ATORES, ENCENADORES (LXXVIII)
EVOCAÇÃO DO CENÓGRAFO LUIGI MANINI
Evocamos hoje a figura e a intervenção do cenógrafo italiano Luigi Manini (1848-1936) no teatro português, pois a sua colaboração com a criação e produção teatral cobre todo o movimento de renovação literária e cultural da transição do século. Contratado como cenógrafo em 1879 pelo então chamado Real Teatro de São Carlos, e aqui se manteve em trabalhos permanentes até 1913. E não se limitou, antes pelo contrário, à colaboração, aliás intensa e determinante, como a produção operística. Foi muito mais longe na renovação e na produção.
Basta lembrar as numerosas e variadas intervenções no âmbito da pintura e da decoração, um pouco por todo o país. Contratado pelo São Carlos, a sua ação imediata concentrou-se como é óbvio na ópera: recorde-se a cenografias de produções por exemplo da “Aída”, “Mefistófeles, “Otelo” ou "Lohengrin”, entre tantas mais.
Tal como escreveu José Augusto França, salientando sobretudo a colaboração no São Carlos e no D. Maria II: “No meio duma cenografia «em estado crapuloso» (Fialho) foi vastíssima a obra de Manini para os dois palcos lisboetas que encheu de florestas e montanhas, claustros, castelos e salões, indo de Wagner a Verdi, de Meyerber a Rossini”. E desenvolve a referência com as diversas dimensões da obra criativa e das intervenções de Manini. (cfr. “A Arte em Portugal no Século XIX”, segundo volume, Portugália ed. 1966 pág. 197).
E lembramos ainda uma apreciação da época, nada menos que do então bem conhecido e influente Sousa Bastos, que aqui temos citado: “depois de Rambois e Cinatti, ainda não tivemos melhor. (…) O seu trabalho agradou imensamente e todos os teatros de Lisboa o disputavam para as suas peças, especialmente as de grande espetáculo. Nos teatros de S. Carlos, D. Maria e Trindade, há trabalhos de Manini que são de primeira ordem” (“Diccionário do Theatro Português (1908); cfr. também do mesmo autor “Carteira do Artista” 1899).
Mas a permanência e atividade de Manini, nos cerca de 35 anos que trabalhou em Portugal, é muito mais vasta. Colaborou, como arquiteto-decorador para os Teatros do Palácio Foz, do D. Amélia, São Luiz, São João do Porto, Garcia de Resende de Évora, Funchalense ou, noutro plano, para a Exposição de Paris de 1900. E nesses, e em outros teatros, deixou a sua marca em cenários para peças designadamente de autores nacionais.
Ora bem. Uma peça recente, “Os Patriotas” (2000) da autoria de Filomena Oliveira e Miguel Real, estreada no jardim da Quinta da Regaleira em Sintra, hoje pólo relevante de atividade cultural da Câmara, dá-nos uma imagem curiosa da intervenção de Manini nessa época tão rica da renovação da vida cultural portuguesa, numa abrangência global.
A encenação de Filomena Oliveira, ao longo de 24 cenas, rentabilizou os jardins mas também o chamado Terraço dos Mundos Celestes criado por Manini. São 16 personagens em sucessivos diálogos que, além do dono da Quinta, Carvalho Monteiro, envolvem nada menos do que Guerra Junqueiro, Eça de Queiroz, Antero de Quental, Ramalho Ortigão e José Fontana.
Manini não surge em cena, mas é regularmente citado. Vejamos algumas cenas dispersas:
"Albertina - Conhece o sr. Manini? (…) Ele costuma passar dias inteiros aqui na Quinta. É pena não estar cá hoje (…) O sr. Manini às vezes também canta quando está a trabalhar nos seus desenhos. E eu oiço e gosto”.
“D.ª Perpétua (referindo-se a Margot) - Ela canta na ópera do senhor Manini”…
“Carvalho Monteiro - Acabei de mandar uma grossa quantia para Coimbra, para o mestre Gonçalves. Os artistas da pedra com quem o Manini já trabalhou no Buçaco”.
“Dª Perpétua (arrumando a mesa) - Olha para isto. São partitura do Manini, com certeza. Ainda se perdem.” / Carvalho Monteiro - “Deixa estar. Ele tem tido com tanto trabalho em S. Carlos… Se as deixou aí, é melhor deixa-las”.
“Margot - Que maravilhosa Quinta esta! É quase um cenário de ópera. (observa em volta) Que pena não termos o Sr. Manini aqui connosco.”
“D.ª Perpétua - Gosto de conhecer o libreto antes de assistir a uma ópera.” / Margot (remexendo papéis que se encontram sobre a mesa) - Se quizer conto-lhe a história da Carmen. É a história de uma mulher que…/ D.ª Perpétua - Por favor, não mexa nesses papéis! Pertencem ao senhor Manini. / Margot - Mas está assinado por uma Alfredo Keil. Quem é? / D.ª Perpétua - São papéis que o Sr. Manini deixou. Por favor…”
“Carvalho Monteiro - então, Perpétua, tens de ser tolerante com os artistas. Margot é uma cantora muito dotada. E é amiga do Manini.”
Haverá maior homenagem à presença atual de Manini no teatro português?
DUARTE IVO CRUZ