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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Teatro Tivoli


Tivoli - Manifestações de renovação e internacionalização no espetáculo teatral

 

Vale a pena recordar, como início de evocação, as palavras de Raul Lino, autor do projeto arquitetónico, relativas à fundação e direção do Cinema e Teatro Tivoli, a partir da inauguração ocorrida em 30 de Novembro de 1924, num texto coligido por Diogo Lino Pimentel no Catálogo da Exposição Retrospetiva da Fundação Calouste Gulbenkian, em Outubro/Novembro de 1970:

 

Diz Raul Lino: «Levou mais de 4 anos a construir. (…) era grande a vontade de fazer alguma coisa de original na decoração interna e cheguei a propor uma decoração que principalmente consistia em uns ramalhetes de cerâmica policromada em grande relevo, de estilo moderno e cores muito vivas (…) mas não convenci o meu bom amigo; no entanto este pediu-me que me quisesse incumbir de organizar os seus programas, o que eu fiz durante 7 anos…». O “bom amigo” era Frederico de Lima Mayer. E efetivamente, de 1924 a 1931, Raul Lino dirigiu a atividade cinematográfica do Tivoli. Está agora em elaboração um livro-memorial da atividade do Tivoli, coordenado por Duarte de Lima Mayer, com um texto meu.

 

Efetivamente, há que referir a seletividade que, ao longo de décadas, o Tivoli sempre manteve. Escreveu José Manuel Fernandes que «era o cinema de referência para os setores “cultos” da cinefilia, desde o início (ilustrado na gravura de Vasco Regaleira), passando pelas “Terças-Feiras Clássicas» dos anos 1949-1950, em cujos programas descubro comentários “ao vivo” de Jorge de Sena e de Vitorino Nemésio, ou textos de José Augusto França». E acrescenta que o Tivoli, na exploração cinematográfica, «foi também popular: quem se esquece do mais de um ano de exibição da “Música no Coração?”» (in “Cinemas de Portugal”, ed. INAPA, 1995, págs. 32/33, com a gravura de Vasco Regaleira). 

 

Por seu lado, Margarida Acciaiuoli desenvolve a “conciliação” entre as funções de sala de teatro/sala de cinema, através daquilo que qualifica como uma «redefinição das funções do edifício» que faz com que «essas referências ao teatro transformaram-se em referências ao cinema». E refere as alterações introduzidas posteriormente (in “Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX”, Bizâncio, ed. 2012 pág. 77)

 

Ora, o que quero agora sublinhar é a atividade teatral do Tivoli, em sucessivas temporadas ou em espetáculos avulso que, desde a inauguração marcaram a atividade cultural e fidelizaram o público. E isto, tanto em produções nacionais como em espetáculos de companhias estrangeiras, mas sempre, insista-se, numa perspetiva de renovação, mesmo a partir de textos clássicos.

 

Acrescente-se que estas referências não são exaustivas, pois o Tivoli acolheu ao longo dos vastos anos de atividade, numerosíssimas iniciativas ligadas ao teatro: isto, além da expressão musical, com participações de nomes como Stravinski, Rubinstein, Mennuhin, Kempff, Viana da Mota, Pedro de Freitas Branco, Silva Pereira, Ivo Cruz, Frederico de Freitas, Álvaro Cassuto, Tania Achot e tantos mais. 

 

Mas no teatro se assinala, desde logo em 1925, a estreia, no foier (como estão se dizia) do Tivoli, da companhia chamada de Teatro Novo, dirigida por António Ferro, que constitui de certo modo a primeira verdadeira iniciativa “experimental” da cena portuguesa, “importante no seu experimentalismo” escrevi na “História do Teatro Português” (Verbo Ed., 2001). Sobretudo, note-se, na expressão de uma dramaturgia então de vanguarda e, como tal, inesperada no meio teatral português.

 

O protagonista, na estreia, foi Joaquim de Oliveira, ator de destaque na época, e que recorda a experiência num livro de memórias precisamente intitulado “O Teatro Novo”. E num texto posterior, produzido para o boletim da então Sociedade de Autores e Compositores Teatrais Portugueses (hoje Sociedade Portuguesa de Autores) é perentório: «Lima Mayer facilitou tudo para que se levasse a efeito o Teatro Novo no salão ao correr da Avenida da Liberdade, consentindo até no esboroamento das paredes e teto»…

 

O evento é referido até hoje como expressão de renovação do meio teatral da época, em obras de Jorge de Sena, Luis Francisco Rebell, o Tomás Ribas ou eu próprio.

 

Ora bem: temos pois o Tivoli como sala de referência, alternando ou conciliando, a partir da exploração cinematográfica uma marca de seletividade em espetáculos de teatro português e estrangeiro. E nesse aspeto, destacamos as sucessivas temporadas da Comédie Française, a partir de 1959, com um repertório de qualidade, na base de dramaturgos franceses. Recorda-se Molière, Jean Giraudoux, Marcel Achard ou Henry de Monterlan. Em 1960 e 1962, Marcel Marceau apresentou-se em espetáculos a que chamou “Pantomimas de Bip”.

 

Estas temporadas sucessivas de Comédie Française assumiam a relevância que na época marcava, certamente mais do que hoje, as “relações teatrais” com a França…

 

Mas importa também salientar que, alternando com espetáculos “clássicos”, de Molière a Marivaux, foram apresentados, por vezes revelados, no Tivoli autores contemporâneos, a partir de produções notáveis - e posso recordá-las agora - da Comédie: a “Eletra” de Jean Giraudoux, o “Port Royal” de Monterland. E mais tarde, num intercâmbio com o Theatre du Vieux Colombier, “L’Otage” de Claudel. 

 

Registe-se que por um lado, a influência cultural francesa era na época de certo modo dominante, mas por outro lado as oportunidades de viagem, para um público interessado eram bem menores. O contacto, mesmo episódico, digamos assim, com o que de melhor de fazia em França valorizou durante anos as sucessivas temporadas.

 

E em 1972/1973 as chamadas “Galas Kersenty-Herber” retomaram essa linha de internacionalização a partir de espetáculos de grande qualidade a nível de repertório e elenco. O Tivoli marcou então novamente a atividade de espetáculos internacionais, num repertório de qualidade: Terence Frisby, Henry de Monterland, Peter Luke, Franciss Veber, Jean  Anhouil, Françoise Dorin, Barrillet e Grédy, Neil Simon entre muitos outros mais.

 

Mas não era só teatro francês. E o teatro brasileiro como é óbvio, assumiu, por todas as razões, uma relevância e um significado diferente.

 

Importa então agora referir que Cacilda Becker e a companhia que dirigiu durante anos, precisamente denominada Teatro Cacilda Becker, apresentou-se no Tivoli com o repertório de grande qualidade, até pelo que representa de cobertura de épocas estilos e estéticas teatrais. E mostra ainda a perenidade de peças-espetáculos que aparentemente poderiam ser consideradas de menor atualidade. A companhia fora fundada em 1958. E é de assinalar a heterogeneidade, digamos assim, do repertório. Vejamos:

 

“A Compadecida”, de Ariano Suassuna, e “Santa Marta Fabril SA” de Abílio Pereira de Almeida, peças referenciais do teatro brasileiro contemporâneo. Mas também a “Maria Stuart” de Schiller, “A Dama das Camélias” de Alexandre Dumas, “Pega Fogo” de Jules Renard e “Os Perigos da Pureza” de Hug Mills.

 

E recordem-se ainda mais dois espetáculos de companhias estrangeiras de prestígio e qualidade.

 

Desde logo, a Shakespeare Festival Company de Stratfor-on-Aven nos Shakespereanos “O Mercador de Veneza” e “Sonho de Uma Noite de Verão”, com Barabara Jefford e Ralph Richardson, nada menos. E em 1963, o Piraikon Theatron de Atenas com musicais da “Eletra” de Sófocles” e na “Medeia” de Eurípedes: notáveis espetáculos de teatro universal.

 

E entretanto, novamente o dizemos, o Tivoli acolheu numerosíssimos espetáculos de companhias portuguesas. Esperemos que recomece…!

 

DUARTE IVO CRUZ

Agosto 2016