A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XI - O DILEMA BIPOLAR DA LÍNGUA PORTUGUESA
O nosso idioma é visto com futuro, com países e populações jovens, onde há crescimento demográfico, disponibilidade para crescer, atentas as condições, bem positivas, de subida populacional na América do Sul, em África e sudoeste asiático. O espaço europeu é o único em que os seus falantes nativos podem vir a decrescer, segundo projeções demográficas da Organização das Nações Unidas (ONU). Quanto mais população maioritariamente jovem, países emergentes ou recentes, maior a ascensão demográfica. Quanto maior a antiguidade, estabilidade e longevidade, menor o crescimento demográfico. No âmbito europeu, onde nasceu, é uma língua parada demograficamente, ao invés de outros continentes, por onde se disseminou e floresce. Estudos feitos, a nossa língua terá, em 2050, 355 milhões de falantes nativos. Indicia-se ser apenas no continente europeu que estagnarão, ou não crescerão significativamente, os seus falantes maternos. É um idioma pouco falado na Europa e União Europeia (UE) e mundialmente dos mais falados numa escala global. Daí, autores como Phillipson, falarem do dilema “bipolar” da língua portuguesa, dada a sua posição no Mundo e na Europa, entre o estatuto de língua global e de “pequena” língua na Europa e UE.
Tendo como critério de classificação a organização espacial em que é falada, conhecida por variação geográfica ou diatópica, sobressai, para além da sua descontinuidade demográfica e territorial, uma distribuição desproporcionada, em termos geográficos, dos seus falantes europeus e de fora da Europa. Embora de genealogia europeia, é cada vez mais, nesta perspetiva, um idioma não-europeu, contrariamente a outros, como o alemão, italiano, polaco, dinamarquês, neerlandês. Não faz sentido, em qualquer caso, serem os portugueses proprietários da língua, nem sequer donos dominantes ou preferenciais, nem os utilizadores mais competentes, pertencendo a todos os seus falantes por igual. Com a particularidade de ser do Brasil, por agora, que dependerá essencialmente a sua internacionalização e globalização, dado o seu peso e poder geopolítico, possuir caraterísticas de potência emergente a nível demográfico, territorial, económico, cultural, científico, tecnológico, de recursos naturais e humanos. Se o eurocentrismo a disseminou e globalizou pelos achamentos ou descobrimentos, hoje são seus atores e difusores principais os sucessores dos falantes de outrora.
Este contraste bipolar também é comum a outras línguas, ressalvadas as necessárias especificidades. Por exemplo, embora o inglês tenha mais falantes nativos europeus que o português, não é do seu poder eurocêntrico atual que lhe vem a aceitação de idioma global de comunicação internacional dominante, uma vez que, em termos europeus, tem menos falantes maternos que o russo, o alemão e o francês, menos que o alemão e francês na União Europeia, ainda menos que o alemão, francês, italiano, espanhol, polaco, neerlandês, português e grego na zona euro. É de um seu descendente, os Estados Unidos da América, superpotência número um a nível mundial, que lhe vem essa supremacia linguística, que permanecerá como autêntica língua franca na Europa, UE e zona euro, mesmo que o Reino Unido fique de fora da União, com a agravante de não integrar o euro. Na zona euro apenas a Irlanda tem como língua oficial a inglesa, aí menos falada que o português. A toda esta bipolaridade se associa também um dilema bipolar de língua hiperglobal no mundo, pequena na zona euro, e se bem que ainda grande na Europa e UE, cada vez menos o é por um mero nexo de causalidade com os seus falantes nativos, antes primordialmente por fatores exógenos. Se a Turquia, por exemplo, integrar futuramente a UE, a língua turca também suplantará a inglesa quanto a falantes nativos.
Mas se é verdade que o português se impõe factualmente em termos demográficos e geopolíticos, mesmo que bipolarmente, não se impõe ainda suficientemente via desenvolvimento económico e cultural desses falantes, provocando o aumento de falantes não nativos à medida que esse desenvolvimento for crescente, por maioria de razão se os dois processos (de expansão demográfica e desenvolvimento) se interligarem em crescendo e em proporção. O que não exclui a possibilidade de Portugal dar conteúdo aos discursos de afirmação, valorização, promoção e difusão do português como desígnio nacional, tendo sempre presente ser um, entre vários, dos seus coproprietários. Contrabalançando, em termos europeus, a demografia adversa que há, de momento, no nosso país, promovendo no exterior o crescimento dos seus falantes ativos e não nativos, sem esquecer o critério que objetivamente hoje mais nos favorece: o do número global de falantes da língua. Tendo assente que todas as línguas são mutáveis (incluindo o inglês) e que o eurocentrismo já não é o que era.
5 de agosto de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício