da chegada dos portugueses coincide, não só, com o movimento de unificação política do Japão, conduzido por Oda Nobunaga, Hideyoshi Toyotomi, Tokugawa Yeasu, mas com o período áureo da arte japonesa, bem como da edificação de grandes castelos, como Himeji, em condições de se defenderem melhor das armas de fogo, e de as utilizar com maior resguardo, e de palácios fortificados, dentro das cidades, como Edo e a própria Kyoto, onde se levantou o Nijojo, símbolo do poder shogunal, próximo do palácio imperial, este, aliás, destruído e apenas existente na sua reconstrução de 1855...
O castelo de Himeji é, pela grandeza como pela conservação, tal como por ser modelar, imperdível. A nossa saudade, ou simplesmente lembrança, talvez preferisse a visita ao de Osaka, edificado por Toyotomi Hideyoshi, e que o padre Luís Froes tão cuidadosamente descreveu. Também seria visita mais cómoda, situa-se no centro da cidade. Mas trata-se de uma reconstrução do pós-guerra... Tal como o castelo de Nagoya e o Nijojo (este também imperdível), o de Osaka é um hirajiro, ou seja, um castelo construído em planície. Mas enquanto os outros dois, também edificados em cidades, e sobretudo como símbolos de poder e autoridade, nunca foram atacados, o de Osaka esteve no centro da disputa do filho de Hideyoshi com Tokugawa Yeasu, que o derrotou. Himeji, levantado logo no início do século XVII, representa bem as fortalezas construídas fora dos centros urbanos pelo daimyos sobreviventes às Guerras Onin (1482-1558), no fim do shogunato Ashikaga e princípio do movimento de unificação do Japão e centralização do poder iniciado por Oda Nobunaga. Levantado como fortificação feudal, ele é, todavia, uma afirmação do poder do primum inter pares, o shogun Tokugawa. Quando os senhores feudais, depois de conseguirem territórios mais vastos, viam as guerras entre eles cessarem, a pouco e pouco se iam tornando mais representantes e garantes da autoridade central do que reizinhos ou senhores da guerra. Assim, nessas terras se foram então erguendo castelos imponentes, mais como sinais da força do poder do que como bases militares. Sugiro a leitura do capítulo O Nijo-jo, do Fomos em Busca do Japão, não só pelo que agora tratamos, mas também pelos exemplos da tal unidade da natureza com a vida dos homens de que falei atrás.
O encontro dos portugueses com o Japão dá-se num período crítico da história nipónica, quando o Império do Sol Nascente vai saindo da Idade Média e entrando na Moderna, não só pela consolidação da unidade nacional e pela concomitante centralização do poder político, mas também pelo renascimento das artes, como já não se via desde a era Heian. No momento em que o Japão se reencontra consigo, se renova e deslumbra, chegam uns estrangeiros de longe, professando e confessando uma religião estranha à própria cultura nipónica, falando uma língua incompreensível, que se escreve com caracteres desconhecidos e não figurativos, portadores de uns engenhos que reproduzem em muitas cópias os textos batidos em chumbos e já não manuscritos... Esses homens são tão estranhos como o seu vestuário, alimentação e bebidas, o modo como cumprimentam e falam, os produtos e animais que trazem. Os biombos nanban são retratos fiéis dessa nova realidade e da estranheza admiradora que provoca, e ainda dão asas à imaginação de como seriam as terras de onde vêm, como podemos hoje ainda ver nos painéis que representam a partida dos kurofune, dessas naus enormes que vão ancorando nos portos do sul do Japão. Das armas de fogo à medicina, da astronomia à cartografia, da imprensa a tantos objetos e usos do quotidiano, os nanban jin trazem muitas novidades. E estas caem bem nessa época de ouro da arquitetura e outra artes japonesas, que dá pelo apelido Momoyama. Pessoalmente, sem querer desvalorizar, antes pelo contrário, a designação do período Azuchi-Momoyama (1568-1600), que tem precisamente a ver com a reunificação do Japão, por Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi, logo antes de Tokugawa Yeasu, acho que, para efeitos de sentimento e avaliação das artes, ele se pode iniciar nas duas últimas décadas da era Muromachi (ou no fim do shogunato Ashikaga) e prolongar-se até ao fim definitivo do século cristão, ou seja 1640... mais ou menos! Comecemos então um percurso pelas artes dessa era.
Muito embora se diga que esse século Momoyama artístico, de meados do XVI a meados do XVII, seja o da arte para os senhores, os poderosos -- os conceitos estéticos que a regem chegam da era Muromachi, impregnados de cultura zen, valorizando, com "raffinement", a rusticidade, a simplicidade, a pobreza engenhosa. Na cerimónia do chá, por exemplo, o rigor da simplicidade de utensílios e ritos, já ensinada aos Ashikaga pelo mestre Murata Juko (1453-1503), é retomado pelo mestre de chá de Toyotomi Hideyoshi, o famoso Sen no Rikyu, sem prejuízo de algumas inovações, entre elas os gestos retirados da liturgia católica em uso nas igrejas portuguesas dos jesuítas. Mas a influência dos portugueses nas artes e na arquitetura da era Momoyama foi mais extensa e profunda. Desde logo, porque a Nau do Trato, oferecendo regularmente novas oportunidades de comércio aos japoneses, promoveu o desenvolvimento de uma classe burguesa de comerciantes, cuja fortuna podia pagar trabalhos aos artistas e artífices, estando, por exemplo, bem documentados os objetos de laca e metais preciosos, e de outros materiais, de clara inspiração cristã ou lusíada, tal como vestuário e acessórios, tudo isso a que se chamou a moda nanban. Mas deixo a palavra a Murase Mieko, japonesa, professora de história da arte na Columbia University, em Nova Iorque: Um acontecimento histórico singular deveria desempenhar um papel direto e crucial na evolução artística da era Momoyama: a chegada dos Portugueses ao Japão... ...Os Japoneses deram mostras de grande curiosidade relativamente a eles, interessando-se pelo seu porte, pelo seu modo de vida e pelas mercadorias que negociavam... ...Inúmeros biombos foram pintados para comemorar a chegada dos Portugueses ao porto de Nagasaki... …Um número mais reduzido de imagens e pinturas cristãs realizadas no Japão, imitando estilos ocidentais, constituem um parêntese na história da arte japonesa... ...Mas os pintores japoneses também copiaram pinturas europeias profanas, representando ocidentais em vestuário tradicional, mas sobre pano de fundo exótico. E eu posso acrescentar, que, com os portugueses, aprenderam eles a desenhar e pintar mapas, e a identificar, pela pintura, regiões e gentes de longínquos continentes... E, dando como exemplo, precisamente, o castelo de Himeji, a professora Murase reconhece a inesperada contribuição dos Portugueses para a arquitetura militar do Japão -- como já vimos, por força da introdução das armas de fogo e a consequente necessidade de reforçar, por desenho e materiais utilizados, as muralhas das praças fortes, e rodeá-las de fossos.
Himeji é exemplo dessa contribuição dos portugueses. Inicialmente erigido ainda por Toyotomi Hideyoshi, creio que em 1581, foi finalmente construído pelos Tokugawa, terminado em 1608. Apesar dos éditos anticristãos do primeiro -- aliás nunca rigorosamente aplicados -- e de algumas "apostasias" de daimyo, como Omura Sumitada, que fora distinto apoio dos nossos missionários, o cristianismo e a Igreja japonesa conheceram tempos felizes no início do shogunato Tokugawa que, todavia, os perseguiria mais tarde. O jesuíta português João Rodrigues, o Tçuzu ou intérprete, ainda por volta de 1606, era estimado e prestigiado na corte shogunal. Mas já fora expulso, ele também, quando, em 1635/36, se edificou, em Nikko, a noroeste de Edo (hoje Tokyo), o mausoléu do primeiro shogun da dinastia Tokugawa, outra visita imperdível. Curiosamente, em 1873, na afirmação da restauração Meiji, ali se ergueram também os mausoléus de Minatomo Yorimoto, o 1º shogun, e de Toyotomi Hideyoshi que, sem ter recebido o título de condestável, foi o generalíssimo que transmitiu a Tokugawa Yeasu, o Japão unificado pelo movimento que, antes dele, o seu chefe, Oda Nobunaga, iniciara.
Centro Cultural de Belém – urbanidade e monumentalidade elementar.
O Centro Cultural de Belém (1988-1992) está implantado numa importante zona de Lisboa. É uma das maiores obras públicas, do final do século XX, promovidas pelo Estado Português, para acolher a 1ª Presidência Portuguesa da CEE, em 1992.
A encomenda resultou de um concurso internacional realizado em 1988, no qual o Risco participou integrado na equipa de Vittorio Gregotti (1927). A proposta de Gregotti/Risco foi escolhida pela capacidade de remate da Praça do Império, pela correta relação de escala com o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e com as malhas do Restelo e Bom Sucesso. É uma solução que manifesta uma preocupação de clareza, solidez e unidade. As outras propostas apresentavam leituras diversas. Gonçalo Byrne reforçava uma diagonal, ligando a Praça do Império à Torre de Belém. Manuel Tainha privilegiava a tangencia aos Jerónimos. Renzo Piano prolongava o jardim abandonando a ideia de Praça.
O Centro Cultural de Belém (CCB) concretiza a construção de um monumento, entendido como objeto não espontâneo e não quotidiano. Sintetiza valores coletivos. Para a sociedade se reconhecer no objeto arquitetónico projetado a ele associam-se características de grandeza e valor de excecionalidade – com dimensão, distinção, proporção, austeridade e ordem.
O CCB desenha cidade. Referencia-se a um conhecimento crítico das regras de implantação da cidade histórica, interpretando por analogia. Significa magnitude pela escolha de formas elementares, arquetípicas, estáveis e colossais. E assim o CCB constrói uma identidade e pertence a um lugar. Associa durabilidade construtiva à vida pública. Exigiu tempo para ser entendido e interpretado mas hoje existe como elemento que faz parte da história de Belém.
Vittorio Gregotti olha para a história como um instrumento e como um conhecimento indispensável, útil para aplicar diretamente sobre soluções reais porém anseia também pela contemporaneidade, cumprindo compromissos profissionais. Para Gregotti é o confronto entre arquitetura e o lugar, a sua história e estrutura, que constitui identidade. Arquitetura é feita de relações, numa paisagem saturada. Vittorio Gregotti afirma na sua obra um realismo concreto – pela necessidade de se resolverem problemas específicos e porque a grande preocupação do arquiteto não é, à partida, fazer uma obra de arte, mas resolver um problema específico que lhe é colocado. Arquitetura, para Gregotti é profissão de caráter científico, preciso, que substitui as técnicas artísticas pela construção de um método projetual e pela ideia de estrutura de um fenómeno. O projeto arquitetónico é assim dotado, em todos os níveis, de uma particular plenitude de quase objeto, com metodologia de controlo delimitada. Gregotti projeta para um contexto concreto e essa presença do contexto é a chave para o entendimento e para o desenvolvimento do raciocínio arquitetónico. A busca de uma síntese da forma e da clareza do conceito justificam assim uma certa austeridade.
‘O sujeito quer encontrar o mundo, a partir da singularidade do próprio desejo, à responsabilidade ideológica e política frente ao grupo. Arquitetura é modelo de indagação e conhecimento da realidade ... propriedade específica da realidade do mundo.’, Vittorio Gregotti, ‘Território da Arquitetura’
O conjunto do CCB desenha-se através de uma estrutura urbana compacta ortogonal que delimita o lado poente da Praça do Império. O volume compacto é rasgado por estreitos eixos/percursos perpendiculares ao rio, cosendo-se com a malha que desenha a encosta do Restelo.
O sistema urbano do CCB é constituído por cinco módulos dimensional e programaticamente diversos e hierarquizados. Para a Praça do Império, finalmente rematada a nascente, abre-se a entrada principal (origem do eixo que percorre transversal aos módulos). Os cinco módulos ao serem atravessados por ruas permitem a
permeabilidade e determinam constantes relações interior/exterior, contribuindo para o confronto da arquitetura com a escala urbana. Alternam-se zonas cheias e vazias. O conjunto construído permite uma relação mais próxima com o rio. Elevam-se plataformas de passagem entre os módulos. Desenham-se a sul sucessivos jardins e terraços suspensos, numa cota que transpõe visualmente a estrada e o comboio.
3 (B). História política das religiões japonesas: poderes rivais e sincretismo religioso
Quem quiser percorrer o caleidoscópio do Japão budista, encontrará em Kyoto quase tudo, ou um pouco de tudo: desde o Nishi Honganji, popularíssimo templo Jodo com que Tokugawa Yeasu embirrou, ao Toji, da seita Shingon. Mas imperdível mesmo -- e talvez merecendo um dia inteiro de percurso a pé -- é a zona leste de Kyoto, do Ginkakuji ao Kyomizudera, pela senda dos filósofos e o Maruyama Koen, sempre pelo sopé do Higashiyama.
Outro dia bastará para os imperdíveis de Kyoto ocidental, mais o palácio imperial e o Nijojo. Destes dois falaremos noutro capítulo. Mas na zona ocidental de Kyoto, é incontornável a visita ao Ryoanji, templo zen, fundado em 1473, pelo daimyo Hosokawa Katsumoto, poderoso senhor, aliás antepassado de uma família que se converteria ao cristianismo, e daria ao Japão, já em finais do século XX, o seu único primeiro ministro católico. Aqui se encontra o célebre jardim desenhado por Soami e considerado a quintessência do jardim zen, o tal em que, num mar de gravilha, assentam quinze rochinhas, como ilhas, qua ninguém consegue contar de uma assentada: seja qual for o nosso ponto de vista, o máximo que contamos é catorze... Antes, vindos do centro da cidade, poderemos (devemos) passar pelo complexo de templos de Myoshinji, de 1373, onde se recolhem, quer o mais antigo sino de bronze fundido no Japão, em 698, quer o mais antigo sino cristão, fundido em Portugal, em 1576, e que serviu no campanário da igreja da Assunção, dos jesuítas, na Kyoto imperial do século nambam. Finalmente, é por ali que se encontra o pavilhão dourado, o Kinkakuji, impecavelmente reconstruído, em 1955, no mesmo local e em cópia exatíssima do original, datado de 1397, erigido pelo 3º shogun Ashikaga, para sua casa de retiro e, depois da sua morte e por sua ordem expressa, sagrado templo pelo seu filho Yoshimochi. O tal que um monge incendiou, no século passado, como conta Mishima no seu romance. Daqui, poderemos avançar para leste e começar a nossa visita de Kyoto oriental pelo Ginkakuji, o pavilhão de prata, ali edificado, em 1482, por outro shogun Ashikaga, Yoshimasa, o 5º da dinastia, neto de Yoshimitsu, que levantara o de ouro. Quis assim imitar o avô, já na fase final da glória dos Ashikaga, muito enfraquecidos pelas guerras civis que assolavam o Império. O sítio é aquático e frondoso, convida ao descanso, e há quem diga que Yoshimasa por lá passou uns bons tempos, com poesia, música, mulheres e saké. Seja como for, o shogun Ashikaga Yoshimasa, a quem os historiadores tendem a apontar responsabilidades no declínio da dinastia Ashikaga, foi certamente mecenas e patrono das artes zen, ao ponto de haver quem diga que, na era Muromachi, a arte se pôs ao serviço do budismo zen. A ideia de que "quanto menos, mais", que, afinal, despoja a intuição de artifícios -- e tal explica o êxito do espírito zen junto dos militares, como o gosto da pintura a tinta da china, ou da caligrafia como gesto concentrado e simples -- sente-se bem na arquitetura dos edifícios, como na sua decoração interior, e ainda nas artes ditas menores, como o arranjo de flores, a cerâmica, e muito mais: a cerimónia do chá, o teatro nô, as retenções ou reservas convencionais no comportamento convivial das pessoas. Diferentemente de muitos outros templos zen, que têm jardins secos, isto é, sem águas e, sobretudo, feitos de gravilha e pedras, as vilas-templos que são o Kinkakuji e o Ginkakuji erguem-se, tal como o Byodoin dos Fujiwara, no meio de grandes jardins, desenhados de forma a oferecerem ao passeante o agrado de árvores, sombras, flores, águas e rochas. Mas quero chamar a atenção, e vão perceber porquê, para os interiores do Pavilhão de Prata, de que estamos a falar: uma sala búdica, no piso superior, com janelas desenhadas em ponta de lança, ao estilo zen; o Togudo, anexo, era a capela privada do shogun, composta de uma salita de quatro tatamis e meio (tatami=1,83mx91cm), o dojinsai, exemplar mais antigo do gabinete de trabalho ou shoin, que havia nos mosteiros e em residências nobres. Aí, Murata Juko, mestre de chá de Yoshimasa, preparava o espesso chá verde, folhas esmagadas e cruas, agitadas em água quentíssima, mas sem infusão, bebida amarga que os monges primeiro ingeriam como medicamento, ou para os ajudar a longas horas de meditação. Murata, em reuniões de gente seleta convocada pelo shogun, em que tal chá era cerimoniosamente servido e bebido, explicava, com intenção estética, virtudes zen, como simplicidade, sobriedade e elegância, ou mesmo princípios propriamente estéticos, como a assimetria ou a importância da imperfeição para a beleza. Um pequeno defeito realça sempre a maior beleza do conjunto. Esta qualidade está bem presente na cerâmica rústica do Japão, por exemplo, nas xícaras ou tijelas em que se toma o chá na cerimónia respetiva, e que os convivas silenciosos longamente contemplam.
Deste ponto, isto é, do Ginkakuji, iremos caminhando para sul, percorrendo, primeiro, a senda da filosofia, 1200 metros ao longo de um ribeiro ladeado de sakura e de bordos... Assim chegaremos ao Nanzenji.
É este o mais importante templo zen de Kyoto. No século XIII, levantara-se aqui uma residência de lazer para o imperador Kameyama, arderam os edifícios em guerras civis, os atuais datam do século XVI. Tudo por aqui merece visita, não só o templo e mosteiro principal e o enorme portão sanmon (com a vista que se alcança lá de cima), mas os outros templos, sobretudo o Nanzen-in, com as suas águas e jardins, e ainda a possibilidade de, de fora, podermos enxergar monges lá dentro, em meditação... Há, à volta alguns excelentes restaurantes de cozinha monástica, designadamente de yodofu, pratos de tofu fervido. Bem bons! Mais abaixo, nas proximidades do parque público de Maruyama Koen, dois templos, o Shoren-in, da seita Tendai, e o Chion-in, da Jodo, merecem um salto para ver as magníficas pinturas de escola de Kano que encerram. Continuando, atingiremos a Kyomizuzaka, a ladeira que nos conduz, por entre casas tradicionais de comércio, ao templo de Kyomizudera, cuja gigantesca estrutura de madeira foi erigida em 798, reconstruída em 1633. Só estando lá se sente o fascinante encanto do lugar, e se alcança a vista de Kyoto, mas sobretudo, no Outono, a explosão cromática dos momiji. Ao fim da visita, pode-se ir devagar, paulatinamente, andando até Gion, ver as gaikko ou gueixas que, pelas ruas do bairro antigo, vão indo para as casas de chá ou de pasto em que atuam. E jantar lá.
Não há nada melhor do que ler um livro junto à "Tormes" de cada um e depois distribuir esperanças e frutos reais à vida de cada um. Tudo o resto é poeira. Teresa Bracinha Vieira
Já aqui evoquei a carreira de Álvaro Benamor, em especial como professor de Arte de Representar e Encenação no Conservatório Nacional (CNC - “O Ensino do Teatro em Portugal”- 5 - 21 de maio de 2014). Ocorre que se assinalam 40 anos da sua morte. E acresce que entre os últimos grandes espetáculos em que marcou a sua intervenção e a que assisti, saliento, na Casa da Comédia, “A Dança da Morte” de Augusto Strindberg, na temporada 1969/1970, e a versão de Friedrich Durrenmat denominada “Play Strindberg – A Dança da Morte em Doze Assaltos”, estreada em Portugal em 1975 (e depois reposta), também na Casa da Comédia, ambas encenadas por Jorge Listopad. (cfr. Rui Pina Coelho “Casa da Comédia (1946-1975) Um Palco para uma ideia de Teatro” – ed. Temas Portugueses – FLL e INCM 2009).
Álvaro Benamor iniciara a carreira em 1928. Toda essa cronologia por si só justificaria a evocação. Mas importa sobretudo referir a qualidade deste ator-encenador e sobretudo a inovação que sempre marcou as suas intervenções no plano da atuação em palco, repita-se, como ator e como encenador, e particularmente, ainda, a capacidade didática como professor, que o foi no Conservatório Nacional a partir de 1959. Aí o conheci e a muitas aulas, exercícios e ensaios também assisti.
E é de assinalar então a intervenção de Benamor na Casa da Comédia, pois, para lá da qualidade dos espetáculos, que me é grato novamente registar, inscrevem-se simultaneamente diversos fatores relevantes.
Por um lado, a versatilidade do ator, no auge de uma carreira que, iniciada como vimos em 1928, e que integra, ao longo de décadas, os mais relevantes projetos de teatro profissional – Empresa Rey-Colaço – Robles Monteiro, no D. Maria mas também noutros teatros, Companhia Teatral Portuguesa de António Pinheiro e Companhia de Maria Matos no Avenida, Comediantes de Lisboa no Apolo, Teatro de Arte de Lisboa de Francisco Ribeiro no Trindade, Companhia Nacional de Teatro de Couto Viana também no Trindade, e ainda, como já se disse, a Casa da Comédia, onde terá encerrado a sua atuação como “ator culto e inteligente”, escreveu Luís Francisco Rebello no “Dicionário de Teatro Português”.
E para alem disto, a intervenção no teatro radiofónico, dezenas de anos na EN, e a inovação nos inícios do teatro da RTP, em direto, como era prática na época.
Ma ainda, em particular, a direção-encenação de dezenas de espetáculos da Companhia Portuguesa de Ópera no Teatro da Trindade dirigido por José Manuel Serra Formigal. Por razões familiares mas também profissionais, assisti a numerosos ensaios de todas as produções, que alternadamente cobriram desde o grande repertório operístico a estreias e “recuperações” de óperas portuguesas, numa sucessão muito meritória. E aí, assinalo a renovação e, para o público em geral, a “descoberta” desse repertório operístico português – por exemplo, como citei em artigo anterior, a “Serrana” de Alfredo Keil, “A Vingança da Cigana” de Leal Moreira, ou “A Condessa Caprichosa” de Marcos Portugal.
E destaco, na memória que conservo destes espetáculos, dois aspetos relevantes: de um lado, a modernidade das encenações; mas simultaneamente, a reconstituição adequada à estética musical, predominante num espetáculo de ópera clássica, mesmo quando a encenação é um a reconstituição epocal moderna, passe o paradoxo.
Cito ainda o final dessa minha evocação anterior. É que, para além do repertório internacional clássico e moderno, “no Conservatório, Álvaro Benamor selecionava, para os alunos, um repertório português, a partir de Gil Vicente, percorrendo dos clássicos aos contemporâneos, e dando assim uma complementação das cadeiras teóricas, desde a História da Literatura Dramática à Filosofia do Teatro.”
An incredible Hitler-European Union comparison, 2016
Woah! Herr Adolph regressa ao debate no reino e de novo pela voz de ido Mayor of London.
Temo já conteúdos wagnerianos na água de City Hall! Depois de RH Ken Livingstone introduzir a figura do Führer nas mid-term elections, até com coloração antissemita, agora é RH Boris Johnson a fazê-lo na campanha do referendo europeu. Donde: Uma para o Labour, outra para os Tories. Jogo equilibrado nas bolas para fora. — Chérie. Qui sème le vent, récolte la tempête. Desta feita, porém, o Diktator des Deutschen Reiches (1933-45) surge acompanhado de outros supervilões centralistas como Felipe II de Espanha, ou Filipe I de Portugal, e Napóleon I, Le Empereur Souverain du Grand Empire! Todos são reunidos num mesmo cesto pelas derivas imperiais e o sacríficio da Europa das Nações, a fim de o Outer MP censurar a ambição da European Union unificar o velho continente. Daí: A gaffe too far? Ou: Another one for the birds? Desmesurado é, decerto. — Hmm! Manners maketh wo/man. A Marlborough House recebe o London Anti-Corruption Summit e alinha os líderes mundiais para a prevenção, perseguição e punição dos corruptos, com o apoio às suas vítimas. Prince Harry rememora a mãe Diana of Wales nas "closing remarks" dos Invictus Games Orlando. Após a incrível vitória do Leicester Football Club no campeonato inglês, exploram-se elos fantasmáticos ao King Power de Richard III dado a sepultar com white roses na sua Cathedral.
Partly cloudy sky and even low temperature em London. O termómetro em nada diminui os good moments vividos para as bandas de Berkshire (England). O Castle of Windsor acolhe a Royal Party dos belos 90 anos da Queen Elizabeth II e Her Majesty vence até uma corrida no Royal Windsor Horse Show, cumprindo-se votos aqui formulados de uma vitória no Derby. É ainda um gosto observar a moldura das várias gerações da família real e verificar a perícia do (94-year-old) Prince Philip como an accomplished carriage driver. Idêntica destreza revela RH James Gordon Brown a falar aos eleitores, mas lá iremos. Já Westminster encerra o ano parlamentar e aguarda o Queen’s Speech, este Wednesday, talvez com a justiça social como tema forte. O novo ciclo político transporta sinais de graves lutas intrapartidárias. No Labour, com diversos dirigentes suspensos, Mrs Shami Chakrabati dá hoje a primeira conferência de imprensa sobre o Inquiry into anti-Semitism. Também os Tories amolam as espadas; e não só as dos eurocéticos. Os planos reformistas do II Cameron Cabinet vão congelando, um a um, da academização das escolas à restruturação da BBC, discutida no último dia de trabalhos na House of Commons. Tudo parado, porque Downing Street teme efeitos incómodos no voto In/Out do UK na EU.
Ativíssimo está o reformado Prime Minister RH Gordon ‘In’ Brown. O herói do Scotch referendum faz a mais poderosa intervenção na campanha europeia até agora vista/ouvida, sobre “our way of life.” E é finalmente o positivo for the heart e não só as cifras negras for the mind, sobre o No trade, jobs & prosperity. Peregrinemos do negro ao carmim, para marcar o contraste dos posicionamentos. O Bank of England emite terrível alerta que a eventual Brexit “could lead to a recession” e o IMF declara que a saída britânica da European Union “is bad, very bad.” Tais advertências do Governor Mark Carney e da Director Christine Lagarde somam a outros espantalhos erguidos na plantação em torno da segurança económica e territorial: vindos de fora, por a OECD e o US President Barack Obama; ou, vindos de dentro, como o trio dos ex Heads do MI5 e MI6, Baron Evans of Everdale, Dame Elizabeth Manningham-Buller e Sir John Sawers. Resultará este canhoneio dos Bremainers no por cá designado Project Fear?! Subsistem dúvidas, mesmo após o sucesso do scaremongering no independentismo escocês. Ora, distinta é a abordagem racional do antigo Chancellor of The Exchequer e sucessor no Ten de RH Tony Blair. Flash Gordon antes perspetiva um futuro comum para todos os europeus, com paz, afluência e desafios ‒ no que, ainda assim, classifica como “an inspiring view of Britishness to defeat the Brexiters.” Escrevendo nas páginas de The Guardian em vésperas de lançar o livro Britain: Leading Not Leaving – The Patriotic Case for Remaining in Europe (Deerpark Press), argumenta a favor da EU conjurando o isolacionismo churchilliano de 1940 e advogando “the balance between autonomy and cooperation.” Projeta um United Kingdom “outward looking and engaged with the world.” Repetirá Old Gordie a magia do No Thanks nas Highlands no Labour In? No à primeira linha das prioridades regressado voto de 23rd June: Only 37 days to go…
Nesta esgrima de mensagens pontua ainda RH Boris ‘Out’ Johnson. O Member of Parliament por Uxbridge and South Ruislip tanto concede a polémica entrevista adolphiana ao Sunday Telegraph quanto almoça com a Spectator. Antes dos oito anos como Mayor of London, ele foi um dos editores da revista de Old Queen Street e para a estória fica a sua nota de o cargo ser “the best job in London.” À saída do City Hall, “less fun, but more fulfilling,” o Tory regressa à Culture House para a defesa do Brexit Case. A capa da magazine apresenta o magno título “Boris wants you!” a par de uma icónica ilustração com o chapéu de Field Marshal Leave e o indicador à Lord Kitchener. Os jornalistas Mr James Forsyth e Mr Fraser Nelson recuperam o poster original do alistamento usado nas ilhas e no império durante I World War (1914-18), contra a hegemonia do Kaiser Wilhelm II. Dei comigo na encruzilhada a indagar: What would Winston do? Se a imagem cola à visão alternativa da Deutsche Europe, sobretudo adverte dos efeitos não planeados quando as luzes se apagam na Europe do Atlantic aos Urals. — Well! Let us hope as “Henry VI” of Master Will: Now, God be praised, that to believing souls / Gives light in darkness, comfort in despair!....
«Uma Outra Memória – A escrita, Portugal e os Camaradas dos Sonhos» de Manuel Alegre (D. Quixote) é uma recolha de textos que acompanham o percurso do poeta, do cidadão, do homem de cultura e nos dão uma visão do Portugal democrático, centrada no culto aberto da memória como matéria-prima fundamental para a defesa e preservação da liberdade.
UMA LINHA DE COERÊNCIA Não se trata de uma reunião de textos de circunstância, é mais do que isso. Há uma linha de coerência e uma demonstração da importância das ideias na afirmação da democracia. É de patriotismo prospetivo que aqui se fala, para usarmos a expressão consagrada por António Sérgio. E o certo é que não podemos falar de uma leitura contemporânea do Portugal democrático sem lermos e ouvirmos Manuel Alegre, para quem a contemporaneidade não pode ser plenamente compreendida sem o assumir das raízes históricas de uma cultura antiga, desde os trovadores galaico-portugueses até «Orpheu» e o que mais se seguiu, passando por Camões, Sá de Miranda, Garrett ou Antero. Eduardo Lourenço falou nele de «nostalgia da epopeia» - e o poeta confirma: «eu tenho essa nostalgia. A minha visão de Portugal é uma visão poética, uma visão integradora, em que se misturam poemas, batalhas, revoluções». «Uma luz só luz», lembra Jorge de Sena: «Quando estava no exílio, eu pensava muitas vezes na luz de Portugal. Em um azul que trazia dentro de mim, o azul de Lisboa a certas horas, o azul do Atlântico que, por vezes, é um azul verde cinzento, um azul de sol e bruma, de vento e espuma». Que é a cultura senão essa memória da terra e do mar?
LIBERDADE – MOVIMENTO DE CONSCIÊNCIA Octávio Paz disse: «a liberdade não é uma filosofia e nem sequer uma ideia: é um movimento de consciência que nos leva, em certos momentos, a pronunciar dois monossílabos: sim e não». E quantas vezes é mais o não que o sim a funcionar como defesa da singularidade e da autonomia individual contra a «tirania da maioria». Assim o entende o poeta… «Não há liberdade sem liberdades» - não é de abstrações que falamos, mas da coragem de enfrentar a uniformização e a indiferença… E ao longo dos textos aqui reunidos – quer invocando personalidades e caminhos, quer pugnando por ideias e causas – temos a defesa da liberdade individual e coletiva, e a «necessidade e urgência de lutar contra o desencanto e de repor a confiança nas nossas instituições, nos nossos valores e no bem supremo da liberdade». Foi nesse sentido que ouvimos há dias Manuel Alegre, ao receber a 25 de Abril o prémio de carreira da Associação Portuguesa de Escritores, dizer que é preciso dar sinais concretos no sentido da vivência e da confiança na democracia, nas instituições e na rua. «Nunca houve revolução política sem uma poética da revolução. Talvez a crise atual necessite de novo da voz dos filósofos e dos poetas»… E é essa a mensagem dos diversos textos que nos são apresentados: a democracia precisa da força da palavra. «E Camões disse que “em se mudando a vida / se mudam os gostos dela”». Daí a necessidade de descontaminar a linguagem e de restituir às palavras um sentido, para além do «império do dinheiro».
ENIGMA E PERPLEXIDADE Em textos belíssimos, vamos encontrando ou reencontrando quem fez da vida realizações de pura criação… Uma noite em casa de Sophia de Mello Breyner, fez-se um jogo: «cada um dizia o primeiro verso que lhe vinha à cabeça, tomava-se nota, fizeram-se várias voltas, no fim foi-se ver e para surpresa de alguns, mas não de Sophia, o que saiu mais foi Antero». Miguel Torga, debruçado sobre o Mondego, confessa: «Chego ao fim perplexo diante do meu próprio enigma». Mário Cesariny afirma sobre Natália Correia ser «uma máquina de passar vidro colorido». E Natália, trazendo consigo a flor de D. Dinis, diz que «onde cai é um país». Sobre Eugénio de Andrade - «mais que uma arte poética, é um dom, um instinto, uma alquimia de letras e sons, poesia em estado puro». Pedro Homem de Mello, o nosso poeta talvez mais aparentado com Lorca, «lia quase como quem canta, mas era um cantar outro, que não chegava propriamente ao canto, era um cantar que estava dentro da língua, uma música que se destacava sílaba a sílaba e que até então eu nunca tinha ouvido». Lembramos Herberto Helder e Fernando Assis Pacheco. Celebramos a poesia com Maria Teresa Horta e José Carlos de Vasconcelos, mas temos também o testemunho de António Lobo Antunes e Luandino Vieira. Compreendemos a importância do Barnabé de Mário Cláudio, encontro de Todo o Mundo e Ninguém do «Auto da Lusitânia» - «um diário de bordo de uma peregrinação imaginária, onde o pícaro e o trágico se conjugam e em que na epopeia desconstruída se pressente outra epopeia, ainda que do avesso…». Sobre Eduardo Lourenço, devemos-lhe «uma fantástica viagem por dentro de nós mesmos, na nossa relação com o mundo»… E no lado cívico e político, temos a presença de Mário Soares, Ernesto Melo Antunes, Francisco Salgado Zenha, António Almeida Santos, Manuel Tito de Morais, Fernando Piteira Santos, Álvaro Cunhal, Maria de Lourdes Pintasilgo, César Oliveira, João Pulido Valente, Amílcar Cabral… A dignidade da política é a força da legitimidade democrática. E toca-nos a lembrança de Rui Feijó («há pessoas que pertencem, sem o saber, a desaparecidas ordens de cavalaria»), de José Luís Nunes («um elitista-antifascista»), de Urbano Tavares Rodrigues («prosa fraterna, terna e luminosa»), de Mário Sottomayor Cardia («ele gostava de poesia e compreendia tudo»)... Quase inesperadamente, João XXIII é lembrado por um poema («Porque não sei de Deus não trago preces / Sou apenas um homem de boa vontade») e pelo facto de os carcereiros terem proibido a entrada da «Pacem in Terris» na cela do poeta de «Praça da Canção». Ah! E há a toada da música, tão importante para um poeta: Amália (com Alain Oulman), José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Carlos Paredes ou António Portugal. Em Manuel Alegre, a presença da História, a nostalgia da epopeia, as saudades do futuro articulam-se no inconformismo e no desejo de liberdade e de justiça. Daí a importância dos desafios de hoje: «Fazer a Europa não significa desfazer as nações, tal como sermos membros ativos da União Europeia não significa diluir e muito menos destruir Portugal. E também não significa retirar poderes aos Parlamentos Nacionais e submeter a aprovação das suas decisões a um pequeno círculo de tecnocratas das finanças públicas». «Os camaradas dos sonhos» são motivo de sobressalto e de desafio. Precisamos das «palavras imensas» de que falava Mário Cesariny. «Hoje, como sempre, ser de esquerda é não se resignar e acreditar que é possível ir mais além. Pode ser necessário mudar o programa e a via. Não a atitude. Essa continua a ser aquela que sempre tiveram, os camaradas do não e os camaradas dos sonhos».
3 (A). História política das religiões japonesas: poderes rivais e sincretismo religioso
A chegada do budismo ao Japão, como já foi dito, encontrou, na corte imperial a cuja porta batera, reações opostas: uns eram por, outros contra. O imperador (o rei de Yamato) Kinmei não decidiu sem antes consultar uns e outros: Soga no Itamo, e o seu clã, próximo da família imperial, arguiu que se os países vizinhos veneravam Buda, não via razão para que o Japão não o fizesse; Mononobe no Okoshi e Nakatomi no Kamako opuseram-lhe os argumentos relatados no Nihon Shoki: Aqueles que governaram o Império neste nosso Estado sempre cuidaram de louvar na Primavera, no Verão, no Outono e no Inverno os 180 Deuses do Céu e da Terra, e os Deuses dos Campos e do Grão. Se agora mesmo começarmos a louvar em vez deles Divindades estrangeiras, pode temer-se que incorramos na cólera dos nossos Deuses Nacionais... [Isto até nos traz à memória, o diferendo bíblico entre Moisés e Aarão...] O imperador decidiu não autorizar o budismo como religião nacional, mas permitiu a Soga no Itamo o culto privado dele. Este levou então para casa a estátua de Buda que o rei coreano de Paekche oferecera ao Imperador, e ali montou um templo. Para sua infelicidade, estalou uma epidemia e muita gente morreu. Claro que os seus adversários logo reclamaram dizendo que os Deuses locais castigavam assim o facto de Soga guardar a estátua do Buda. Por ordem imperial, esta teve então de ser lançada ao rio, a casa de Soga foi incendiada. Poucos anos passados, porém, o príncipe Shotoku e a família Soga derrotam os anti-budistas, e nem a queda dos Soga, vinte e três anos após a morte de Shotoku, afetará o avanço do budismo no Japão: os Fujiwara, vencedores dos Soga e seus futuros substitutos junto da linhagem imperial, por casamentos, começarão por impor a reforma Taika -- digamos, em termos genéricos, que é uma constituição budista do Império do Sol Nascente -- e serão, por muitas e longas décadas, os regentes do mesmo, além de grandes protetores da seita Hosso, do Kufokuji, em Nara, tal como instigadores da mudança da capital de Heijokyo (Nara) para Heiankyo (Kyoto), cidade onde edificaram dois dos mais interessantes exemplares da arquitetura budista japonesa, o Chosunji e o Byodoin, designadamente este último, consagrado ao Buda Amida. Durante a era Heian (de 794 a 1185), com a capital em Kyoto, o budismo ganha mais peso político, na sequência da sua afirmação em Nara: não esqueçamos que o facto desta ter sido a primeira capital fixa do Japão, e a segunda, depois de Fujiwara, a ser desenhada segundo o modelo imperial Tang, não é apenas um símbolo da legitimação budista do imperador... Na verdade, se os reis de Yamato se reclamavam da linhagem divina de Amaterasu, o conceito político de império vem da China. Cabe-nos agora tentar perceber como se japonizou o budismo, como se politizou, como se sincretizou com o shintoísmo nacional.
O que acabo de referir terá servido, aos de ouvido interessado, para balizar o interesse das questões que, displicentemente, abordaremos de seguida: uma tem a ver com o estrangeirismo da nova religião e com a sua inculturação política, se assim me posso exprimir; outra diz respeito à rivalidade entre as seitas budistas, não tanto por questões de ordem doutrinal, sobretudo de interpretação e modo de praticar os ensinamentos do Buda, mas mais em função dos benefícios materiais e das portas de poder que diferentes fações da aristocracia e da família imperial a cada uma pudesse conceder e abrir; finalmente, concluiremos com esse quadro, persistente na vida da maioria dos japoneses, que serenamente conseguem ser simultaneamente shintoístas e budistas. A expressão "portas do poder" (kenmon) foi criada na teoria do kenmon taisei, ou sistema das portas do poder, de Kuroda Toshio (1926-1933),que analisa as três grandes eras do Japão medievo (Heian, Kamakura e Muromachi) pela perspetiva do poder partilhado por três zonas de influência: a nobreza da corte (koke ou kuge), a aristocracia guerreira (buke) e os templos e santuários (jisha,). Além de partilharem responsabilidades de governação, trocam entre si apoios e benesses. No caso particular do budismo, durante as três eras que já acima referi, tal cumplicidade dos templos budistas com algumas grandes famílias, entre as quais a imperial e a Fujiwara, no período Heian, ou a Ashikaga, com os zen, no Muromachi, é promíscua, e vamos dando exemplos. Nos períodos Nara e, já na idade moderna, Edo ou Tokugawa, ressalta mais a mútua obrigação entre o Estado e o Budismo: este, na sua organização e atividade, era controlado pelo outro que, em contrapartida, o financiava e protegia.
O budismo encontrou, no Japão, estranheza inicial (se a corte se dividiu, o povo, esse, nem sequer o entendeu logo), bem como conseguiu uma adoção posterior que tem manifestamente a ver com um projeto político, ou seja, o da afirmação do poder da casa imperial sobre os clãs que povoavam o país -- para o que pareceu útil a invocação da centralização praticada ou desejada por vizinhos chinos e coreanos, a título, digamos, de aula prática, posto que as teorias dos sábios chineses só a poucos seriam acessíveis... Deitaremos, depois, um olhar sobre como veio paulatinamente a desenhar-se o budismo japonês. A princípio, houve rivalidades cortesãs, e entre clãs: os Soga eram pró-budistas, os Nakatomi eram anti. Shotoku ergueu-se acima de todos e começou a obra, deixando marca. Mas morreu cedo e, vinte e três anos depois, os Nakatomi derrubavam os Soga, e fizeram-se as reformas Taika (646), reforçando o novo modelo de estado iniciado por Shotoku. Convertido às novas ideias, o clã Nakatomi transformar-se-á em Fujiwara, nome que, no ocaso do século VII, situava a primeira capital imperial de modelo Tang no Japão. Mas o povo nada percebia, nem da nova religião, nem da reforma política. Para a gente do campo, Buda (Butsu) era o nome de mais um kami, este estrangeiro, a juntar aos inúmeros espíritos e divindades que incorporavam o universo, e o animavam. Esta ocorrência iria ser aproveitada, pelos monges budistas, não para diferenciar as suas crenças das do shintoísmo popular, mas para proselitismo: afinal, Butsu e seus kami, quando devidamente invocados, também podiam acudir, socorrer, curar doenças, abençoar sementeiras e colheitas. E o surto de templos e mosteiros desempenhava, junto do povo, a função de visibilidade do budismo, e, pelas prédicas e celebrações que fomentava, a de instrução, catequização. Acabou por conseguir, por exemplo, que, em caso de aperto, tanto valesse recorrer a um santuário shinto como a um templo budista. Uma das características do budismo japonês será assim a importância de práticas mágicas e de ritos propiciatórios no seio de algumas das suas seitas, designadamente aquelas mais próximas das camadas populares. A nova fortaleza do estado centralizado e do poder imperial, mesmo se exercido pelos seus regentes, como os Fujiwara, a partir das reformas Taika, teve de assentar a sua implantação popular pela proliferação de kokubunji, ou templos budistas regionais, subsidiados pelo governo, por iniciativa do imperador Shomu, também patrocinador do Todaiji, onde se acolheu o grande Buda Vairocana, e se invocava sobretudo o Sutra da Luz de Ouro, pela proteção da nação. Esse templo-mosteiro simbolizava, ao mesmo tempo, a unidade do universo e o poder imperial, como tradicionalmente era acreditado, mas já numa perspetiva budista. Em Nara se inicia um longo período de "budistização" da casa imperial, que se continuaria na era Heian, na capital Kyoto, e, depois, pelos tempos fora, até à restauração Meiji, movimento que oporá o poder imperial ao shogunato e ao estabelecimento político vigente, e ressuscitará, exorbitando até o seu antigo esplendor e significado, os ritos e a proclamação da legitimidade shintoísta que, sem terem sido abandonados nem esquecidos, haviam permanecido na sombra, enquanto liturgia oficial.
Retomando o fio à meada dos grandes templos ou mosteiros históricos budistas a não esquecer numa visita ao Japão, passamos a Kyoto. E já que estamos com os poderosos Fujiwara, começaremos o nosso percurso de Heiankyo pelo Byodoin, o mais esplendoroso exemplar do que alguém chamou estilo Fujiwara, certamente o mais interessante e sugestivo templo do budismo dito da Terra Pura, consagrado ao Buda Amida. Vale a pena ir até lá só para contemplar, desde leste, a fachada do corpo principal do templo, que é o Pavilhão da Fénix: arquitetura elegante, leve, divinamente proporcionada, sugere-nos a ave mítica a pousar, de asas ainda abertas. Ela, que sempre renasce das próprias cinzas, símbolo alado da ressurreição, acolhe-nos. Ao centro do pavilhão encontra-se a sala preciosa, onde sobre um lótus se senta Amida. Visto de baixo para cima, o Buda dourado, em posição de meditação, parece elevar-se ao céu, pelo efeito da ascendente chama de ouro que o envolve e das apsaras que o rodeiam, em prece ou tocando músicas celestiais. Mas se, à hora certa, estivermos atentos e virmos chegar o raio solar que, penetrando por uma abertura circular, lhe iluminará o rosto, então teremos compreendido tudo... Ou quase!
Entretanto, vamos trepando a história, saltamos para Kamakura, já voltaremos a Kyoto. Aqui, em Heiankyo, afinal, permanecem os imperadores até à restauração Meiji. Mas os governos efetivos andarão por aí, o Japão periférico acorda, revela-se, talvez não assuste demais porque a corte imperial se entretém com o umbigo poético, artístico e maneirista... O bakufu (governo) de Kamakura é o primeiro caracteristicamente militar, surge, não só pela vitória do clã Minamoto sobre o Taira, na guerra Gempei, mas por razões mais profundas e extensas, pela necessidade de afirmação da classe militar, uma nova abertura de portões do poder; pelo sentimento de que o centro do Império se consumia em jogos e caprichos de corte, em modos supérfluos, sem consideração pela dureza da vida do povo, e do próprio exercício da autoridade do estado nas províncias: a governação tem de sair de Kyoto, e tem de ser entregue aos militares que, desde o século X, vêm servindo como administradores e polícias das províncias japonesas. Assim, Minamoto no Yoritomi será o primeiro Shogun, Condestável do Império e, simultaneamente, cabeça do bakufu, isto é, chefe do governo. Doravante, os shogun terão sempre presente a necessidade da sua legitimação pelo imperador, mas já não são cortesãos como os regentes Fujiwara, antes serão os senhores feudais, ou da guerra, que se impuserem, num Japão desunido, e que também irá conhecer guerras fratricidas. Mantendo-se a identidade nacional à volta, não já de um imperador budista chefe de estado, mas de um imperador praticante do budismo, ainda que carregando a linhagem shintoísta de Amaterasu. O segundo e o terceiro shoguns foram assassinados, o poder efetivo passou para as mãos da família da viúva de Yoritomi, os Hojo, que foram controlando uns shogun comandados, reservando para eles o título de regentes, em jeito de manter aparências para Kyoto ou, melhor, para recordar que, mesmo longe da residência do imperador, e nas mãos de um shogun, o poder se legitima sempre pelo elo que o liga ao celeste soberano e à sua capital. Em 1281, o regente Hojo Tokimune desbarata os invasores mongóis, graças aos kamikaze ou ventos dos deuses, tufão que destruiu a armada inimiga. Em 1333, o imperador Godaigo tenta um restabelecimento do seu poder efetivo, mas em 1336 impõe-se o shogunato dos Ashikaga, que durará até a chegada dos portugueses. É este que nos leva de volta a Kyoto, em visita aos pavilhões de prata e de oiro. Em Kamakura, onde tinha amigos que várias vezes visitei, é agradável estar, sobretudo para os hanami das cerejeiras em flor. Mas há pouco para ver, penso, quando é curta a estadia no Japão, mesmo o grande Buda é mais pequeno do que se abriga no Todaiji, em Nara.
Antes, porém, de visitar monumentos em Kyoto -- tantos deles são templos e mosteiros Zen! -- cabe dizer aqui umas palavras sobre a chegada dessa escola budista ao Japão e das suas relações com a classe bunke, ou os guerreiros samurai. Passa-se isso ainda na era Kamakura. Aliás, nesse período da história do Japão se desenham três orientações do budismo japonês, todas elas nascidas no seio da escola Tendai: a Jodo, ou da Terra Pura, a Zen, e a Nichiren. Esta chama-se pelo nome do seu fundador, monge profético, promotor da reforma do Estado pelo budismo, de modo a evitar guerras intestinas e assegurar o bem estar geral (razão por que teve apoio da pequena e média burguesia urbana e comerciante): o monge Nichiren acabou exilado na ilha de Sado, o budismo com o seu nome continuou como projeto político nacional, no século XX sendo mesmo nacionalista. É o mais nipónico de todos. A escola Jodo reage às mesmas incertezas e interrogações de um período histórico conturbado, mas não tem projeto político próprio, antes confia na misericórdia salvífica do Buda Amida, o que a torna atraente para as classes populares. O Zen, como mais alongadamente explico no meu Fomos em Busca do Japão, cria fortes laços com a emergente classe guerreira dos samurai, opõe-se ao budismo tradicional e ritual da aristocracia cortesã.
O purismo cúbico do Instituto Superior Técnico de Porfírio Pardal Monteiro.
Primeiro campus universitário em Portugal e primeira obra pública modernista construída no novo regime ditatorial que se foi assumindo fascizante desde 1926.
O Instituto Superior Técnico (1927-41) foi construído na periferia de Lisboa numa franja elevada e privilegiada do novíssimo plano das Avenidas Novas, a Sul do ainda não concluído Bairro Social do Arco do Cego, a obra está deliberadamente virada para futura zona de expansão, ainda rural de costas viradas para a cidade. Peça funcionalista, declaradamente excecional e urbana, é fundamental para expansão de Lisboa a nordeste que cose e une (através da Alameda D. Afonso Henriques) o eixo Avenida da Liberdade / Avenida Fontes Pereira de Melo / Avenida da República ao eixo Rua Nova da Palma / Avenida D. Amélia (atual Avenida Almirante Reis) / e futura Avenida do Aeroporto (atual Gago Coutinho).
A construção foi conduzida por Duarte Pacheco, então Ministro e Diretor do Instituto Superior Técnico (IST). Porfírio Pardal Monteiro, assistente da cadeira de Arquitetura no Instituto, é um dos arquitetos da mais estreita confiança de Duarte Pacheco pela capacidade e determinação em ambiente politico ainda incerto.
A obra é espelho da primeira geração moderna portuguesa definida nos anos 20 e 30. Determinada por um movimento não organizado, uma linguagem comum, não interiorizado e não teorizado, a geração distancia-se das preocupações sociais que estão na origem da obra de autores como Gropius ou Le Corbusier. Baseia os seus conhecimentos do internacionalismo através de escassos periódicos dedicados à disciplina e breves estadas em França, Alemanha, Holanda ou apenas Espanha.
O Instituto Superior Técnico racional e funcionalista pretendia revelar o espírito do tempo ao introduzir um ‘universal’ gosto urbano associado a formas, programas, materiais e técnicas novas (e.g. betão armado).
A persuasão moderna da obra conseguiu contaminar formalmente um contexto ainda indefinido – o Instituto Nacional de Estatística (também de Pardal Monteiro); as moradias destinadas a professores dispostas a Norte do campus e que bordejam o Bairro do Arco do Cego; a Casa da Moeda; e o Liceu Filipa de Lencastre.
O vocabulário depurado utilizado é de grande impacto no lugar e rompe com a linguagem figurativa. As formas agora puras e cúbicas são como que trazidas de outro contexto. As arestas são vivas, os volumes lêem-se como um todo, o entendimento das caixas pelo exterior revela o funcionamento dos espaços internos, o betão é armado, o reboco integral, uma só cor, as fachadas são livres permitindo os grandes envidraçados metálicos retangulares e a cobertura é plana.
Os serviços da direção, administração, o curso geral e de engenharia civil concentram-se no pavilhão principal. Pelos pavilhões mais afastados e mais puristas distribuem-se os cursos especiais de engenharia de Máquinas, Eletricidade, Química e Minas, as oficinas e as instalações desportivas.
Pardal Monteiro, tal como outros arquitetos da sua geração, encontra no modernismo um simples registo expressivo formal que se vem acrescentar às expressões historicistas, revivalistas, ecléticas e regionalistas.
O Instituto Superior Técnico aposta numa renovação linguística de mais um estilo disponível recorrendo ainda a certos apontamentos que denunciam a formação beaux-arts do autor, tais como:
* O plano de urbanização da Alameda, Instituto Superior Técnico e Instituto Nacional de Estatística, firmado por Cristino da Silva fixava determinante a implantação do conjunto segundo regras de axialidade, de simetria e de hierarquização.
* A obra é pública e por isso monumental. Afirma-se a escala de um regime acabado de se instalar e o seu posicionamento como se de uma acrópole se tratasse.
* O pavilhão central impõe-se claramente no cimo da alameda dispondo hierarquicamente os seus volumes e as suas entradas. O seu volume central determina-se o mais importante e mais elevado revelando a presença de um átrio nobre.
* A importância ‘decorativa’ da frente do pavilhão central desenhada para a Alameda – os detalhes, ainda que geométricos dos envidraçados metálicos e dos grandes elementos verticais (pilastras). A decoração já abstrata é desenhada sobre painéis ainda à maneira art déco.
O modelo modernista, declaradamente adequado à instituição, deixou os primeiros traços durante os primeiros dez anos do regime, porém a aproximação cada vez maior dos arquitetos ao poder, querendo expressar nacionalismo terminou com vanguardismos.
2. A herança oriental da cultura japonesa: China, budismo e escrita
Buda, como sabemos, é o nome que adquiriu o príncipe nepalês Sidarta Gautama, do clã real dos Sakya, por isso também por vezes referido como o Sábio (ou Sage) dos Sakya, depois de ter atingido o despertar ou iluminação, debaixo da Árvore da Sabedoria (ou Sageza), Árvore da Bodhi. A sabedoria conseguida revelou-lhe que viver é penar até à morte, se nos ativermos ao nosso egoísmo e gosto pelas coisas sensuais e passageiras, sendo a própria morte o início de uma reincarnação do nosso sofrimento e dor em nova vida do mesmo. E mais lhe ensinou como, pelos oito caminhos (crenças, aspirações, pensamentos, palavras, modo de vida, atos, ascese e meditação), se atinge o Nirvana, ou a morte sem reincarnação. Mais tarde, em certas escolas, o Nirvana ganhou outro sentido possível, que curiosamente o aproxima dos conceitos cristãos de salvação e eternidade: o Buda seria imortal, apenas revestiu forma humana para ensinar, o Nirvana sendo então regresso ao Paraíso donde veio e onde agora espera os seus fiéis. Esta ideia é prevalecente no budismo Mahayana, ou da Porta Larga, que se espalhou pelo norte do extremo oriente, enquanto que o da Porta Estreita, ou Hinayana, se estabeleceu no sul e sudeste asiático. Neste, é apertada a entrada no Nirvana, conseguida, à vez, por cada um. No outro, a porta abre-se de par em par, de forma a que se salve o maior número possível. E para dar uma ajuda, lá aparecem os bodhisattvas (bosatsu, em japonês), que renunciaram a entrar logo no Nirvana, para andarem por cá a apoiar-nos. Como os santos católicos que por nós intercedem lá no Céu. É este Mahayana que chega à China e à Coreia, donde o rei Song de Paekche manda, em 552, ao imperador Kinmei do Japão uma mensagem missionária e uma imagem do Buda. Assim, é ainda no início da era Asuka (552-710), que a nova religião chega ao Japão. No ponto seguinte desta exposição aprofundaremos a história da estranheza e reconciliação entre budismo e shintoísmo. Por agora, limito-me a referir que, ao tempo da chegada do budismo, o imperador Kinmei consultou os seus ministros sobre a admissão dessa crença, tendo sido dividida a resposta entre os que eram por e os do contra. Falemos antes do príncipe Shotoku, neto de Kinmei e filho do imperador Yomei, depois regente da imperatriz Suiko, sua tia, que dele fez o seu sucessor. Mas ele morreu antes de ser, como o avô e o pai, imperador também.
Falar dele é, necessariamente, falar de Horyuji e muito mais. Vejamos, primeiro, o retrato que dele fez o professor da Universidade Imperial de Tokyo, Hiraizumi Kiyoshi, famoso defensor do nacionalismo japonês e do regime imperial. Recorro ao doutor Hiraizumi, precisamente por essa sua característica, que o leva, em Uma História do Japão -- sua última obra, escrita bem depois dele se ter demitido da Universidade, na sequência da derrota das forças imperiais na 2ª Grande Guerra -- a procurar valorizar a japonização do budismo na legitimação do poder imperial e da organização política do Japão, na que, afinal, terá sido, no fim da era Asuka, e mesmo antes da era Nara (710-794), a primeira constituição escrita do Império do Sol Nascente. Traduzo: O nome Príncipe Shotoku,cujo significado é "sagrado e virtuoso", provém da admiração do povo pelo seu carácter. Originalmente, chamava-se Príncipe Umayado (Príncipe Porta do Estábulo do Cavalo). Este nome veio-lhe do facto de sua mãe, a Imperatriz, que passeava pelo palácio, ter entrado em trabalho de parto à entrada do estábulo e aí ter dado à luz. Ele era superiormente inteligente. Conseguia prestar atenção simultaneamente a oito diferentes pessoas argumentando as suas respetivas causas, e emitir veredictos corretos sem qualquer confusão. Cheio de espanto, o povo também o apelidava de Príncipe dos Oito Ouvidos. Tinha vinte anos quando foi instituído Regente. A autoridade da corte imperial, que decaíra, por infortúnios vários, recuperou a sua glória e esplendor com este talentoso Príncipe Herdeiro e Regente... ...Outro feito do Príncipe Shotoku foi a Constituição. No 12º ano de reinado da Imperatriz Suiko (604), ele criou a Constituição de Dezassete Artigos. O art.º 1º estipula: "A Harmonia tem de ser valorizada, e deve ser honrada a recusa de oposição caprichosa". ...O art.º 2º diz: "Reverenciem sinceramente os Três Tesouros do Buda [a Sutra do Lótus, o Discurso sobre a Verdade Última e o Livro sobre a Zelosa Decisão], a Lei e o Sacerdócio"... ...O art.º 3º é o mais importante: "Quando receberes ordens Imperiais, nunca deixes de escrupulosamente lhes obedeceres. O senhor é Céu, o vassalo é Terra. O Céu estende-se por cima, e a Terra sustém por baixo. Quando isto é assim, as quatro estações seguem o seu curso, e os poderes da Natureza obtêm a sua eficácia. Se a Terra tentasse estender-se por cima, o Céu cairia simplesmente em ruína. Por isso é que quando o senhor fala, o vassalo ouve; quando o superior age, o inferior traz-lhe apoio. Consequentemente, quando receberes ordens Imperiais, não deixes de as executar escrupulosamente. Se deixares que haja desleixo nesta matéria, a ruína será o resultado". Outros artigos disporão contra a corrupção por "cunhas", as sevícias públicas, tal como encorajarão a justiça e a equidade, o mérito e a sua remuneração, as decisões refletidas e o trabalho aturado dos funcionários. O art.º 9º insiste na necessidade da boa fé, como fundamento do direito em todas as circunstâncias. E o 12º avisará contra o despotismo possível de funcionários públicos, prevenindo: "Num país não há dois senhores. O povo não tem dois senhores. O soberano é o mestre do povo de todo o país. Os oficiais a quem ele entrega cargos são todos seus vassalos". Há muito de Confúcio nisto.
O Horyuji, perto de Nara, é o único sobrevivente dos templos budistas que se ergueram no Japão, depois da vitória do Príncipe Shotoku sobre os adversários do novo culto, que tornara possível que este se tornasse público. É, portanto, não só o mais antigo edifício, religioso ou não, existente no Japão, como a mais idosa construção de madeira em todo o mundo. Foi fundado em 607, como reza uma inscrição feita na auréola da belíssima estátua do Buda Yakushi, ou da medicina, hoje conservada na sala dourada doutro templo, o Yakusiji, consagrado ao deus da cura. Deve-se essa fundação à ordem do imperador Yomei a seu filho Shotoku, para que este fundisse uma estátua daquele Buda, como ex-voto para a cura da doença que o afetava. Assim foi feito, mas o templo original foi destruído por um incêndio em 670, tendo a sua reconstrução sido feita em terreno próximo, e terminada em 711, quase 90 anos depois da morte de Shotoku, já na era Nara. Não obstante, o complexo atual ainda alberga a mais completa coleção de escultura budista da era Asuka, incluindo a tríade do Buda Shaka, notável peça de Tori Busshi, escultor de origem coreana, encomendada em 622, como ex-voto para a cura do Príncipe que, todavia, viria a morrer nesse mesmo ano, com sua consorte, um ano antes da escultura estar terminada. De Horyuji só posso dizer que sempre aconselho a visita e, nos meus tempos de Japão, levei lá muita gente... Sem querer ser maçador, lembro que há quem divida, compreensivelmente, a era Asuka entre esta, propriamente dita, e a Hakuho (645-710), este último período sendo o que vai da queda do clã Soga, ligado a Shotoku, já morto há 23 anos, à mudança da corte para Nara. De reter é que o vencedor dos Soga foi Nakatomi no Kamatari, fundador do clã Fujiwara, família que, além de ter condensado as relações familiares com a linhagem imperial, terá que ver, como adiante relatamos, com a Murasaki dos Contos de Genji e o magnífico templo de Byodo-in, em Uji -- "pátria" japonesa do chá: leia-se O Culto do Chá do nosso Wenceslau -- junto a Kyoto. Tal apelido deriva da cidade de Fujiwara, onde se instalara a capital imperial (de 694 a 710), a primeira, aliás, a corresponder ao padrão Tang chinês. Do que eu chamaria o subperíodo Hakuho (finais do século VII), que marca o início da ascensão dos Fujiwara, datam precisamente os mais antigos edifícios de Horyuji: o portão principal, o pavilhão dourado e o pagode. O Yumedono (pavilhão dos sonhos) é já do século VIII (Nara) e ergue-se no sítio onde estivera o palácio do Príncipe Shotoku.
Mas, neste capítulo, não nos demoraremos aí: vamos continuar a trepar pela história do Japão, apoiando-nos em monumentos da sua arte budista. Recorrerei a alguns exemplos que considero mais ilustrativos, deixarei de parte outras considerações, designadamente observações de pormenor ou análises críticas... Ainda durante a era Asuka (de 552 a 710), quando o budismo se "instalou" no Japão, a capital imperial mudava de sítio a cada morte de imperador. E assim também era queimado o palácio imperial, tudo isso pelo nojo shintoísta à morte e ao seu contágio, que se exprime já na visão de Izanagi, quando tenta salvar Izanami do mundo das trevas... Será com a vinda do budismo e a posterior estadia da corte imperial em Nara, que esta se tornará na primeira capital permanente do Império do Sol Nascente. O modelo político, como já vimos, vem da China, do Celeste Império. O urbanístico e arquitetónico também: Nara, com seu palácio imperial, segue as regras de construção da dinastia Tang, em Xian, a tal relíquia que hoje atrai milhões de visitantes à China... O plano elementar é retangular, como o de Chang-an (Xian) e, mais tarde Heiankyo (Kyoto), só que a cidade de Heijokyo (a capital Nara) desapareceu. Mas ficaram os grandes templos budistas de Kofukuji, Toshodaiji e Yakushiji, que, a vários títulos, referimos alhures. Mais imponente de tudo o que ficou -- e cujo pavilhão principal é a maior estrutura de madeira do mundo -- é o templo de Todaiji (ou grande santuário oriental), construído em 752 (reconstruído em 1709) para acolher uma gigantesca estátua do Buda Birushana, por ordem do imperador Shomu, na sequência de devastadora epidemia, em 748. Todos estes monumentos -- e as obras de arte neles conservadas -- podem ser visitados hoje em dia, não vou descrevê-los, apenas apontarei para algumas histórias, que são factos históricos, que os envolveram. Assim, por exemplo, houve grande rivalidade entre os monges de Todaiji e Kofukuji, ambos os mosteiros estando, aliás, localizados no Parque de Nara (Nara Koen). Certo dia de 1102, já a capital estava em Kyoto, os de Todaiji celebravam um festival em honra dos seus kami protetores, e os de Kofukuji alegravam-se em dengaku, dança relacionada com ritos agrícolas. Os colegas do lado não acharam graça, e desataram a frechar os vizinhos, tudo resultando em batalha campal, com danos infligidos aos edifícios de ambos os templos e mosteiros. [Lembro-me dos monges de S. Bento, no norte de Portugal, que, ao tempo das guerras miguelistas, saíam a terreiro para desatarem à cacetada aos liberais...] Ao Toshodaiji está ligado o nome do monge chinês, padre budista, Ganjin, com fama de santidade, vindo ao Japão em 754, com a missão de reformar comunidades corrompidas e conferir ordens canónicas a monjas e monges japoneses. Instalar-se-á no Todaiji, antes de ser para ele edificado o Toshodaiji. Este movimento de renovação "eclesial" -- que abrangeu as seis seitas budistas de Nara -- impunha-se, no final do século VIII, também pela necessidade de castigar a promiscuidade entre os mosteiros, a corte e o poder político. Ilustrativa é a história da intimidade da imperatriz Shotoku com uma espécie de Rasputine chamado Dokyo, escândalo que foi fator influente da posterior mudança da capital para Kyoto. Antes de para esta cidade passarmos, seja-me permitido acrescentar umas observações incidentes sobre a introdução da escrita chinesa no Japão.
Tanto quanto saiba, os primeiros documentos da sua prática no Império do Sol Nascente relacionam-se com o comércio. Aliás, antes do mais, com objetos ali comercializados, provenientes da Coreia, mesmo quando de origem china (utensílios e ferramentas, armas, artigos de luxo). Entre estes, contavam-se espelhos de bronze com ideogramas chineses gravados; pelo século V, começou-se a copiar, no Japão, esses caracteres, para aplicação em espelhos de fabrico local. Mais tarde, essa escrita passou a ser utilizada para registos de transações ou operações oficiais, feitos por funcionários chamados fubitobe, na maioria originários do continente. Só com a chegada, pelo século VI, de letrados confucionistas (gokyo hakase), vindos também da Coreia, e do encontro com o budismo, se foi cultivando a leitura dos clássicos e desenvolvendo, entre a aristocracia nipónica, a aprendizagem da escrita, de forma a reproduzir e imitar as lições dos mestres e os ensinamentos de Buda. O cume deste exercício é atingido pelo príncipe Shotoku que, já vimos, devoto budista, era estudioso e profundo conhecedor das letras e do pensamento clássico chinês. Dispunha, além disso, da autoridade política necessária ao processo educativo e legislativo que tinha em vista. Num convento de monjas anexo ao Horyuji, conserva-se um bordado feito por encomenda da consorte do príncipe: regista um dito de Shotoku a sua mulher: O mundo é folia, só o Buda é verdade. Tal pensamento é alheio ao espírito japonês original, onde não cabia, bem pelo contrário, qualquer ideia de separação da natureza ou de transcendência do homem. Por isso muitos consideram que, como afirma o professor Saburo Ienaga, tal como a filosofia grega começou com Tales de Mileto, e a chinesa com Confúcio, o pai da japonesa foi Shotoku.
Sem entrar aqui em alongadas considerações sobre as vicissitudes e evolução do que, finalmente, foi a adaptação da escrita chinesa às exigências fonéticas e sintáticas do japonês, deixo todavia duas pistas. A primeira leva-nos à existência atual de três grafias e "alfabetos" (expressão aqui manifestamente incorreta, ainda que sugestiva) do japonês escrito: os kanji, ou caracteres chineses originais, sendo 1850 -- mais 92 para escrever nomes pessoais -- os aprovados pelo Mombusho (Ministério da Educação), dos quais 881 são de aprendizagem obrigatória na instrução primária; os hiragana, ou caracteres simplificados e cursivos, que logo apareceram para os não letrados, bem como para a escrita de vocábulos nativos e sufixos, sendo em número de 48; e os katakana, ou caracteres cortados (kata... como em katana!), servindo para transcrição fonética de palavras estrangeiras, sobretudo nomes próprios, tendo este silabário o mesmo número de caracteres que o anterior. A segunda pista conduz-nos ao fenómeno da dupla pronúncia dos kanji; a chinesa, ou on-yomi, e a japonesa, ou kun-yomi. Para ilustrar este ponto, vou aos quatro pontos cardeais: norte pronuncia-se hoku ou kita; sul é nan ou minami; leste diz-se to ou Higashi; oeste dá por sai (ou sei) ou nishi. Como tom final de ironia, lembro que o silabário hiragana, estava reservado também para as mulheres, já que estas não podiam integrar a categoria dos letrados, a mesmo título que os homens. Por isso, Murasaki Shikibu, no século XI, apesar de conhecer os kanji e os clássicos chineses, teve de redigir em hiragana aquele que é o primeiro grande romance da literatura japonesa quiçá mundial, ainda hoje um dos maiores de sempre: Os Contos do Genji...