A FORÇA DO ATO CRIADOR
O Palácio do Freixo
O palácio do Freixo fica junto ao rio Douro, na Campanhã, no Porto e é um exemplo invulgar do barroco civil. Construído em granito e alvenaria rebocada a branco, o palácio afirma Nicolau Nasoni (1691-1773) como um arquitecto singular no universo português.
Segundo se pensa, o palácio foi erguido em meados do séc. XVIII, por ordem do deão da Sé, D. Jerónimo de Távora e Noronha e a obra foi encomendada a Nicolau Nasoni (mestre de origem toscana, radicado no Porto em 1717). A propriedade pertenceu à família Távora e Noronha até ao séc. XIX. Consecutivamente, passou a pertencer aos Viscondes de Azurara, que venderam o palácio, por volta de 1850, a António Afonso Velado – rico comerciante do Porto, enriquecido no Brasil e feito Visconde do Freixo, pelo rei D. Luís I. Afonso Velado estabeleceu residência no palácio, reformou algumas partes a seu bel-prazer (sobretudo interiores onde mandou fazer um salão chinês e um salão árabe ao gosto da época) e também ergueu contiguamente uma fábrica de sabão. Ainda no séc. XIX, um novo proprietário, o alemão Gustavo Nicolau Alexandre Petres, converteu a fábrica de sabão numa destilaria de cereais, destruída por um incêndio. De seguida, a propriedade foi retalhada em lotes e foi adquirida pela Companhia de Moagens Harmonia. Em 1910, o palácio foi classificado como Monumento Nacional. Mas acabou por cair em decadência e ficou muito tempo a servir de armazém.
Em 1986, o palácio e a envolvente foram adquiridos pela Câmara Municipal do Porto. Só recentemente foi restituído ao seu aspecto inicial – o palácio foi cedido, em 2009, pela Câmara Municipal do Porto ao Grupo Pestana para a instalação de uma pousada.
Em meados do séc. XVIII, a arquitectura barroca portuguesa movia-se entre dois extremos: o italianismo clássico e calmo das superfícies lisas de alvenaria, rebocadas e pintadas do centro e sul do país e o barroco inventivo, formalmente ilimitado e anticlássico do granito do norte.
É o barroco do Norte que mais corresponde ao gosto cosmopolita manifesto durante o reinado de D. João V (1707-1750) e que acabará, mais tarde por introduzir o rococó. Durante o reinado de D. João V, sentiu-se a revitalização artística do país – coincidiu com a descoberta de ouro nas Minas Gerais, no Brasil. O rei apoiou muitas construções, não só religiosas como também civis; encomendou livros, tratados, desenhos e mesmo a decoração de capelas inteiras e convidou para virem trabalhar para Portugal vários artistas italianos, franceses e alemães. Assim, durante este reinado o barroco português passou a ser uma amálgama de elementos nacionais e de influências internacionais.
O palácio do Freixo resulta exactamente desta mudança de gosto no contexto do barroco português. E é erguido utilizando um vocabulário que combina influências portuguesas de uma arquitectura mais sóbria e austera (o designado Barroco Severo) com elementos de maior intensidade formal, características de um barroco italiano contemporâneo trazido sobretudo por Nicolau Nasoni.
No norte do país, Nicolau Nasoni foi o arquitecto mais influente, porque conseguiu conjugar, de uma maneira muito invulgar, o Barroco italiano e o gosto português – para além disso as suas obras conseguem adaptar-se bem aos terrenos a construir (geralmente em declive) e ao material característico da zona (o granito).
Os jardins em socalcos; o exagero das formas e dos volumes; os frontões interrompidos e invertidos; o trabalho vigoroso de desenho da pedra; a compleição do todo; o preenchimento dos vazios e a multiplicação das superfícies fazem parte do léxico utilizado por Nasoni ao conceber as suas obras – a galilé da Sé do Porto (1736), a fachada do Bom Jesus de Matosinhos (1743-1748), a fachada da Misericórdia do Porto (1749-1750) – e o Palácio do Freixo não é excepção. Pode afirmar-se que a sua obra mais emblemática é a Igreja e Torre dos Clérigos (1731-1763), que se destaca pela originalidade da implantação urbana, do trabalho da pedra e da distribuição do programa em planta.
Sendo assim, o Palácio do Freixo encontra-se na base de um acentuado declive. Tem uma planta rectangular, com os quatro cantos enfatizados por torreões ligeiramente salientes com telhados em pirâmide. Aparenta ser monumental pela riqueza da composição na fachada. As quatro fachadas são referenciadas pelos quatro pontos cardeais. A alvenaria caiada alterna com zonas de cantaria lavrada (molduras, frisos, ornatos esculpidos e frontões) que receberam tratamentos diferenciados, sem contudo se perder a unidade do conjunto.
O lado norte, contrária ao rio, não possui escadaria e os torreões não se destacam muito do plano da fachada. Foi o que mais se alterou pelas reformas introduzidas do séc. XIX.
A fachada sul apresenta dois andares e meio e abre-se para um terraço que está directamente sobre o rio, rodeado por uma balaustrada e uma fonte ao centro. O primeiro andar, o andar nobre, ostenta três balcões de balaústres. Do balcão central desce até ao terraço uma escada de dois lanços divergentes.
A fachada oeste mostra também dois pisos e as janelas possuem nichos chanfrados. A janela central é profusamente decorada com festões e volutas. Abre-se para outro terraço, rodeado por muros altos de remate ondulante.
A fachada este é a mais aparatosa e elegante, tendo, segundo se pensa, servido de fachada principal. Os torreões são salientes e definem uma zona central que recua e que se abre para uma escadaria dupla, que se ergue sobre um arco central e que apresenta dois lanços convergentes. O plano da fachada que recua termina com um poderoso frontão curvo, quebrado, decorado com motivos de heráldica (brasão) e motivos naturalistas (festões e grinaldas).
É de sublinhar que na concepção da escultura do palácio Nasoni inspirou-se em elementos aquáticos, muito característicos do barroco – algas, peixes, vieiras, líquenes e golfinhos (símbolo da família Távora e Noronha).
O interior do palácio é extremamente rico – com frescos relativos a temas alegóricos e tectos decorados em estuque de matiz exótico e oriental – e os espaços que mais se destacam são: uma pequena capela coberta por uma cúpula; o salão nobre com as paredes cobertas por pinturas, espelhos e ornatos exóticos, e ainda a sala de refeições.
Ana Ruepp