A FORÇA DO ATO CRIADOR
A Torre de Belém.
A Torre de Belém, Torre de São Vicente ou Baluarte do Restelo (1515-1520) é uma fortaleza defensiva da barra do Tejo, situado na margem norte, próximo do Mosteiro dos Jerónimos, no Restelo, em Lisboa.
No final do séc. XV, a fortificação medieval, tornou-se um meio de defesa ineficaz por causa do aparecimento da artilharia pirobalística. O castelo foi progressivamente substituído pela fortaleza. Essa transição concretizou-se na associação de uma torre medieval a um baluarte. Em Portugal, a transição foi influenciada pela Escola italiana (como aliás no resto da Europa) e materializou-se na construção da Torre de Belém, no reinado de D. Manuel I.
A construção da Torre de Belém implica essencialmente um conceito de defesa do estuário do Tejo, implementado por D. João II. Este conceito assentava num dispositivo que compreendia os meios fixos da Fortaleza de Cascais, da Torre Velha (da Caparica ou de S. Sebastião) na margem sul do Tejo, e frente a esta da Torre de Belém. O tiro cruzado constituía então, um eficaz obstáculo a qualquer navio ou corsário que tentasse forçar a barra. Para evitar qualquer falha no fogo cruzado entre os meios fixos construíram-se também ao longo da barra diversos meios móveis - uma nau de 1000 tonéis e diversas caravelas equipadas de grossas bombardas que executavam tiro de ricochete. Este era um plano de grande eficiência e pioneiro que veio a ser seguido, mais tarde, em todo o território do Império Português de quinhentos, sobretudo no Oriente.
A Torre de Belém tem uma configuração única de grande similitude, a nível estrutural, com a Fortaleza de Cascais e foi artilhada para responder ao plano inicial de defesa da Barra do Tejo, determinado por D. João II e concluído por D. Manuel I. A primeira fase do plano, correspondeu à construção da Fortaleza de Cascais e continuado com a construção da Torre Velha.
Já prevista pelo seu antecessor, foi D. Manuel I que mandou edificar a Torre de Belém no local de modo a poder executar tiro cruzado com a Torre Velha. Foi projetada tendo em conta os novos condicionalismos decorrentes do aparecimento da artilharia pirobalística – as bombardeiras encontram-se a pouca altura do nível médio das águas. Estes são de forma retangular, permitindo alinhar e direcionar as peças, possibilitando o tiro direto ou de ricochete. A muralha é assim rebaixada e de maior espessura, em comparação com o antigo método de fortificação que remonta à tradição medieval.
O desenho da Torre foi da responsabilidade de Francisco de Arruda. Francisco de Arruda é irmão de Diogo de Arruda, autor da Janela da Sala do Capítulo do Convento de Cristo, em Tomar, e pertence a uma linhagem de arquitetos ilustres sediada em Évora. Francisco de Arruda tinha já sido encarregue de introduzir modificações em algumas fortificações (Moura, Mourão e Portel) de modo a concretizar a transição da neurobalística para a pirobalística. Com o seu irmão Diogo, viajou até ao Norte de África, onde absorveu influências importantes para o trabalho que executou no baluarte do Restelo. Francisco de Arruda trabalhou também no Mosteiro dos Jerónimos, antes de iniciar a obra da Torre de Belém. É-lhe ainda atribuída a autoria do traçado da Sé de Elvas (por volta de 1520), da Casa dos Bicos e do Palácio da Bacalhoa (por volta de 1530).
O autor praticou no Baluarte de Belém um desenho de influências orientais (vejam-se as cúpulas de gomos nas guaritas) e norte-africanas conjugadas com soluções inspiradas na arquitetura italiana da época, na tradição das fortificações medievais, na arquitetura naval. Porém a Torre de Belém é sobretudo uma das mais originais construções militares de arte manuelina.
Numa rica gramática decorativa, elementos da heráldica régia e da imagética da pátria (recorrendo a escudos, brasões, cruzes de Cristo, esferas armilares, grossas cordas com nós ou laços) aliam-se a motivos naturalistas retirados da fauna e da flora marítimas nos frisos e nos balaustres rendilhados das varandas, (na base de uma das guaritas do lado noroeste está esculpido o rinoceronte que foi oferecido pelo Rei de Cambaia ao Rei D. Manuel I).
Na arquitetura manuelina as construções continuam a manter as estruturas góticas aliadas a novos conceitos de espaço e iluminação já por vezes renascentistas.
Erguida, de facto como fortaleza, a Torre, destinar-se-ia não apenas à defesa da passagem mais estreita do Tejo, mas também à proteção da grande cerca do Mosteiro dos Jerónimos e das riquezas que se encontravam depositadas no templo. Durante o reinado de D. Manuel I (1495-1521), serviu ainda de camarote nas cerimónias oficiais de largada e chegada das armadas, a que o Rei e a sua Corte assistiam a partir das suas varandas e balcões. Sob o domínio espanhol (finais do séc. XVI e primeira metade do XVII) as masmorras do baluarte serviram de prisão de Estado.
A Torre de Belém ao explorar elementos próprios da arquitetura manuelina foi concebida também para impressionar viajantes e marinheiros que pela primeira vez entrassem na barra de Lisboa.
Formalmente, a Torre eleva-se acima de uma plataforma ou baluarte mais larga que avança sobre o rio. Nos lados da plataforma virados para o rio apresenta saídas de bocas de fogo (canhões). A plataforma serve de base e as suas grossas paredes são construídas em esbarro. No interior do baluarte ao centro abre-se um pequeno pátio retangular, o claustrim, com arcaria gótica, a toda a volta, destinado ao arejamento e saída de fumos resultantes dos disparos da artilharia. Sob a nave do baluarte situam-se os paióis, mais tarde usados como masmorras. No nível superior, o baluarte é rematado por merlões em forma de escudo e ameias, nas esquinas existem seis pequenas guaritas circulares e cobertos por cúpulas gomadas. Na face sul do parapeito do claustrim encontra-se a imagem de pedra de ‘Nossa Senhora do Bom Sucesso’ ou ‘ Virgem das Uvas’.
A torre propriamente dita é de base retangular e é o resultado da sobreposição de dois volumes. O volume mais largo e alto é rematado por um balcão ameado assente em matacães (elemento defensivo vincadamente medieval muito utilizado nas torres de menagem). O outro volume, o superior, mais estreito e baixo termina também por merlões em forma de escudo e ameias e com guaritas circulares nas esquinas de cobertura gomada. Os dois corpos possuem aberturas, sendo as do corpo alto, geminadas e em balcões abertos.
A fachada sul, virada ao Tejo é a mais ricamente trabalhada. Ao nível do segundo pavimento a Sala dos Reis abre-se para um balcão corrido ou varandim, com arcaria de sete voltas perfeitas e adornadas por uma balaustrada rendilhada. Por cima, apresenta-se o escudo real de D. Manuel I ladeado por esferas armilares. No volume superior, encontrava-se o oratório.
Ana Ruepp